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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.3 São Paulo July/Sept. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000300019 

    CULTURA
    CIÊNCIA

     

    Rock para balançar o ensino da física e da astronomia

     

     

    Germana Barata

     

     

     

    Pink Floyd, Led Zeppelin, Queen, Black Sabbath e David Bowie não são comuns no repertório musical das novas gerações, mas ainda fascinam aqueles que cresceram com esses artistas subversivos que questionaram da Guerra Fria até a chegada do homem à Lua e contestavam os valores conservadores da sociedade, sobretudo no final dos anos 1960. Mas, se a questão for o ensino da física e da astronomia, Emerson Ferreira Gomes, doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), aposta que o mais puro rock'n roll é capaz de inspirar o debate em sala de aula e ainda enriquecer a cultura musical.

    A tese de Gomes, defendida em abril deste ano, analisa nove canções de rock, dentre as quais duas brasileiras: "Viagens espaciais, comunicações e observação do céu", de Os Mutantes, e "Órbita dos planetas, imagem da ciência", dos Novos Baianos. As músicas foram trabalhadas com alunos de graduação e do ensino médio e com professores da educação básica, de modo a contemplar diferentes níveis da educação.

    Apesar da maioria das letras ser em inglês, Gomes e seus monitores trabalhavam com as canções traduzidas, fornecendo seus contextos históricos, seguidos de um debate em grupo sobre a letra, melodia e harmonia. Após os debates era elaborada uma síntese das discussões geradas e das conclusões dos participantes. "O rock não é unanimidade entre os jovens. No entanto, percebi que mesmo os estudantes que não tinham esse estilo musical como favorito, sentiam um certo estranhamento das atividades e acabavam se envolvendo e engajando", conta o autor da pesquisa.

     

     

     

    MÚSICA PARA O ESPAÇO

    Gomes atua no grupo R.I.T.A (Rock na Investigação da Tecnociência para Adolescentes), voltado para estudantes da Escola de Artes e Ciências Humanas da USP e para alunos dos últimos dois anos do ensino fundamental II. Ele percebeu cedo que a ciência serviu de inspiração para muitos artistas do rock. "Lembro que a primeira referência que tive à invariância da velocidade da luz, foi numa música da banda britânica de rock progressivo Van der Graaf Generator, na canção 'Pioneers over c', cuja letra c, utilizamos para representar a velocidade da luz. Outros grupos como Genesis, Pink Floyd e Yes apresentariam canções com letras sobre o espaço sideral. Mas esse tema não aparecia apenas nas letras, diversos artistas ainda utilizariam a temática científica nas capas dos discos e na sonoridade que emulava o espaço sideral. Isso, aliado ao meu interesse em ficção científica, foram fundamentais para que escolhesse o curso de física". A exploração espacial é também bastante presente desde a primeira infância, quando foguetes, astronautas e planetas iniciam a ocupação de nosso imaginário e, portanto, essa conexão afetiva entre física e rock se torna importante no ensino da física.

    A pesquisa teve como base três pensadores que guiaram a análise: o psicólogo russo Lev Vigotski que aponta a mediação como primordial no processo de aprendizado, o pedagogo francês George Snyders, que via a escola como espaço de liberdade, transformação e satisfação; e o pedagogo brasileiro Paulo Freire que defendia o diálogo entre educador e educando para promover uma educação libertadora. Contribuições com as quais a educação tradicional deveria ter bastante familiaridade, mas que se afastaram das salas de aula ao longo dos anos, sobretudo com currículos escolares cada vez mais densos e com a desvalorização da carreira pedagógica, fatos que limitaram a atuação criativa do professor.

    A experiência do rock com os estudantes e professores, proposta por Gomes, foi palco de debates sobre a exploração espacial, o papel da mulher na ciência, além de conceitos da física e da astronomia. Dentre eles a dilatação do tempo, parte da Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, e que aparece na canção "39", do Queen; fenômenos eletromagnéticos em "Iron man", do Black Sabbath; os conceitos de espaço e viagem no tempo na música "Kashmir", de Led Zeppelin, e o clássico "Space oddity", de David Bowie, que apresenta questões que "vão além dos conceitos", tocando na questão da fragilidade do trabalho do astronauta.

     

    CIÊNCIA DO ROCK

    O uso do rock para o ensino de ciências se faz especialmente relevante pois sua criação está intimamente relacionada ao desenvolvimento de ciência e tecnologia. O uso da guitarra, que se confunde com esse estilo musical, depende de eletricidade para produzir a distorção do som, reflexo das profundas transformações ocorridas após a Segunda Guerra Mundial. "Essa relação do rock com a ciência e tecnologia se consolida não apenas pela temática em algumas das letras ou nome dos conjuntos, mas também pela própria manifestação de sua musicalidade, seja nas suas condições de produção ou na forma de tocar, uma vez que a eletricidade é fundamental em sua execução", afirma Gomes.

     

     

    O rock nasceu nos Estados Unidos ainda nos anos 1940, mas o primeiro grande sucesso só veio em 1952, com a canção "Rocket 88", de Ike Turner. O título se referia ao clássico carro V8 Oldsmobile 88, conhecido como o mais veloz dos Estados Unidos. Depois ele se popularizou com guitarristas exímios como Chuck Berry, Bo Diddley e Buddy Holly, Erick Clapton, Jimi Hendrix e Jimmy Page.

    Emerson Gomes pretende transformar o trabalho de pesquisa em livro para que as experiências de uso do rock no ensino de ciências possam chegar até os professores. "Acredito que o uso da canção pode ser, inclusive, associado ao uso de outros produtos culturais como filmes, documentários e experimentos lúdicos, tanto nos processos formais de ensino quanto em projetos de divulgação científica como feira de ciências, museus, entre outros", conclui.