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Ciência e Cultura
versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. v.59 n.2 São Paulo abr./jun. 2007
CIÊNCIA & ARTE
CORPO E INVENTOS ESTÃO EM EXPOSIÇÕES E NOVO LIVRO
A relação do ser humano com seu corpo é uma questão que move filósofos, artistas e cientistas há muitos séculos. A exploração das possibilidades dessa relação reúne conhecimento e arte e chega à atualidade, através de grandes exposições e registros editoriais de toda ordem. A motivação pelas descobertas científicas estimula a indústria cinematográfica e o áudio-visual, e uma das amostras mais ricas do momento chegou este ano para satisfazer a curiosidade do público brasileiro. Duas exposições, em áreas contíguas da Oca, construção que integra o Museu de Arte Moderna no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, têm características de blockbuster: filas enormes começaram em março e devem se manter até final de maio para ver "Leonardo da Vinci a exibição de um gênio", curadoria de Bruce Peterson e "Corpo humano: real e fascinante", de Roy Glover. A expectativa dos organizadores é que pelo menos a exposição do gênio florentino se estenda até o Rio de Janeiro.
Para o filósofo Francisco Javier Guerrero Ortega, membro do Instituto de Medicina Social, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, "há uma fixação no caráter mutante do corpo, que pode ser superado, ter próteses como um ciborgue, moldado em computador, uma busca no sentido estético". Focado também nessa temática que, em sua opinião, une as duas exposições, Ortega lança em agosto seu livro O corpo incerto: corporeidade, tecnologias médicas, e cultura contemporânea, onde trata do paradoxo do corpo como algo que diz respeito ao que nós somos e não ao que nos é imposto esteticamente.
A mostra de Leonardo da Vinci reúne mais de 150 reproduções das peças do pintor da Renascença italiana, divididas em 13 segmentos, com o intuito de contemplar sua diversidade como cientista, filósofo, pintor, inventor e anatomista. Segundo os organizadores, não foi focalizada uma parte específica da trajetória de Leonardo, já que o objetivo é uma exposição para divertir e com o caráter pedagógico de atrair o interesse do público para o artista e inventor. Para isso, a exposição usa, por exemplo, recursos multimídia, como no caso da recriação do "Homem Vitruviano" em 3 dimensões para permitir ao público uma experiência interativa. A intenção é não apenas apresentar a vida e a obra de Leonardo da Vinci (1452-1519), mas certificar-se de que a mostra atinja um grande público. Antes de chegar ao Brasil, parte deste acervo circulou por países europeus, recebendo, em Roma, por exemplo, mais de 600 mil visitantes e, em Moscou, aproximadamente 500 mil. A exposição na Oca foi concebida em maio de 2006 numa parceria entre a Anthropos Foundation e a RYP Austrália Major Projects.
HIPER-REALISMO "Corpo humano: real e fascinante" recupera a concepção de ciência existente no período do Cinquecento, época de grandes mestres dos estudos corporais em termos de estética e perspectiva. A mostra itinerante, organizada ao mesmo tempo na Oca e com visita sincronizada com a outra exposição, chegou ao Brasil após passar pela Inglaterra, Coréia do Sul e México, e tem exibições paralelas, atualmente, nos Estados Unidos e Holanda. Em "Corpo humano" podem ser vistos 16 corpos e 225 órgãos verdadeiros, conservados a partir de uma técnica chamada polimerização que, segundo os organizadores, é um aperfeiçoamento do método de plastinização, criado pelo alemão Gunther von Hagens em 1975 e patenteado em 1977. Hagens, que aperfeiçoou a técnica até a década de 1990, organizou a exposição pioneira "Body Worlds" (1996) que deu origem a uma série de outras exposições com um conceito muito semelhante.
A exposição está dividida em nove setores para representar cada sistema do organismo, dispostos com o caráter educativo de estudo da anatomia humana. Os corpos dissecados deixam visíveis todas as suas camadas, ossos, músculos e nervos, mostrando as diferentes funções dos órgãos e o funcionamento do corpo.
ESTUDO ANATÔMICO Ortega identifica entre as duas exposições da Oca um certo diálogo de continuidade. Hagens, que foi pioneiro nesse tipo de exposição sobre o corpo, reproduz uma dimensão que havia nas exposições anatômicas ou nos estudos de anatomia artística do Renascimento. "Nesse período, a anatomia era da ordem do espetáculo público e essas exposições ocorriam em grandes teatros como o de Bologna, por exemplo, e tinham como alvo a elite intelectual da cidade.
Hagens recupera um pouco dessa dimensão, mas choca porque a anatomia não é mais algo público nos dias atuais. As dissecações ocorrem dentro dos muros das universidades, dos centros de pesquisa, dos hospitais. Hagens, ao fazer isso quebra um tabu de algo que estava restrito ao ambiente médico", diz o filósofo da Uerj.
Em sua opinião, a visibilidade adquirida por tais exposições adquire mais sentido com a atual cultura do corpo, que ganha cada vez mais importância. Recuperar essa dimensão da anatomia renascentista é uma forma de reatualizar potências que já estavam dadas nesse período. "É como se Hagens e seus herdeiros, entre os quais Roy Glover, dissessem eu sou o último dos anatomistas. Eles recuperam uma tradição que foi interrompida quando a anatomia se tornou algo do privado. Recuperar essa tradição é romper um tabu".
Ele lembra, ainda, que von Hagens vem sendo acusado pela promotoria da Baviera pela compra de cadáveres na Rússia ou de usar cadáveres de pessoas executadas na China. A divulgação da exposição de Glover sobre corpo humano na Oca garante que "todos os corpos e órgãos exibidos nesta exposição são de indivíduos acometidos de morte natural, que optaram por participar de um programa de doação de seus próprios corpos em benefício da ciência e da educação, realizado pela República Popular da China."
Marta Kanashiro
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