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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.56 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2004

     

     

    CINEMA

    A HORA E AVEZ DO DOCUMENTÁRIO

     

    O documentário vive, hoje, uma verdadeira efervescência tanto na produção como na pesquisa. Apesar de ainda não desfrutar dos grandes investimentos da indústria cinematográfica, nem tampouco obter o sucesso comercial de filmes como O senhor dos anéis ou Kill Bill, o número de produções tem crescido, chegando às salas de cinema mundo afora, e seus diretores voltam a ter o talento reconhecido.

    Para o pesquisador Fernão Ramos, professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), "o documentário deixou de ser marginal e está, cada vez mais, ocupando um lugar central no cinema". A evidência mais recente desse fenômeno é Fahrenheit 9/11, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, conquista que apenas outro documentário, O mundo do silêncio, de Jacques Cousteau e Louis Malle, havia conseguido antes, em 1956, quando o prêmio ainda nem tinha o mesmo nome. O polêmico documentarista norte-americano, Michael Moore, já havia emplacado outro documentário anteriormente, Tiros em Columbine, e chamado a atenção para o gênero.

    Na França, Nicholas Philibert conseguiu uma performance semelhante para o seu documentário Ser e ter (Être et avoir) que aborda o cotidiano de alunos de uma pequena escola rural, responsável, inclusive, por uma polêmica sobre direitos autorais para o professor retratado no filme, chegando até a uma disputa judicial em torno dos lucros obtidos com a exibição.

    A produção brasileira, igualmente, vem ganhando maior visibilidade e tem no festival internacional de documentários É tudo verdade um quadro representativo desse cenário. Em 1996, quando foi criado, o festival reuniu 50 filmes produzidos no país; neste ano, o número foi cinco vezes maior.

    Essa explosão de interesse pelo gênero deve-se, em grande parte, ao surgimento da câmera digital, que barateou a produção. Para Ramos, cresceu, igualmente, a demanda por narrativas que reflitam sobre as imagens relacionadas com a realidade concreta que as pessoas vivem. "Hoje, a audiência do documentário já domina cerca de 15% das exibições no país, o que é um salto muito grande ao índice de 1% a 2% de anos atrás".

    COMERCIALIZAÇÃO DIFÍCIL Embora distribuidores e público estejam mais receptivos ao documentário, ainda há dificuldades em se manter em cartaz no circuito comercial de cinema. "Entrar nas salas é difícil, mas possível. O problema é que, se o filme não alcançar um público razoável na estréia, a tendência é que reduzam horários, mudem para uma sala pior, o que significa também uma tendência a fazer um público menor na semana seguinte". Kiko Goifman, diretor de 33 e Morte densa, acrescenta que o documentário brasileiro enfrenta, ainda, a concorrência dos estrangeiros e dos filmes de ficção. "Se você chega ao circuito comercial sem verba para publicidade e cópias, seu filme ficará pouco tempo em cartaz, explica.

    O circuito de festivais e as TVs são os meios de exibição mais comuns para o gênero, mas a parceria com canais a cabo ainda é fraca no Brasil. O surgimento do canal GNT animou os documentaristas, mas a emissora não tem verba para a produção dos filmes, pois "é mais barato comprar pacotes internacionais", lamenta Goifman.

    MAIS SEDUÇÃO O cineasta defende políticas de estímulo para que o público entre no cinema para conhecer a produção atual de documentários, o que inclui até a redução do preço do ingresso. Existe hoje uma produção mais instigante e sedutora", diz. O próprio Goifman fez um documentário autobiográfico, o 33, onde trata da questão de adoção, ao registrar a busca por sua mãe biológica. O filme se estrutura de forma parecida com a ficção, como aponta o crítico e professor de cinema Jean-Claude Bernardet.

    "O bom documentário tende à ficção; a boa ficção tende ao documentário", nas palavras do cineasta francês Jean-Luc Godard ao se referir ao cinema de seu compatriota, Jean Rouch, que morreu no início deste ano. Rouch transcende o terreno do documentário, misturando procedimentos e influências da ficção no desenvolvimento de seus filmes. Em Eu, um negro (Moi, un noir), de 1958, os personagens, reais, "fazem de conta" que são atores conhecidos do cinema americano, ficcionalizando a si próprios. "Os filmes de Rouch são, de certa forma, ficcionais", avalia Bernardet.

    "O documentário não tem que informar, educar, não é jornalismo; mostra maneiras de se ver o mundo", pondera o cineasta Eduardo Coutinho de Cabra marcado para morrer e Edifício Master. Goifman entende o abandono do didatismo como um dos fatores para esse bom momento do cinema não-ficcional. O diretor empresta seu olhar mas não reproduz a realidade em si, diz Goifman citando o filme Prisioneiro da grade de ferro, de Paulo Sacramento, sobre o presídio Carandiru, mas sem pretender desvendar a totalidade dos fatos.

     

     

    Ana Carolina Freitas