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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.58 no.2 São Paulo Apr./June 2006
APRESENTAÇÃO
ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS E PERSPECTIVAS CIENTÍFICAS DA TERMINOLOGIA
Lídia Almeida Barros
A ciência avança e a divulgação de suas pesquisas produz uma documentação variada, em diferentes línguas. A transmissão do saber faz-se por meio de textos que possuem características peculiares, em nível semiótico, pragmático, sintático, semântico e, sobretudo, lexical, uma vez que é principalmente por meio de uma terminologia própria que esse tipo de texto veicula os conhecimentos especializados.
A terminologia, enquanto estudo do vocabulário das áreas técnicas e científicas, desempenha um papel fundamental nesse processo. Suas pesquisas têm-se desenvolvido de modo intenso nas últimas décadas; suas bases teóricas têm sido revistas e novos modelos propostos; diferentes campos de atuação têm-se aberto, apresentando-se novos desafios.
Este artigo tem como objetivo fornecer elementos básicos ao conhecimento da terminologia enquanto estudo teórico e atividade prática. Nesse sentido, abordaremos, nos próximos itens, questões relativas a sua identidade científica, às principais contribuições de seu trabalho ao desenvolvimento de outros campos do saber e à perspectiva de expansão de sua área de atuação.
IDENTIDADE CIENTÍFICA A afirmação da terminologia como disciplina científica que estuda os termos das áreas de especialidade deu-se, no Ocidente, por meio dos trabalhos de Eugen Wüster (1898-1977), engenheiro austríaco que, nos anos 1930, estabeleceu as bases da futura Teoria Geral da Terminologia (TGT).
Para a TGT, o termo, enquanto signo lingüístico, não se compõe de conteúdo e de expressão indissociavelmente ligados. Para essa corrente teórica, o conceito precede a expressão e essas duas facetas são independentes uma da outra. Devido à tônica normalizadora dessa linha teórica, o conceito deve ser estabelecido de antemão e, só então, deve-se procurar a expressão lingüística que mais adequadamente designe o conteúdo terminológico em questão.
O conceito é considerado pela TGT como um conjunto de traços característicos relevantes de um objeto e é compreendido como algo universal e imutável.
Os estudos de natureza descritiva que se efetuaram ao longo dos cerca de 60 anos que se seguiram à defesa da tese de doutorado de Wüster, considerada como o documento fundador da terminologia, depararam-se com as limitações dos pressupostos teóricos da TGT. Esses estudos, de caráter lingüístico, constataram que o modelo wüsteriano não é capaz de atender às necessidades de análise da unidade terminológica enquanto signo lingüístico composto, indissociavelmente, de conteúdo e de expressão; menos ainda é adequado à análise das terminologias em uma relação dinâmica com outros elementos do texto e da comunicação especializada.
Nova linha de raciocínio surgiu, então, e o conceito passou a ser dimensionado em uma perspectiva do significado, unidade de pensamento maior que congrega também elementos pragmáticos. O signo terminológico passou a ser tratado de acordo com a concepção saussureana de unidade entre o significante e o significado.
Passou-se a estudar a unidade terminológica também do ponto de vista sociolingüístico, o que proporcionou o surgimento da socioterminologia. De acordo com essa disciplina científica, as variantes lexicais e conceptuais devem constituir objeto de estudo da terminologia e devem ser analisadas em contexto.
Reflexões sobre a variação lexical e a identidade científica da socioterminologia são feitas, no âmbito deste Núcleo Temático, no artigo de Enilde Faulstisch, intitulado A socioterminologia na comunicação científica e técnica. Nele a autora ressalta que a socioterminologia "é um ramo da terminologia que se propõe a refinar o conhecimento dos discursos especializados, científicos e técnicos, a auxiliar na planificação lingüística e a oferecer recursos sobre as circunstâncias da elaboração desses discursos ao explorar as ligações entre a terminologia e a sociedade".
Questões relacionadas ao planejamento lingüístico e à normalização terminológica também são abordadas nesse trabalho.
Durante as décadas de 1980 e 1990, predominaram, em terminologia, pesquisas de caráter descritivo e, conseqüentemente, o modelo da TGT sofreu fortes críticas, que conduziram a uma nova proposta teórica: a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), sistematizada por Maria Teresa Cabré, em 1999 (1).
De acordo com os pressupostos da TCT, o termo é uma entidade poliédrica, ou seja, uma unidade lingüística (no sentido que lhe deu Ferdinand de Saussure), é uma unidade de comunicação e uma unidade cognitiva. Cabré formula a Teoria das portas, segundo a qual os termos podem ser vistos de diferentes ângulos e analisados segundo os modelos das ciências lingüísticas, cognitivas e da comunicação que se considerarem adequados à pesquisa em pauta.
Em uma perspectiva congitivista, surge uma nova concepção de termo. Rita Temmerman, em 2000 (2), rejeita a idéia de conceito e de significado e propõe que se fale em unidade de compreensão ou de entendimento (unit of understanding). Nessa linha, a delimitação do conteúdo toma como base o texto no qual o termo está inserido. Desse modo, o conceito não é universal nem imutável, mas a expressão de um conjunto de elementos de natureza lingüística que se consubstanciam em um texto que possui não apenas uma dimensão lingüística, mas também pragmática, discursiva e comunicativa.
Diante dessa nova concepção de termo, as investigações científicas desenvolvidas pela lingüística textual sobre o texto de especialidade ganham relevância e seus achados são preciosos para a terminologia. Considerando a atualidade e a importância da colaboração entre terminologia e lingüística textual, retomaremos essa questão mais adiante neste artigo.
CIÊNCIAS DO LÉXICO: COOPERAÇÃO E FRONTEIRAS Terminologia, lexicologia e lexicografia têm como objeto de estudo a "palavra". Embora trabalhem com a mesma "matéria-prima", cada uma a recorta diferentemente, possui modelos teóricos e métodos de análise específicos, além de uma metalinguagem particular, o que garante a cada uma dessas ciências ou disciplinas uma identidade científica própria.
Ao proceder a estudos sobre a dinâmica de produção lexical e sobre os processos de formação dos termos nos domínios de especialidade, entre outros aspectos, a terminologia se aproxima da lexicologia. Os resultados de suas pesquisas contribuem para maior conhecimento do perfil e do funcionamento do universo lexical de uma língua.
Em seu artigo, A renovação lexical nos domínios de especialidade, publicado neste NT, Ieda Maria Alves, lexicóloga e terminóloga, aborda a relação entre evolução científica, técnica, social e terminológica. Sobre essa questão, a autora afirma que "o desenvolvimento das ciências e das técnicas, que se processa de maneira crescente, gera, conseqüentemente, um número igualmente crescente de novos termos, necessários para denominar os novos inventos, as novas tecnologias". Assim, desenvolvimento científico e produção terminológica caminham juntos em uma sociedade.
Tem-se destacado, dentre as atividades da terminologia, a elaboração de dicionários técnicos e científicos. O termo terminografia foi cunhado para designar o ramo da terminologia que elabora esse tipo de obra. Surgiu do paralelismo com lexicografia, ciência mais antiga responsável pela produção de dicionários, sobretudo de língua geral.
A lexicografia produz ainda os chamados dicionários especiais, ou seja, dicionários de língua que registram apenas um tipo de unidade lexical ou fraseológica, como, por exemplo, os dicionários de expressões idiomáticas, de provérbios, de ditados, de gírias, de sinônimos, de antônimos e outros.
Com o acelerado desenvolvimento das ciências e das técnicas, as terminologias das áreas de especialidade ocupam cada vez mais terreno na comunicação, passam a integrar o universo léxico das línguas e, por conseguinte, "reivindicam" maior espaço nos dicionários de língua geral.
A relação entre as terminologias e as obras lexicográficas é analisada por Maria Tereza Camargo Biderman, lingüista e lexicógrafa, em seu artigo O conhecimento, a terminologia e o dicionário. Nele, a autora aborda a dificuldade de registrar todas as unidades terminológicas das áreas de especialidade nos dicionários de língua geral, como podemos verificar em suas palavras:
"(...) dado o número gigantesco de termos técnicos e científicos, e considerando-se o escasso emprego de muitos deles, o dicionarista terá uma tarefa complexa na seleção das unidades que integrarão a nomenclatura do dicionário geral."
É, portanto, evidente a impossibilidade de um dicionário de língua geral contemplar todo o universo de termos das áreas de especialidade de uma língua.
Normalmente, os dicionários atendem à seguinte necessidade: alguém que tenha tido contato com uma palavra, mas que não conheça seu significado, recorre à obra lexicográfica para elucidar o conceito ignorado. O percurso seguido nesse processo é o semasiológico (da palavra ao significado), porém esse não é, em muitos casos, eficaz na busca dos dados. De fato, por vezes o consulente encontra-se de posse de alguns elementos de significação, mas desconhece a palavra que expressa esse conteúdo e deseja encontrá-la. Nesse sentido, outro tipo de obra lexicográfica atende melhor às necessidades dos usuários: os dicionários onomasiológicos.
O conceito de onomasiologia, o processo que a caracteriza e os principais tipos de repertórios com caráter onomasiológico são analisados no artigo de Maurizio Babini, terminólogo e pesquisador de lingüística computacional, intitulado Do conceito à palavra: os dicionários onomasiológicos, que compõe o conjunto de artigos deste NT. Segundo esse autor, "todos os repertórios lexicográficos e terminográficos podem fornecer a definição e o significado de uma palavra ou de um termo, mas como encontrar essa palavra ou esse termo se não os conhecemos? Como chegar à expressão se temos somente seu conceito ou parte deste? Os dicionários onomasiológicos são instrumentos importantes para o atendimento dessa necessidade."
Babini ainda considera que seria bom que todos os dicionários permitissem encontrar tanto "as palavras pelas idéias" quanto "as idéias pelas palavras".
APLICAÇÕES DOS ESTUDOS TERMINOLÓGICOS Os resultados das pesquisas terminológicas têm inúmeras aplicações e a cooperação se dá com diversas áreas, tais como a tradução especializada, a documentação, o jornalismo científico, as ciências sociais, o ensino de línguas, o ensino de disciplinas técnicas e científicas. A terminologia fornece ainda dados para atividades de planejamento lingüístico e de normalização terminológica, entre outras.
TRADUÇÃO ESPECIALIZADA: Ao trabalhar textos técnicos, científicos e especializados, o tradutor entra no campo da terminologia bilíngüe. Para bem executar sua tarefa, o tradutor deve conhecer a área do texto que traduz, ter domínio das línguas de partida e de chegada e, especialmente, da terminologia empregada no campo em questão.
Uma boa tradução não deve apenas expressar o mesmo conteúdo que o texto de partida, mas fazê-lo com as formas que um falante nativo da língua de chegada utilizaria.
Para seus trabalhos, os tradutores se valem de dicionários monolíngües, bilíngües e multilíngües e, nesse sentido, a tradução mantém forte relação com a terminografia e com a lexicografia, visto que essas produzem um dos principais instrumentos de trabalho do tradutor: os dicionários.
Os tradutores devem receber formação que lhes garanta condições de atuar como terminólogos para resolver pontualmente problemas com termos que não figuram nessas obras.
>ENSINO DE LÍNGUAS: No processo de aprendizagem de uma língua estrangeira, o aluno é levado a adquirir conhecimentos sobre os princípios de funcionamento geral do sistema lingüístico em questão e a dominar um conjunto vocabular amplo e variado. Desse conjunto constam unidades terminológicas utilizadas em diferentes domínios especializados.
A ampliação progressiva, por parte do aluno, de seu conjunto léxico em língua estrangeira deve ser acompanhada do aprofundamento do conhecimento desses mesmos conjuntos em língua vernácula. Os dicionários bilíngües, multilíngües e monolíngües, especializados e de língua geral, são fundamentais nesse processo.
ENSINO DE DISCIPLINAS TÉCNICAS E CIENTÍFICAS: Os encontros nacionais e regionais de professores de diferentes disciplinas do ensino fundamental e médio discutem há anos o problema do baixo aproveitamento dos alunos. Os debates levam geralmente à conclusão de que uma das causas desse insucesso escolar é a dificuldade de decodificação de textos especializados e de compreensão dos enunciados das provas. Essa dificuldade provém, em boa parte, do pouco domínio pelos alunos da metalinguagem própria da disciplina ensinada.
O problema detectado no Brasil não é, no entanto, um fato isolado. Muitos países vivem a mesma realidade, inclusive em relação a estudantes de cursos de nível superior.
A terminologia pode colaborar na elaboração de estratégias e de instrumentos de aprendizado do vocabulário especializado, contribuindo para a melhoria do ensino e para o sucesso escolar.
CIÊNCIAS SOCIAIS: Cada povo faz um recorte particular da realidade objetiva e procede a delimitações conceptuais, que são expressas por palavras. Os fenômenos da natureza e suas representações sociais, os instrumentos de trabalho, utensílios domésticos, armas para defesa pessoal e caça, instrumentos de pesca, instituições sociais, sentimentos, crenças, religião e todos os elementos do mundo em que vive cada comunidade sociocultural são designados por unidades lexicais que, consideradas como signos lingüísticos de domínios específicos da atividade dessa comunidade, podem assumir o estatuto de termo.
O estudo de muitas das características de um povo resvala ou necessita obrigatoriamente da descrição de seu sistema lingüístico, de seu universo léxico e de conjuntos terminológicos. Nesse sentido, a terminologia pode dar grande contribuição, procedendo ao levantamento, análise, sistematização e descrição dos termos utilizados pela comunidade sociocultural em setores específicos de sua vida.
DOCUMENTAÇÃO: O trabalho de indexação, feito pela documentação, identifica o conteúdo de um documento por meio de descritores, ou seja, de palavras-chave que facilitam o acesso à informação. Para esse trabalho, os documentalistas costumam recorrer a tesauros que, normalmente, contam com o concurso da terminologia para sua elaboração.
Se, por um lado, a terminologia se põe a serviço da documentação, esta última também é de auxílio à primeira. De fato, todo o trabalho terminológico se dá com base nos dados veiculados por textos das áreas de especialidade, que são identificados, analisados e organizados pela documentação. O produto final do trabalho do terminólogo os dicionários especializados também é catalogado pelos documentalistas.
JORNALISMO CIENTÍFICO E TÉCNICO: Cotidianamente, o jornalista enfrenta vários desafios: penetrar em um universo científico ou técnico que pouco conhece, compreender a problemática em questão, freqüentemente apresentada em uma linguagem marcada por alta densidade terminológica, e transpor para uma linguagem de fácil decodificação por parte de seu público leitor as conquistas mais recentes da ciência e da tecnologia.
A terminologia pode ser de grande auxílio ao jornalista, uma vez que cabe a ela estudar os textos de especialidade, identificar as unidades terminológicas veiculadas por eles, proceder ao levantamento dessas, analisá-las, descrevê-las, sistematizá-las e organizá-las em obras terminográficas (os dicionários especializados) ou em bancos de dados informatizados.
O jornalista que se dedica à divulgação técnica e científica não apenas deve trabalhar em cooperação com o terminólogo, mas também conhecer os princípios básicos do trabalho terminológico, para resolver problemas que se apresentam diariamente no exercício de sua profissão.
PLANEJAMENTO LINGÜÍSTICO: Cada país adota uma política lingüística cujas características dependem da realidade sociocultural de seu povo. O processo de intervenção do Estado com o objetivo de modificar de um modo ou de outro o comportamento lingüístico de seus cidadãos é chamado de planificação ou planejamento lingüístico. A intervenção estatal normalmente se dá em situações de interesse nacional ou regional e pode ter motivações várias.
No caso do Brasil, existe um interesse particular pelo Mercosul, projeto de política externa que envolve Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e que tem como objetivo criar um agrupamento regional econômica e politicamente estável com o fim de dinamizar o comércio entre os signatários desse projeto. Embora esse interesse não leve esses países a uma proposta de planejamento lingüístico propriamente dito, existe uma demanda de estudo e tratamento das terminologias das áreas-alvo de intercâmbio comercial.
A vasta documentação produzida nas línguas portuguesa e espanhola devido à intensificação das relações políticas e comerciais entre esses países conduz à necessidade de se garantirem os meios de uma comunicação sem ruídos. Nesse sentido, o tratamento de terminologias das áreas técnicas e científicas é fundamental, com explica Maria da Graça Krieger em seu artigo intitulado Terminologia técnico-científica: políticas lingüísticas e Mercosul, que compõe este Núcleo Temático:
"Diante da funcionalidade operada pelos termos especializados na transmissão de conhecimentos científicos e técnicos e na divulgação de produtos e serviços, justifica-se a necessidade de concretizar um projeto terminológico para um contexto de integração regional como o Mercosul. Conseqüentemente, é um importante recurso estratégico organizar e facilitar o acesso a repertórios terminológicos que privilegiam áreas de interesse das sociedades que buscam se integrar na busca de seu fortalecimento."
A terminologia pode, portanto, dar contribuição importante para que a comunicação entre os quatro países que almejam a consolidação do MercoSul se dê a contento.
NORMALIZAÇÃO TERMINOLÓGICA: A busca de eficácia na comunicação entre especialistas pode conduzir à normalização terminológica mono ou multilíngüe.
Diversos organismos nacionais e internacionais estudam conjuntos terminológicos de áreas técnicas e científicas com o objetivo de padronizar o uso de termos, de modo a evitar ruídos na comunicação e, assim, tornar mais eficazes os serviços ou prevenir acidentes. As obras terminográficas produzidas por organismos de normalização registram terminologias cujo emprego é recomendado.
PARCERIAS MAIS RECENTES A terminologia não fica alheia ao nascimento de novos domínios do saber e neles busca elementos que lhe permitam inovar e avançar em seus estudos.
Nos últimos anos, a terminologia tem se beneficiado com os resultados das investigações científicas desenvolvidas pela lingüística computacional, pela lingüística de corpus e pela lingüística textual.
LINGÜÍSTICA COMPUTACIONAL E LINGÜÍSTICA DE CORPUS: A tecnologia informática transformou-se em grande aliada de todas as ciências, dentre elas a lingüística e a terminologia, fornecendo inúmeros recursos de exploração.
A lingüística computacional, disciplina científica multidisciplinar que se caracteriza pela confluência de várias áreas, como a lingüística, a inteligência artificial, a computação e a lógica computacional, cria instrumentos de composição, extração, análise, manipulação e processamento de dados lingüísticos em texto, ferramentas eletrônicas que auxiliam enormente o trabalho dos terminólogos.
A lingüística de corpus "ocupa-se da coleta e da exploração de corpora, ou conjuntos de dados lingüísticos textuais coletados criteriosamente, com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade lingüística" (3). Essa disciplina científica também conheceu grande desenvolvimento na última década e tem contribuído para os estudos de diferentes áreas, destacando-se os da lexicografia e da terminologia, como explica Berber Sardinha:
"Ao revelar uma quantidade surpreendente de evidências lingüísticas provindas de corpora eletrônicos, a lingüística de corpus questiona os paradigmas estabelecidos dos estudos lingüísticos e mostra novos caminhos para o lingüista, o professor, o tradutor, o lexicógrafo e muitos outros profissionais. A influência mais visível no mundo contemporâneo está na preparação de dicionários. Hoje, todos os grandes dicionários da língua inglesa (de Oxford até Cambridge, Collins, Longman) são feitos com base em lingüística de corpus" (4).
A relação entre terminologia, lingüística computacional e lingüística de corpus é explicada por Gladis Almeida, Leandro de Oliveira e Sandra Aluísio no artigo intitulado A terminologia na era da informática, que compõe este NT:
"A contribuição advinda da informática começa de fato a aparecer nas pesquisas terminológicas no Brasil nos últimos dez anos. O crescimento de estudos e pesquisas na área de lingüística computacional e lingüística de corpus e o conseqüente aprimoramento e desenvolvimento de ferramentas computacionais voltadas para o processamento de língua natural (PLN) do português passam a interferir diretamente na prática terminográfica".
Assim, terminologia, lingüística computacional e lingüística de corpus mantêm entre si uma estreita relação de colaboração, que tem produzido excelentes resultados.
LINGÜÍSTICA TEXTUAL: Diante das novas concepções de termo e do trabalho terminológico que apresentamos anteriormente no item Identidade científica da terminologia deste trabalho, os estudos dos textos de especialidade desenvolvidos nos últimos anos pela lingüística textual ganham relevância e trazem grande contribuição para a terminologia.
A compreensão de que os termos devem ser analisados em seu ambiente natural os textos e de que estes consistem em um conjunto dinâmico de elementos lingüísticos, pragmáticos, discursivos e comunicativos, faz com que as pesquisas terminológicas passem a ver seu objeto (os termos) como algo que pertence a um conjunto dinâmico. Sendo assim, não é possível o termo possuir uma configuração lingüística única, universal e imutável.
Indo além nas propostas de novos paradigmas de análise das terminologias técnicas e científicas, passou-se a levar em conta também as condições de produção do texto e o cenário comunicativo em questão.
Assim, dependendo do texto e do cenário comunicativo, os termos das áreas especializadas assumem configuração semântica específica, como explica Ciapuscio:
"Os textos enquanto ofertas de conceptualização representam e apresentam determinado estado de coisas a seus intérpretes, para que estes construam sobre essa base e em interação com seus conhecimentos, experiências e crenças prévias uma determinada interpretação. A configuração conceptual das unidades léxicas pode reconstruir-se no texto, se se concebe este como um desdobramento (uma extensão) de sua configuração semântica; inversamente, a unidade léxica extraída do texto concentra os conhecimentos associados a ela nesse texto particular" (5).
Desse modo, o estudo do texto especializado e da tipologia textual de especialidade ganha força de necessidade para as pesquisas em terminologia. Uma relação de complementaridade se estabelece, então, entre esse campo do saber e a lingüística textual, sobretudo o ramo desta que se dedica aos textos de especialidade. A colaboração traz benefícios para ambos os lados, como explica Ciapuscio:
"[...] a idéia básica é a de que o estudo terminológico do texto pode trazer contribuições não apenas para a terminologia, mas também para o esclarecimento de problemáticas relevantes para os estudos textuais, como, por exemplo, avanços em direção a uma tipologia dos textos especiais e ao estabelecimento de graus de especialização dos textos tomando como base o léxico" (6).
Assim, por um lado, a configuração conceptual dos termos é condicionada por fatores de natureza textual; por outro, as terminologias constituem traços-chave para se determinarem graus ou níveis de especialização dos textos.
Lothar Hoffmann (1998) também dá grande contribuição aos estudos do texto de especialidade e propõe uma classificação baseada em dois eixos: um horizontal, relacionado às diferentes temáticas e campos da ciência e da técnica, e outro, vertical, relativo ao grau de abstração da linguagem, eixo no qual a densidade terminológica é fator primordial.
Do ponto de vista da verticalidade textual, a disposição dos textos seria a seguinte:
Uma observação importante feita por Ciapuscio é a de que a densidade semântica e o uso de formas lexicais variam de acordo com o nível a que pertencem os textos. Por exemplo, em um texto especializado em ciências da vida escrito por e para especialistas, o conteúdo conceptual de um termo é pleno, enquanto que esse se dilui quando o texto é de divulgação científica. Quando se trata de divulgação a largo público, do conteúdo conceptual total permanecem apenas os traços relevantes e caracterizadores do termo.
NOVAS FRONTEIRAS A terminologia encontra-se, hoje, em plena expansão em nível nacional e internacional e seus estudos exigem, cada vez mais, o estabelecimento de relações de colaboração com diferentes áreas científicas e técnicas, como vimos anteriormente.
Nos últimos anos, os terminólogos têm desenvolvido projetos que avançam sobre terrenos considerados como não pertinentes a pesquisas em terminologia.
De fato, as investigações científicas sobre o léxico de obras literárias têm observado a presença marcante, nessas obras, de termos pertencentes a campos temáticos e especializados. Assim, a terminologia dá passos no sentido de estabelecer relações de cooperação com a literatura, o que não se concebia até recentemente e ainda não se concebe para a maior parte dos terminólogos, visto que se considera que o texto literário se oponha ao texto técnico e científico em suas características fundamentais.
Outra interface que começa a ser observada nos estudos terminológicos é a que tem em um dos lados o vocabulário da cultura popular brasileira. De acordo com Maria Aparecida Barbosa, algumas unidades lexicais dos discursos etno-literários têm características muito particulares, sendo "quase-termos técnicos", uma vez que pertencem a uma "linguagem especial/especializada" e sua configuração semântica demonstra que essas unidades possuem semas da língua comum e semas das linguagens de especialidade.
Em seu artigo intitulado Para uma etno-terminologia: recortes epistemológicos, que compõe este Núcleo Temático, Barbosa explica que são essas unidades lexicais
"(...) que sustentam o pensamento e o sistema de valores da cultura que configuram uma axiologia. Assim, as unidades lexicais do universo de discurso etno-literário têm um estatuto próprio e exclusivo. Noutras palavras, essas unidades lexicais reúnem qualidades das línguas especializadas e da linguagem literária, de maneira a preservar um valor semântico social e constituir, simultaneamente, documentos do processo histórico da cultura. (...) No nível da norma e do falar concreto, ela [unidade lexical] subsume as duas funções, vocábulo e termo."
Para estudar esse tipo de unidade lexical, a autora propõe a consolidação da disciplina científica etno-terminologia, que estudaria "a norma relativa ao estatuto semântico, sintático e funcional do conjunto das unidades lexicais que caracterizam o universo dos discursos etno-literários, no âmbito da cultura brasileira" (7).
CONSIDERAÇÕES FINAIS A terminologia, enquanto estudo do vocabulário das áreas técnicas e científicas, tem evoluído a passos largos nos seus 70 anos de existência.
Sua vitalidade encontra-se diretamente ligada à capacidade de trabalhar em interface com outros campos científicos. A colaboração interdisciplinar se dá tanto com ciências já consolidadas quanto com áreas emergentes.
Em uma relação de interação, essas áreas beneficiam a terminologia com seus achados, por um lado; por outro, as necessidades das pesquisas terminológicas tornam-se desafios para essas ciências, o que impulsiona o desenvolvimento delas.
A perspectiva atual da terminologia é a de abertura de novos caminhos em parceria com ciências de ponta.
Lídia Almeida Barros é lingüista e terminóloga, professora adjunto no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas-Ibilce da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de São José do Rio Preto. É presidente da Comissão Permanente de Pesquisa do Ibilce e autora do livro Curso básico de terminologia (São Paulo: Edusp, 2004).
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Cabré, M.T. La terminología: representación y comunicación. Barcelona, IULA, 1999.
2. Temmerman, Rita. Towards new ways of terminology description. The sociocognitive approach. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2000.
3. Berber Sardinha, A. Lingüística de corpus. São Paulo: Manole, 2004, p. 3.
4. Berber Sardinha, A. op.cit. p. 17-18.
5. Ciapuscio, G. E. Textos especializados y terminología. Panorama de las tipoIogías Barcelona: IULA, 2003, p. 115 (Sèrie Monografies, 6)
6. Ciapuscio, G. E. op.cit. p. 71.
7 Barbosa, M. A. Para uma etno-terminologia: recortes epistemológicos. Artigo publicado nesta edição da revista Ciência e Cultura.