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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.58 no.3 São Paulo July/Sept. 2006
EXPLOTAÇÃO E MANEJO DOS RECURSOS PESQUEIROS DO LITORAL AMAZÔNICO: UM DESAFIO PARA O FUTURO
Victoria Judith Isaac-Nahum
O litoral amazônico, que inclui a linha de costa dos estados do Pará e do Amapá, possui uma vocação natural para a exploração de recursos pesqueiros. Nessa região, a matéria orgânica oriunda da decomposição das florestas de mangue e das planícies inundadas do rio Amazonas e a ação dos rios carregando sedimentos para a plataforma continental são responsáveis pela formação de condições propícias de produtividade. A heterogeneidade e dinâmica das condições físico-químicas determinam diferenças importantes no estabelecimento da flora (1), fauna bentônica (2) e comunidades de peixes (3) associadas a esses ambientes.
A zona costeira paraense e maranhense possui uma grande diversidade íctica e é reconhecida pela riqueza de recursos pesqueiros demersais, alguns deles muito explorados, mas a maior parte das vezes ainda com potencial desconhecido (4). A pesca é uma das atividades mais tradicionais e garante renda e subsistência para uma boa parte da população, além de render importantes divisas para o país. De fato, a produção pesqueira do litoral norte representa 20% do volume total de pescado de origem marinha/estuarina do Brasil e 10% do valor total de produtos exportados dessa origem (5), superando os US$ 40 milhões por ano.
DESCRIÇÃO DAS PESCARIAS Sob o ponto de vista ecológico, a acentuada variação sazonal da salinidade da água no estuário amazônico determina uma safra com dominância de espécies de água doce, no inverno, e outra de espécies de água salgada, no verão. O período chuvoso, de dezembro a maio, quando a forte descarga do Amazonas desloca a água salobra para leste do estado do Pará, é mais produtivo do que o período seco (3, 6).
Com barcos preferencialmente de madeira e operação manual das artes de pesca o que deveria causar pouco impacto aos ecossistemas a pesca do litoral norte é predominantemente de caráter artesanal, sendo poucas modalidades consideradas industriais. Na realidade, o conceito de pesca "industrial" na região é discutível, pois os equipamentos e facilidades das frotas assim denominadas estão longe de serem comparáveis com outras frotas da indústria da pesca no país.
Dentre as pescarias consideradas industriais destaca-se a captura do camarão-rosa (Farfantepenaeus subtilis) pela frota de arrasto de portas e a captura da piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) pela frota de arrasto de parelhas, ambas orientadas para a exportação e cuja prática possui grandes impactos nos ecossistemas, seja pelo efeito do arrasto, como, principalmente pela grande quantidade de fauna acompanhante capturada nesse tipo de apetrecho. Também de importância econômica e orientadas ao mercado internacional destacam-se a captura de pargos (Lutjanus purpureus e outros Lutjanidae) que é realizada com barcos industriais que utilizam armadilhas colocadas sobre fundos consolidados, bem como a captura de lagostas (Panulirus argus, Panulirus laevicauda, Scyllarides delfos), considerada de caráter semi-industrial, feita com redes de espera (mesmo que proibidas por lei) colocadas sobre o substrato e que têm um efeito parecido àquele das redes de arrasto. Mais recentemente alguns barcos arrendados iniciaram a captura de atuns e bonitos (Thunnus spp., Katsuwonus pelamis) na quebra da plataforma continental. Estas três últimas modalidades de pesca são recentes no litoral amazônico e resultam da "migração" da frota e de pescadores do Nordeste do Brasil para regiões ainda pouco exploradas do litoral norte, em busca de melhores rendimentos econômicos, vista a exaustão dos estoques nos seus locais de pesca originais.
Nos sistemas de produção artesanal, podem ser reconhecidas mais de quinze modalidades diferentes de pesca (7), porém algumas se destacam por sua importância econômica, como as pescarias de: pescada-amarela (Cynoscion acoupa), serra (Scomoboromorus brasiliensis) e pescada-gó (Macrodon ancylodon), com redes de emalhe; as pescarias de gurijuba (Hexanematichthys parkeri), bandeirado (Bagre bagre) e pargos, com linhas ou espinhéis; a captura de peixes estuarinos com currais e a coleta manual de caranguejos-do-mangue (Ucides cordatus).
As capturas com redes de emalhe são as mais diversificadas. As redes e o local de pesca dependem da espécie alvo. No caso da pescada-amarela trata-se de redes de malhas de 15 a 20 cm entre nós opostos. O tamanho da rede depende do tamanho do barco, mas pode ser superior a 3 km de comprimento e 5 m de altura; as redes são colocadas na coluna d´água e em contato com o fundo, em ambientes costeiros e sobre a plataforma continental até 30 m de profundidade. Além da pescada, outras espécies de grande porte e que fornecem bons rendimentos econômicos, são capturadas, como a gurijuba, por exemplo.
Também são utilizadas redes de malha um pouco menores (malha de 4 a 6 cm), com mais de 1 km de comprimento e 4 m de altura, para a captura da serra (Scomberomorus brasiliensis). Esta rede é colocada na coluna d´água, em locais pouco profundos da costa. Capturam-se também o bandeirado, a tainha (Mugil sp.) e outros peixes menores.
Redes de menor porte e malhas mais finas são utilizadas para a captura de espécies de menor tamanho dentro dos estuários ou nas imediações da costa, como as utilizadas para a pescada-gó, que é dominante nesses ambientes, mas também pequenos peixes das famílias Mugilidae e Ariidae.
As pescarias com espinhéis visam principalmente a captura de peixes da família Ariidae de considerável valor econômico, como o bandeirado ou a gurijuba. Ocorrem a bordo de embarcações de pequeno porte que se deslocam para locais costeiros e da plataforma, com linhas que, dependendo do barco e do ambiente, podem ter até 2 km de comprimento. São pescarias bastante rentáveis e que visam recursos relativamente ainda pouco explorados.
A pesca artesanal de pargo tem ganhado muita importância nos últimos anos, por se tratar de um recurso de exportação e alto valor comercial. As capturas desta modalidade são realizadas com espinhéis verticais (linhas pargueiras), que possuem uma dezena de anzóis na sua extremidade e que são operadas desde a embarcação "mãe" ou a partir de pequenos botes (caíques) liberados no mar. Além das espécies mais comuns de pargos (Lutjanus purpureus, Lutjanus jocu, Lutjanus synagris e Lutjanus vivanus) são também capturadas a garoupa (Epinephelus itajara) e a coíba (Ocyurus chrysurus).
As capturas de pequenos peixes estuarinos e costeiros com armadilhas fixas (currais construídos com madeira do mangue) já foi uma modalidade de pesca muito rentável no passado, porém o aumento do número de currais e de pescadores tem prejudicado os rendimentos. Os currais são construídos em locais próximos da costa e que sofrem o efeito da maré, retendo várias espécies de Sciaenidae, Mugilidae e Ariidae, principalmente a pescada-gó, a tainha, o bagre (Hexanematichthys couma), o cangatá (Aspitor quadriscutis), a uritinga (Hexanematichthys proops) e as arraias (Dasyatis sp.).
A captura do caranguejo-do-mangue (Ucides cordatus) é uma das modalidades de pesca de maior importância social no litoral paraense, pelo emprego de um grande contingente de trabalhadores. Durante a maré baixa, a coleta é realizada andando pelo manguezal e introduzindo as mãos nas tocas dos indivíduos ou, às vezes, utilizando um gancho ou um laço. Uma vez que não são necessárias artes de pesca e nem embarcação, essa modalidade é adotada pela porção mais pobre da população de pescadores, a qual possui renda per capita muito baixa e péssimas condições de vida. Na maior parte das vilas do litoral paraense, mais da metade dos moradores depende diretamente dessa atividade de extração, seja para a renda ou como fonte de alimento (8).
EVOLUÇÃO DO ESFORÇO E SITUAÇÃO DOS ESTOQUES PESQUEIROS Segundo registros do Cepnor/Ibama o número de barcos pesqueiros no Pará está em torno de 6 mil unidades, e no litoral norte deve ser um pouco superior ainda. O número de pescadores é de aproximadamente 30 mil para o litoral paraense (9). Apesar da imprecisão dessas informações acredita-se que esse contingente venha crescendo nos últimos anos, como conseqüência das diversas crises econômicas e da falta de alternativa de renda viável para a população que habita no litoral. Por outro lado, a oferta de generosos subsídios do governo que viabilizam a obtenção de crédito para a compra de equipamentos de pesca, deve também ser responsável pelo aumento do número de barcos em atividade.
A profissionalização da pesca fez com que perdesse o caráter de subsistência que tinha no passado. O aumento do esforço e dos incrementos tecnológicos introduzidos na Amazônia nas últimas três décadas exerceu uma reconhecida influência na diminuição da abundância dos estoques pesqueiros. Ao mesmo tempo, a explosão demográfica dos grandes centros urbanos amazônicos aumentou a demanda de pescado, contribuindo também para a intensificação da exploração dos principais estoques. Esse quadro é relatado pela maioria dos pescadores mais antigos da região, que lembram com saudosismo épocas passadas, pela menor concorrência e maiores rendimentos da atividade.
Na realidade, existem poucas informações científicas sobre o estado de exploração dos estoques mais intensamente explotados pelas pescarias comerciais do litoral Norte do Brasil. Muitas dessas informações encontram-se, ainda, na forma de trabalhos de conclusão de cursos de graduação ou pós-graduação. Estudos sobre a piramutaba (3), o camarão-rosa (10), a gurijuba (11), a pescada-gó (12, 13), pargo (14) e o bandeirado (15) indicam que estes sistemas já estão sendo pescados no limite da sustentabilidade. Outras espécies como a lagosta e os pargos, não foram ainda avaliadas para a região Norte, porém a frota que captura estes recursos tem origem nos estados do Nordeste do Brasil, onde os estoques já estão francamente esgotados (16), o que faz supor que esse deva ser o caminho para os estoques da região Norte, se a intensidade de pesca continuar aumentando. Os estoques do caranguejo-do-mangue não parecem estar ainda em perigo sob o ponto de vista biológico, mas os pescadores reclamam da diminuição do tamanho dos exemplares e do aumento do número de catadores (17).
De fato, imagina-se que a evolução da pesca na região siga os padrões das outras pescarias do Brasil e do mundo. Em 2000, a FAO (18) publicou um estudo exaustivo sobre a situação dos estoques pesqueiros do mundo, indicando que mais de 80% deles se encontravam em estado de sobre-explotação ou estavam sendo explotados plenamente, 10% a mais do que tinha sido diagnosticado em 1995. As principais causas apontadas para essa grave situação incluem, principalmente, o excesso de esforço de pesca evidenciado pelo aumento do número de barcos , o desenvolvimento tecnológico advindo do aumento do poder de pesca pela utilização de artes e equipamentos mais sofisticados , e os subsídios econômicos. Estima-se que as frotas pesqueiras comerciais custem mais de US$ 50 bilhões aos seus países, em subsídios diretos e indiretos (19). Esses contribuem substancialmente para a manutenção do excesso de capacidade de pesca, sendo responsáveis pelo esgotamento dos estoques e pela degradação ambiental e social decorrente (20). Somente recentemente a comunidade internacional reconheceu que os excessos de capacidade e de investimentos afetam negativamente os esforços de conservação e ordenamento da pesca e ameaçam qualquer tipo de sustentabilidade no longo prazo (21).
No Brasil o diagnóstico é similar e 80% dos estoques pesqueiros considerados de valor comercial encontram-se esgotados devido à intensa pressão de captura (16). Além de tudo, adverte-se também que a maior parte da legislação vigente na região Norte diz respeito às pescarias industriais e que, na prática, a maior parte das modalidades de pesca do litoral atuam em um sistema de open access e falta de controle, que, aliado à falta de acompanhamento científico e de controle do esforço, facilita a sobreexplotação dos estoques.
CONFLITOS E PROBLEMAS O uso dos recursos pesqueiros ocorre em um cenário complexo, que envolve muitos atores, interagindo em diferentes níveis. Apesar de sua antiga tradição, a atividade pesqueira é uma das atividades econômicas que apresenta maiores níveis de conflitos entre seus atores, destacando-se os de índole político-institucional e aqueles entre grupos sociais e econômicos (22). A principal disputa ocorre entre as modalidades industriais e artesanais, grupos antagônicos por suas diferenças na capacidade de pesca, mas que superpõem as áreas de captura. Dentro dos sistemas artesanais, os catadores e os pescadores de peixes também disputam entre e dentre si, por território e formas de captura. As medidas governamentais, sejam de ordenamento ou fomento, têm direcionado-se quase sempre à frota industrial, marginalizando ainda mais o setor artesanal que, por características próprias, tem maiores dificuldades para reivindicar políticas específicas.
A ausência de representações de classe fortes e legítimas dificulta muito o diálogo entre os trabalhadores, o governo e as entidades financeiras. O setor pesqueiro, particularmente o que congrega os trabalhadores do mar, é considerado um dos mais desorganizados do Brasil. Historicamente, a origem das colônias de pescadores visava mais conseguir o controle dos pescadores por parte do Estado, do que uma representação da classe. Esse fato, aliado à utilização das colônias como instrumentos de poder político ou de benefício econômico por parte de seus dirigentes, vêm desacreditando essas entidades.
Conflitos implícitos aparecem também na própria legislação brasileira. Por exemplo, a maior parte dos pescadores que habita ambientes de manguezal utiliza a madeira como lenha, para construção de casas, currais e retiros, além de cultivarem arroz e capturarem recursos extrativistas desse ecossistema cujo território é considerado uma área de preservação permanente, portanto intocável!
Praticamente todas as categorias de pesca percebem o decréscimo da abundância dos recursos pesqueiros, que vêm reduzindo lenta, mas continuamente, os rendimentos efetivos dos pescadores, marginalizando-os socialmente e diminuindo as suas perspectivas de crescimento social.
A dependência dos pescadores para com os atravessadores, que financiam as viagens de pesca em troca de fidelidade na venda dos produtos, e a falta de meios de transporte próprios para comercializarem diretamente os produtos da pesca e tornarem mais eficiente o fluxo da comercialização, podem ser considerados como os principais entraves à acumulação de capital.
Além disso, a falta de oportunidades para a educação formal e profissional, bem como a ausência, na maior parte dos casos, de conhecimentos sobre as regras básicas de gerenciamento de negócios em uma sociedade estritamente capitalista, fazem do pescador, principalmente o de pequena escala, um trabalhador sem instrumentos culturais, sociais e econômicos para melhorar a sua condição de vida. Para agravar o quadro, devido à situação contínua de pobreza, não existe uma tradição de acumulação de excedentes ou de poupança, para poder garantir uma melhor situação econômica futura. Mesmo quando as pescarias têm um retorno econômico efetivo, é comum observar como todos os rendimentos da viagem de pesca são imediatamente utilizados nas despesas e obrigações materiais mais urgentes, algumas delas contraídas ainda antes da viagem ocorrer.
Por outro lado, o governo, através dos seus agentes financeiros, vem mantendo uma política de subsídios econômicos para diminuir os custos das viagens (subsídio do combustível) e facilitando o crédito para a compra de embarcações, a juros baixos. Contudo, a maior parte dos pescadores de pequena escala demonstra dificuldade na obtenção ou na administração desse tipo de recurso, seja pela irregularidade de sua atividade, seja por falta de garantias e contatos comerciais que facilitem os procedimentos. Mais ainda, cerca de 80% daqueles que usufruíram desse direito encontram-se atrasados ou nunca cumpriram com as obrigações contratuais, demonstrando que o sistema possui carências no planejamento e falha estrutural grave.
O manejo da atividade pesqueira segue um modelo centralizado, no qual as instituições governamentais são responsáveis pela implementação de toda e qualquer medida de ordenamento. Esse modelo faz com que as normas vigentes não sejam sempre ajustadas aos anseios dos pescadores, que, teoricamente, devem cumprir as disposições. Considerando a falta de fiscalização e a grande extensão geográfica dos pesqueiros, esse paradigma de gerenciamento leva a um sistema de manejo desordenado e sem regras. Além disso, os conflitos entre as diversas instituições (Seap, Ibama, Sectam, Sagri, etc.) para delimitação de competências sobre a gestão dos recursos agrava o quadro, impedindo a identificação clara de objetivos e dificultando a integração dos planos a serem executados.
PERSPECTIVAS DE MANEJO
Nos últimos anos, em decorrência dos diversos apelos para a conservação dos ecossistemas e biodiversidade do planeta, decorrentes de movimentos internacionais tais como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ECO 92 ou a Reunião Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável em Johannesburgo em 2002, a consciência da população brasileira vem mudando lentamente, sobre a necessidade de observar com maior atenção a evolução das atividades do homem que afetam a integridade ambiental. Nesse sentido, parece clara a necessidade de que para alcançar o uso sustentável dos recursos naturais deve haver um compromisso coletivo e explícito entre usuários, gestores e outros grupos de interesse.
Lamentavelmente, apesar de que no discurso dos diversos atores isso pareça consenso, estamos ainda muito longe disso se tornar realidade. Um exemplo bastante ilustrativo encontra-se na política de implementação de reservas extrativistas na região do litoral norte do Brasil. Nos últimos cinco anos, sete reservas marinhas e duas em áreas interiores mas com influência de manguezais foram implantadas no litoral do Pará. Essas ações abrem uma alternativa aparentemente promissora para garantir o maior controle das comunidades sobre os seus recursos naturais. Contudo, uma análise social mais detalhada dos casos evidencia claramente os enormes desencontros entre as medidas do governo que implementam as Resex, em um afã de interpretar as demandas da sociedade e, por outro lado, a percepção da comunidade, que demonstra não estar preparada nem para os deveres, nem para os direitos que tais reservas implicam (23). Assim, uma política que está direcionada à melhoria da governabilidade dos pescadores sobre a conservação dos ecossistemas, acaba se transformando, por falhas no sistema de implantação, em mais uma letra morta e em nova fonte conflitos entre grupos de interesse.
Considerando todas as externalidades, parece evidente que qualquer projeto de desenvolvimento do setor e de manejo dos recursos pesqueiros deve focalizar primeiramente aspectos que permitam o ganho em qualidade de vida dos pescadores, através de formas de captura e comercialização mais adequadas. Ao mesmo tempo, deve garantir maiores investimentos na aplicação de instrumentos educativos, que visem promover mudanças na capacidade gerencial dos pescadores, para que possam passar de uma atitude passiva e economicamente dependente para uma forma ativa de participação social, que os capacite a planejar e redirecionar os benefícios econômicos decorrentes de sua atividade, para a acumulação de riquezas materiais e sociais.
Os investimentos devem evitar, de todas as formas possíveis, o aumento do poder de pesca ou do esforço efetivo sobre os estoques mais explorados. Tanto pelos conhecimentos já disponíveis, como pelo princípio de precaução, nos casos em que ainda não haja informações suficientes, devemos supor que a capacidade de suporte dos ecossistemas costeiros da região amazônica está muito próxima ao seu máximo e que qualquer política que deseje respeitar a sustentabilidade ambiental, deve ter como objetivo aumentar os rendimentos econômicos, sem, com isso, aumentar a intensidade da pressão sobre os estoques naturais.
Deve-se também buscar principalmente um modelo de compartilhamento de responsabilidades, para que os pescadores deixem de ser demandantes, passando para uma atitude de co-gestores e co-executores das políticas a serem implementadas.
CONCLUSÃO Em decorrência do estado atual de exploração dos recursos pesqueiros no litoral amazônico e seus conflitos e entraves, considera-se fundamental o delineamento de um plano de ação que garanta o seu desenvolvimento racional no futuro mais próximo. Nesse sentido, para a implementação de um modelo mais sustentável de gestão dos recursos pesqueiros do litoral amazônico será necessária uma mudança no paradigma clássico sobre a forma e as estratégias de manejo. A seguir listam-se algumas das ações consideradas imprescidíveis na busca desse novo modelo:
1. A implantação de um programa abrangente de educação e capacitação de recursos humanos que priorize assuntos relacionados com a conservação do meio ambiente, valorização do saber tradicional e melhoria das condições de captura e de comercialização do pescado, incluindo cursos sobre empreendedorismo, comunicação comunitária, artesanato, ecoturismo e desenvolvimento regional.
2. O aumento de incentivos econômicos que visem a melhor utilização dos recursos já explorados, de forma a aumentar a produtividade ou o valor da captura e reduzir a pressão sobre os estoques remanescentes.
3. A resolução de estrangulamentos nas cadeias produtivas, visando a maior competitividade econômica e a redução da desigualdade social.
4. A redução do acesso livre e da ilegalidade na pesca, bem como o incentivo ao controle comunitário das atividades, em conjunto com as autoridades competentes.
5. O fortalecimento das atividades comunitárias, principalmente no incentivo ao planejamento estratégico coletivo para a gestão pesqueira.
6. O incentivo à gestão participativa e democrática da atividade pesqueira, que vise a aproximação entre os órgãos do governo e a comunidade, bem como a divulgação de experiências-piloto bem sucedidas de gestão compartilhada em outras localidades.
7. O incentivo à criação de instâncias democráticas de ampla consulta, tais como Fórum da Pesca, Conselho da Pesca, ou outras similares, visando incrementar o diálogo entre os diferentes grupos de interesse e as instituições.
Victoria Judith Isaac-Nahum é bióloga, professora adjunta da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Laboratório de Biologia Pesqueira e Manejo de Recursos Aquáticos do Centro de Ciências Biológicas dessa Universidade. Doutora em ciências marinhas pela Universidade de Kiel na Alemanha, mora desde 1991 na região amazônica, onde coordena e/ou colabora com um grande número de projetos sobre a ecologia, avaliação de estoques e manejo dos recursos pesqueiros da região.
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