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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.58 no.3 São Paulo July/Sept. 2006
A FLORESTA AMAZÔNICA E O FUTURO DO BRASIL
Charles R. Clement
Niro Higuchi
A floresta amazônica está sendo derrubada de forma acelerada porque tem pouco valor na percepção da sociedade brasileira atual, apesar de uma parte dos formadores de opinião afirmarem o contrário. Esta contradição entre o discurso e a realidade sócio-político-econômica é comum no mundo e ajuda a entender muito a respeito dos problemas de degradação ambiental que estão minando a sustentabilidade do empreendimento humano. Na realidade, o único "valor" aceito pela sociedade atual é o valor econômico-financeiro presente, ou seja, aquele contabilizado pelo Produto Interno Bruto (PIB) do ano em curso ou do próximo, pois é esse valor que pode reduzir a pobreza de uma parcela da população, dar ao país o "status" de desenvolvido e, logicamente, enriquecer os responsáveis pelo desmatamento. Os demais valores da floresta beneficiam poucos (e.g., o valor estético que beneficia principalmente os moradores e os eco-turistas), levarão mais tempo para serem realizados (e.g., o uso da biodiversidade que exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento) ou simplesmente não são contabilizados no PIB (e.g., os serviços ecológicos conservação de água e solo, filtragem de poluentes, polinização, etc. e o valor ético os direitos à vida dos outros seres vivos da floresta). É evidente que essa visão míope do valor da floresta não reflete seu valor real, nem em curto prazo e muito menos a longo prazo, especialmente se o país pretende ser um membro do primeiro mundo.
Recentemente, Jared Diamond (1) publicou Colapso como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, sobre o que podemos aprender dos fracassos e sucessos de 14 sociedades grandes e pequenas ao longo dos últimos 3000 anos para reverter as tendências de colapso sócio-ecológico global. As florestas sempre foram e são recursos naturais essenciais para todas as sociedades discutidas, e seu manejo ou desmatamento tem sido vital para o sucesso ou fracasso de cada sociedade (embora raramente tenha sido o principal motivo). Em grandes sociedades, como a do Brasil, o governo precisa tomar a iniciativa para organizar o manejo e a conservação das florestas, como aconteceu na Alemanha medieval (1500s), no Japão da era Tokugawa (1635-1853) e na China moderna. Uma diferença entre estes três exemplos e o nosso país é que o Brasil é uma democracia, e o governo e os formadores de opinião precisam convencer a população que as medidas tomadas são para o benefício de todos. Outra diferença é que nos dois exemplos históricos ainda não havia os benefícios do comércio livre da era de globalização e a sociedade teve que aprender a replantar e manejar ao mesmo tempo em que continuava a usar a floresta, enquanto que a China simplesmente proibiu o desmatamento e começou a comprar madeira, especialmente tropical, no mercado global. Embora a China atualmente tenha um programa nacional de reflorestamento, compra sua madeira nos países tropicais, que ficam com a degradação ambiental resultante do desmatamento, o que é uma das grandes vantagens da globalização para os compradores.
Observe que dois dos três exemplos são de países desenvolvidos, e a China recentemente passou à frente do Brasil na corrida desenvolvimentista. O Japão e a Alemanha possuem uma maior cobertura florestal em relação ao que tinham quando se tornaram conscientes da importância de suas florestas e são democracias cujos cidadãos estão convencidos da importância das florestas e do ambiente. A China está diminuindo sua taxa de desmatamento rapidamente com base na tomada de consciência da importância da floresta para seu desenvolvimento futuro.
E o Brasil? A Mata Atlântica quase desapareceu ao longo do século XX e o Cerrado é o bioma brasileiro mais ameaçado de todos. Ainda que o regime militar (1964-85) tenha editado uma Lei Florestal que exigia uma parcela de conservação em cada propriedade e um plano de manejo florestal para a comercialização de produtos da floresta, a Floresta Amazônica começou a ser desmatada aceleradamente durante esse regime. Desde então, os governos federais adotaram discursos conservacionistas conforme aumentavam as pressões por governos e ONGs do Primeiro Mundo, mas não revisaram a maioria dos incentivos ao desmatamento. O atual governo decretou uma quase moratória ao desmatamento no chamado "arco de desmatamento", ao sul da bacia amazônica, e investiu na diminuição da taxa de desmatamento em 2005. No entanto, a maioria dos incentivos continua a existir na Amazônia Legal (2), especialmente para a construção de rodovias federais e outros tipos de infra-estrutura, necessários para o "desenvolvimento".
Num país ainda subdesenvolvido, como o Brasil, a contradição entre discurso e realidade exige que os formadores de opinião demonstrem claramente a existência de outros valores de importância para a própria sociedade para que a floresta passe a ter valor na percepção da grande maioria, pois não bastam leis e decretos que proíbam se a população não está de acordo. Isto é especialmente importante e ainda mais difícil num país agrícola como o Brasil, pois, por definição, a agricultura é o cultivo dos campos. Em nível mundial, toda sociedade bem sucedida é agrícola (1), embora as florestas sejam recursos essenciais para o sucesso da sociedade. Além da orientação agrícola da sociedade brasileira, um outro fator dificulta a valorização da floresta: sua diversidade. Esta diversidade é a razão pela qual o Brasil está incluído entre os países mega-diversos, mas o corolário dessa diversidade é a baixa densidade econômica, o que significa que existem poucos recursos naturais com valor econômico-financeiro imediato num hectare qualquer de floresta.
A nosso ver, a questão essencial é: como aumentar a densidade econômica da floresta para que seu valor seja percebido pela população brasileira? Queremos discutir duas opções para alcançar esse objetivo e sugerir sua utilização simultânea. A primeira é a importância dos serviços ecológicos da floresta, especialmente o ciclo da água. A segunda é a transformação da própria floresta para aumentar sua densidade econômica no PIB brasileiro num futuro imediato. Mostraremos que uma janela de oportunidades está prestes a se abrir para o Brasil, que precisa estar preparado para aproveitá-la. Sugerimos que o Brasil tome a mesma decisão da Alemanha medieval e do Japão da era Tokugawa, e mostraremos algumas das principais ações necessárias para a implementação de políticas públicas federais e estaduais.
O PRINCIPAL SERVIÇO ECOLÓGICO DA AMAZÔNIA PARA O SUDESTE: ÁGUA A manutenção do ciclo hidrológico da Amazônia é considerada crítica pela comunidade científica mundial e nacional, pois a Amazônia tem uma enorme importância no clima mundial, especialmente conforme avançam as mudanças climáticas causadas pela ação humana. A estiagem amazônica, que ocorreu em 2005 e secou os rios da Amazônia Central em níveis raramente vistos, chamou a atenção da população brasileira. Alguns cientistas acreditam que esse tipo de estiagem tornar-se-á mais comum conforme avançam as mudanças climáticas durante o século XXI. Além das estiagens, as previsões sobre o desmatamento da Amazônia sugerem que o futuro da floresta será "cinzento", especialmente se não houver mudanças nas políticas públicas (2). Caso essa previsão se concretize, a população da maior cidade brasileira vai sentir sede. A razão é que entre 25 e 50% das chuvas que caem no Sudeste do Brasil são oriundas da Amazônia (3), o que é sempre visível nos mapas climáticos usados nos telejornais durante o verão.
Imagine se a cidade de São Paulo tivesse que enfrentar um racionamento de água, como quase aconteceu em 2004. Uma grande cidade que passou por isso no século XX foi Los Angeles, na Califórnia, EUA, e os governos resolveram o problema construindo um aqueduto desde o rio Colorado. Os gastos estimados para transpor uma parte da água do rio São Francisco para abastecer algumas partes do Nordeste nos permite imaginar o quanto mais seria necessário para abastecer São Paulo nas próximas décadas. As estimativas sobre os custos da transposição do São Francisco variam enormemente, parcialmente devido a decisões a serem tomadas no futuro, mas um total de R$ 20 bilhões em 4 ou 5 anos é o valor mais utilizado, embora muitos dos custos de distribuição local, manutenção do sistema, garantias de qualidade de água, entre outros, ainda não tenham sido adequadamente dimensionados (4). Um dos grandes pressupostos é que haverá água suficiente no rio São Francisco no futuro, o que não pode ser confirmado, pois as mesmas chuvas que abastecem a cidade de São Paulo abastecem o alto rio São Francisco. Outro pressuposto é que os estados de Minas Gerais e da Bahia estarão sempre dispostos a ceder essa água e isso ainda não está claro e, certamente, poderá mudar conforme a aceleração das mudanças climáticas resultantes do desmatamento na Amazônia, caso este continue no ritmo atual.
Na necessidade de um aqueduto para a cidade de São Paulo, onde poder-se-ia captar água? A lógica sugere a Serra da Mantiqueira, nascente de muitos dos rios que fluem para o rio Paraná, bem como para o rio São Francisco. Essa escolha permitiria o uso da gravidade para o transporte da água sendo a própria Serra responsável pela captação das chuvas oriundas da Amazônia. A hidroelétrica de Marimbondo, no rio Grande, seria ideal, embora sua água já tenha donos em abundância. Para a cidade e o estado mais rico do país, certamente será possível negociar ou comprar direitos sobre a água, mesmo que as regiões mais propícias sejam bem desenvolvidas e povoadas, mas o custo pode ser bem maior que os custos do aqueduto.
Antes de chegar ao racionamento, no entanto, existe outra possibilidade: os governos do Sudeste, com ênfase no de São Paulo, com a colaboração imprescindível das empresas da região, poderiam investir na conservação da floresta amazônica, apoiando a expansão de unidades de conservação e a transformação do setor florestal da região que garantiriam a manutenção da floresta e seu principal serviço ecológico para o Sudeste. Ou seja, é de interesse do Sudeste, especialmente de São Paulo, atuar na minimização do desmatamento na Amazônia e proteger um recurso essencial para sua população, sua indústria e seus agronegócios: a água. O mais importante é que isso pode ser feito imediatamente e gerando desenvolvimento na Amazônia e riqueza para o Sudeste, senão vejamos.
TRANSFORMANDO A FLORESTA A JANELA DE OPORTUNIDADES A lei de procura e oferta determina o preço dos produtos básicos, como a madeira. Portanto, a valorização da madeira da Amazônia passa pelo entendimento de sua oferta e procura nos mercados locais, regionais, nacionais e internacionais. Estamos na eminência de uma importante mudança na oferta de madeira tropical e o Brasil é o único país em condições de aproveitar essa mudança. Vamos examinar esse mercado e traçar algumas tendências importantes para entendê-lo no momento atual e no futuro próximo.
As estatísticas sobre a produção de madeira tropical no mundo são razoavelmente confiáveis (5). A produção anual do mundo tropical, ao longo do período (1988-2004), tem se mantido estável, igual a 134,4 ± 2,4 milhões de m3 em toras. As produções anuais de serrado, compensado e laminado foram, respectivamente, 40 ± 1,35 milhões de m3, 14,7 ± 0,75 mi m3 e 2,2 ± 0,26 mi m3. A região Ásia/Pacífico, apesar de uma queda de produção de 7,5% de 1988 para 2004, é ainda a maior produtora de madeira dura tropical (67%). América Latina/Caribe (25%) e África (8%) mantiveram-se quase estáveis.
Os três maiores produtores no período foram a Indonésia (66,14 milhões m3/ano 27% da produção mundial), a Malásia (52,17 mi m3/ano 21%) e o Brasil (48,60 mi m3/ano 20%). Ao nível mundial há uma clara tendência de queda em relação ao pico de produção da Indonésia (28%) e Malásia (35%), e um aumento (em relação ao mínimo 1988) do Brasil (47%).
Em geral, os países tropicais exportam 50% de sua produção, principalmente na forma de serrados, compensados, laminados e, ocasionalmente, toras sem nenhum beneficiamento. Em contraste, o Brasil exporta apenas 6-9% de sua produção anual, por razões que vamos examinar em breve. Com base na exportação média anual do período 1988-2004, a região Ásia/Pacífico participou com 81% de toda a exportação do mundo tropical, enquanto que as regiões América Latina/Caribe e África participaram com 6% e 13%, respectivamente. Os dois maiores exportadores individuais foram Malásia com 23,88 ± 2,72 mi m3 e Indonésia com 16,77 ± 1,54 mi m3, contribuindo sozinhos com 70% do total exportado pelos países tropicais.
A importação anual média do período foi de 51,76 ± 1,42 milhões de m3 equivalentes em tora. Os principais importadores individuais foram: Japão (33,3%), União Européia (21,3%), China (17,5%), Coréia do Sul (9,2%), Taiwan (8,7%) e EUA (6,4%), que juntos representam mais de 90% das importações de madeira tropical. Essas médias escondem uma tendência importante: a China superou o Japão em 2001, passando a ser o maior importador individual de madeira tropical; a UE se mantém estável. Já explicamos porque a China entrou nesse mercado com tanto peso, e o crescimento da economia chinesa sugere que essa nova tendência deverá se manter.
Em 1995, os países tropicais faturaram US$ 12 bilhões com a exportação de madeira, o que equivale a aproximadamente US$ 376 / m3. Malásia e Indonésia faturaram US$ 3,96 bilhões (35%) e US$ 4,02 bilhões (35%), respectivamente. O Brasil faturou apenas US$ 710 milhões (6%). Em 2003, os países associados à organização ITTO (International Tropical Timber Organization) faturaram US$ 7,4 bilhões com a exportação, o que equivale a aproximadamente US$ 310 / m3. Nesse ano, Malásia e Indonésia diminuíram suas participações no mercado, de 35 para 24% e de 35 para 33%, respectivamente. A participação do Brasil subiu de seis para 9%.
Até agora a situação parece de um típico mercado de commodity tropical com demanda principalmente nos países desenvolvidos. O que transforma essa situação típica em uma janela de oportunidades para o Brasil são os estoques de madeira tropical na região Ásia/Pacífico e a continuação da instabilidade política na África. Contrariando a lei de oferta e procura, o volume de exportação diminuiu de 1995 para 2003, assim como o preço por unidade. A explicação pode estar na quantidade de madeira ilegal, junto com a legal, colocada no mercado. Na Amazônia, 80% da madeira produzida não tem origem definida (6).
A situação da Malásia é típica(7): Durante as últimas duas décadas de exploração das florestas da Malásia, o manejo florestal tem sido inexistente. A política florestal, por meio do Ato Florestal Nacional de 1984, falhou completamente por falta de aplicação da lei. As florestas primárias da Malásia Peninsular já foram completamente dizimadas e as secundárias cobrem apenas uma fração das antigas áreas de florestas tropicais úmidas. Nas partes da Malásia na Ilha de Borneo, Sabah e Sarawak, ainda há florestas primárias que devem desaparecer em 58 anos. Isso explica a queda na produção e, especialmente, nas exportações da Malásia.
A situação da Indonésia pode ser similar, pois em 1995 o país teve 63 milhões de hectares sob concessões florestais, com exploração autorizada de 700 mil ha por ano e pelo menos 500 mil ha por ano de exploração não-autorizada. No entanto, sua taxa de desmatamento anual foi 5,4 milhões de ha (7). Hoje, em 2006, é quase certo que as reservas florestais nativas da Indonésia estejam praticamente dizimadas, pois a matemática é simples e confirmada pela tendência discutida acima.
Todo o exposto até agora não é novidade no setor florestal. Em 1987, o cenário do setor de madeira dura tropical era conhecido (8) "...a produção do sudeste asiático alcançará o seu pico em meados dos anos 1990, sendo, a seguir, substituída pela América Latina, especialmente a Amazônia, para suprir os mercados da Europa, Japão e América do Norte...". É evidente que esse cenário da dinâmica de produção de madeira tropical pelos maiores produtores mundiais se concretizou em sua maior parte. Somente o papel do Brasil no mercado internacional não foi confirmado. Por que? Examinaremos esta pergunta em breve.
O cenário acima, com a informação estatística apresentada, permite algumas extrapolações, mesmo que o risco de extrapolar seja conhecido. Ajustando os dados de exportação dos três principais produtores atuais (Malásia, Indonésia e Brasil) e de importação (demanda do mercado internacional), durante o período 1988-2004, é possível examinar as tendências. Em termos de exportação de madeira, o Brasil poderá superar a Malásia em 2012 e a Indonésia em 2017. Em 2018, a Malásia poderá deixar de exportar e a Indonésia poderá estar fora do mercado em 2030. Esse cenário sugere que o mercado internacional começará a entrar em colapso a partir de 2010. Esta é a janela de oportunidades. Mas, a mesma figura sugere que o Brasil só conseguirá atender a demanda internacional em 2097. Por que a demora? Agora é hora de examinar o Brasil e a Amazônia.
A JANELA E A AMAZÔNIA Segundo a Avaliação dos Recursos Florestais Globais (FRA 2005) (9), a cobertura florestal do Brasil corresponde a 477,7 milhões de hectares, dos quais, 89% estão na Amazônia, ou seja, 426,5 mi ha. Inventários realizados em 21 sítios diferentes mostram que o volume médio das florestas naturais na Amazônia é 262 ± 54 m3/ha, dos quais 10% são considerados comerciais. Isto é um estoque enorme, mas atualmente contribui pouco para o desenvolvimento da Amazônia.
Analisar a produção de madeira na Amazônia é uma tarefa muito difícil. As estatísticas mais organizadas são fornecidas por duas organizações multilaterais: ITTO, que congrega produtores e consumidores de madeira tropical e FAO (Food and Agriculture Organization) da Organização das Nações Unidas. O problema é quem abastece essas organizações, pois o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) nunca sistematizou a coleta e análise dos dados sobre a produção de madeira tropical no país. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mantém, com relativa atualização, a dinâmica da produção de madeira (10), com as limitações conhecidas devidas à amostragem. Ocasionalmente, há trabalhos individuais, como os de Nepstad et al. (11) sobre a safra de 1996-97 e de Lentini et al. (12) sobre a safra de 2004. Apesar das dificuldades, é possível observar um crescimento na produção de madeira entre 1975 e 1991, e uma tendência de queda após 1991 (Tabela 1). Acreditamos que seja razoável adotar um valor de 25 milhões de m3 como a produção anual atual de madeira em tora.
A contribuição da Amazônia ao mercado internacional tem sido muito modesta apesar de produzir aproximadamente 25 milhões m3 por ano. As razões para isso são várias, incluindo a exploração concentrada em poucas espécies conhecidas pelo mercado, a falta de infra-estrutura apropriada, e, principalmente, a baixa qualidade da madeira produzida na Amazônia devido ao baixo nível tecnológico, o que resulta em grande desperdício; apenas 30% de uma tora é aproveitado, ou seja, 70% vira lixo urbano e rural no ato de processamento.
O quesito de qualidade é crítico e explica porque a maior parte da madeira da Amazônia é vendida no mercado interno e não tem uso nobre (enormes quantidades são usadas na construção civil e jogadas fora após um único uso). Essa falta de qualidade é devida ao uso de tecnologias e equipamentos ultrapassados, pois as empresas do setor não têm acompanhado a evolução tecnológica dos países concorrentes. Sem esses investimentos, até o mogno não capta todo o valor possível. Sem atingir os padrões de qualidade exigidos pelo mercado internacional, principalmente Japão, Europa e Estados Unidos, não é possível ocupar o espaço que Grainger (8) previa para o país.
Os fatores mencionados aqui são resultados do subdesenvolvimento da Amazônia e da falta de políticas públicas dirigidas ao setor florestal. Então, como aproveitar a janela de oportunidades e tentar garantir água para o Sudeste do país ao longo deste século?
A FLORESTA AMAZÔNICA E O FUTURO DO BRASIL A Alemanha medieval e o Japão da era Tokugawa podem servir como modelos para o Brasil. Ambos países mudaram dramaticamente suas políticas públicas e os investimentos de seus governos federais e estaduais, estimulando o setor privado a investir. As memórias de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek foram recentemente ressuscitadas na televisão e lembram que alguns governos brasileiros também foram capazes de mudanças audaciosas.
A Lei 11.284/06, sobre a exploração sustentável de florestas para a produção de madeira, foi promulgada em março de 2006. Apesar de ser um passo importante, é polêmico, porque o tipo de concessão proposto não tem funcionado no mundo tropical. No caso brasileiro, sua eficácia é mais duvidosa ainda porque a lei será implementada apenas pelo Ministério de Meio Ambiente (MMA), via Serviço Florestal Brasileiro (a ser criado), quando deveria ser implementada pelo conjunto dos ministérios para alcançar o resultado pretendido: a produção sustentável de madeira na Amazônia com a conservação de grandes áreas florestais. Para o Brasil aproveitar essa janela é necessário muito mais do que uma lei e um ministério.
A visão que apresentamos neste artigo é de uma Amazônia desenvolvida com base na floresta, com indústrias madeireiras usando tecnologia de ponta para produzir produtos acabados para o mercado internacional e nacional e usando madeira oriunda de florestas manejadas, enriquecidas e certificadas. Quanta floresta será necessária? As estimativas de área e volume apresentadas na FRA 2005 incluem florestas primárias densas, manejadas, capoeiras e cerrados. Propomos uma área de floresta amazônica igual a 250 milhões de hectares, com uma média de 250 m3/ha (10% comercial), como razoável e conservador. Com este pressuposto, o estoque atual de madeira comercial na Amazônia é de 6,25 bilhões de m3, que daria para atender os mercados de madeira tropical (internacional = 52 milhões m3/ano e nacional = 20 milhões m3) durante 87 anos, movimentando US$ 22 bilhões por ano. Isso é tempo suficiente para desenvolver um modelo econômico baseado na floresta se usarmos o tempo apropriadamente e o desenvolvimento pagará sua própria conta após uma década.
Para começar, num espaço de 10 anos, teremos que inverter a relação aproveitamento e desperdício, passando de 30% versus 70% para 70% versus 30% e, principalmente, colocar no mercado não apenas 10 m3/ha e sim 50 m3/ha de madeira em tora. Isso pode ser conseguido usando os estudos de tecnologia de madeira já realizados pelos laboratórios da antiga Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, em Santarém, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus, da Fundação Tecnológica do Acre, em Rio Branco, do Ibama, em Brasília, e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, em São Paulo. Depois de resgatar essas informações sobre espécies menos conhecidas no mercado, mas abundantes na floresta amazônica, como as várias espécies das famílias Lecythidaceae, Sapotaceae, Burseraceae e Leguminosae, o passo seguinte é introduzi-las no mercado, o que seria mais fácil no futuro porque o Brasil seria o principal fornecedor.
Essa visão oferece a possibilidade de gerar riqueza suficiente para pagar salários justos e gerar dividendos nas bolsas de valores, bem como garantir o ciclo hidrológico e, conseqüentemente, a chuva no Sudeste do Brasil. No entanto, essa visão somente pode ser alcançada se todos os ministérios do governo federal, todos os estados da Amazônia e todos os estados do Sudeste trabalharem juntos porque a floresta já está bastante fragmentada (2). A seguir, listamos algumas das mudanças nas políticas públicas que acreditamos necessárias em nível federal, as quais, logicamente, necessitam ter reflexo no âmbito estadual.
Moratória ao desmatamento O MMA expandirá a moratória com o apoio da Presidência da República, do Ministério de Justiça (MJ, Polícia Federal), do Ministério da Fazenda (MF, Receita Federal, Polícia Rodoviária Federal), e do Ministério de Defesa (MD, Serviço de Proteção da Amazônia Sipam). Somente a madeira certificada estará isenta da moratória, o que funcionará como estímulo para que as empresas do setor busquem a certificação. Esta ação é essencial para permitir que outras ações tenham o tempo necessário para serem viabilizadas.
Zoneamento econômico-ecológico da Amazônia Legal Os Ministérios de Integração Regional (MIR), Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e MMA combinarão para convencer os estados a expandir a área destinada a floresta em todas as áreas originalmente florestadas. De preferência, todas essas áreas deverão ser garantidas, pois o alvo é 250 milhões de hectares. Adicionalmente, ecossistemas especialmente críticos para a conservação da biodiversidade amazônica serão identificados para serem transformados em unidades de conservação. O objetivo é criar um mosaico com pelo menos 35% em unidades de conservação (existem 32% em áreas protegidas hoje (14), algumas das quais são florestas nacionais), 50% em florestas manejadas privadas, e o resto em agricultura e pecuária intensiva. Esse mosaico deverá manter 80-85% da floresta, superando o mínimo de 70% necessário para manter o ciclo hidrológico (15).
Regularização fundiária O MJ assumirá a supervisão minuciosa dos cartórios da Amazônia Legal para evitar grilagem de terras públicas e proteção aos direitos de propriedade na região, tanto para particulares, como para as florestas de produção, as unidades de conservação, as terras indígenas e as outras terras públicas. Titulação regular será essencial para garantir empréstimos bancários e de agências de fomento, e certificação. Todos os ministérios precisam apoiar as garantias de propriedade após a regularização, pois florestas precisam ser consideradas terras produtivas e não podem ser invadidas como aconteceu no Rio Grande de Sul em fevereiro de 2006.
Investimentos na indústria florestal Os Ministérios de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC, Suframa), MIR (Sudam), MF (BNDES, BASA) direcionarão seus investimentos na Amazônia para a atividade florestal, eliminando investimentos no agronegócio (que poderá captar financiamento na rede bancária privada); deverão manter os investimentos na pesca e aqüicultura (fonte de proteína para a maioria da população amazônida). Os investimentos se concentrarão na atualização tecnológica de empresas existentes, na viabilização de novos empreendimentos com tecnologias avançadas (especialmente a abertura de filiais de empresas do setor florestal com tecnologias modernas e fábricas atualmente localizadas fora da Amazônia), na criação de arranjos produtivos locais (como o pólo moveleiro que a Suframa está criando no Amazonas), e no adensamento da cadeia produtiva florestal em geral.
Tecnologias de ponta A incorporação de tecnologias de ponta na indústria florestal é essencial para o sucesso dessa visão, pois os europeus, japoneses e norte-americanos pagarão bem para produtos bem feitos com madeira nobre, e até os chineses pagarão bem para produtos bem feitos com madeira nobre ou comum. Um exemplo a ser seguido é da empresa Ikea, a maior varejista do setor florestal nos países desenvolvidos. A Ikea comercializa móveis e outros produtos feitos de madeira certificada, com cada móvel numa caixa pequena preparado para ser montado em casa. Produzir móveis montáveis como esses requer alta tecnologia e qualificação da mão-de-obra e logicamente a mão-de-obra precisa ser bem paga. Tecnologias de ponta também reduzirão o desperdício de madeira, aumentando a eficiência das fábricas, reduzindo a geração de dejetos, e melhorando a razão custo/benefício da operação. Tecnologias de ponta incluem equipamentos, técnicas e desenho industrial e comercial. A Fundação Centro de Análises, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi, Suframa, MDIC) em Manaus oferece orientação e capacitação na identificação e desenvolvimento dessas tecnologias.
Investimentos em produção florestal Seguir rigorosamente o que consta na legislação florestal é o primeiro passo em direção a sustentabilidade do manejo florestal. Os sistemas clássicos de silvicultura tropical (malaio uniforme desenvolvido em Malásia na época colonial -, bosque abrigado e seletivo), utilizados em manejo de florestas tropicais do mundo todo, não produziram os resultados esperados(16). Na Amazônia, o sistema mais usado é o seletivo. Propomos um modelo misto, utilizando o sistema seletivo com faixas de enriquecimento com espécies valiosas e conhecidas do ponto de vista silvicultural, p.ex., cedrorana e castanha do Brasil. Dessa forma, será possível aumentar o volume comercial por unidade de área no primeiro ciclo de corte. Do ponto de vista florestal e econômico, os ciclos subseqüentes serão mais seguros por conta da disponibilidade de mais espécies comerciais introduzidas no primeiro ciclo.
Certificação Existem diversos tipos de certificação que poderiam ser úteis nessa perspectiva, especialmente a certificação de produção sustentável e a de qualidade (ISO). Para que essa visão gere benefícios na Amazônia, componentes sociais e laborais precisam ser incluídos como partes fundamentais dos processos de certificação, para que o Brasil e a Amazônia possam desenvolver-se no sentido mais completo da palavra. Uma outra vantagem da certificação é que ela exige fiscalização contínua e independente, o que, teoricamente, reduz as oportunidades para o tipo de corrupção que tem encharcado os projetos de manejo florestal na Amazônia.
Pesquisa e desenvolvimento Muitas das tecnologias e práticas necessárias para implementar essa visão já existem, mas outras precisarão ser geradas nas instituições de ensino e pesquisa na Amazônia e no Brasil. Os ministérios de Ciência e Tecnologia (MCT), MAPA e de Educação (MEC) possuem mecanismos para incentivar P&D na Amazônia. As Embrapas da Amazônia, o Inpa e as universidades federais e estaduais incrementarão suas pesquisas florestais para recuperar áreas degradadas por meio de projetos de silvicultura, bem como incrementarão suas pesquisas em enriquecimento de florestas em pé. Novas tecnologias de processamento e novos desenhos de produtos e processos serão de fundamental importância para garantir qualidade e atrair compradores nos países desenvolvidos.
Educação A educação sobre a Amazônia é deficiente no país e na própria região, particularmente em assuntos que ensinam a história, as tradições, os estilos de vida, os alimentos dos amazônidas, quase ao ponto de fazer crer que esses brasileiros não existem. A educação ambiental é igualmente pobre. Se a Amazônia espera se desenvolver com base na floresta, como na visão que aqui se apresenta, o MEC e as secretarias estaduais de Educação precisam revisar as grades curriculares de primeiro grau à universidade para refletir a nova base da economia regional atualmente a agricultura convencional é considerada a base da economia brasileira e permeia as grades curriculares.
A visão apresentada é factível e contribuirá para o desenvolvimento da Amazônia com a floresta em pé, embora gradualmente a floresta deva ser transformada em termos de sua densidade econômica, mas mantendo a maior parte de sua biodiversidade. É a única proposta que tem as escalas geográfica e econômica necessárias para enfrentar o agronegócio, hoje em franca expansão. Deixará espaço abundante para as outras idéias sobre o uso da biodiversidade e das florestas, como a bioprospecção, os projetos de manejo comunitário e a estocagem de carbono para atender os compromissos brasileiros frente ao Protocolo de Kyoto. A visão contribuirá para garantir o ciclo hidrológico que abastece a região agrícola do Sudeste do Brasil, bem como os principais centros urbanos do país. A principal questão é a vontade política em fazer as mudanças necessárias de forma completa e rápida. Sabemos que essa vontade não virá de um só ministério terá de vir da próxima geração de Getúlios e Juscelinos, apoiada em todos as agências dos governos federal e estaduais.
Charles R. Clement é pesquisador titular da Coordenação de Pesquisas em Ciências Agronômicas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Manaus, Amazonas.
Niro Higuchi é pesquisador titular da Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical do Inpa, Manaus, Amazonas.
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2. W.F. Laurance et al., Science 291, 438. 2001.
3. P.M. Fearnside, Ciência Hoje 34, 63. 2004.
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5. ITTO. Annual Review and Assessment of the World Tropical Timber Situation. www.itto.or.jp
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