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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.58 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2006
BIOFÁRMACOS
Empresa é acusada de usar crianças peruanas como cobaias
Os resultados foram anunciados como uma vitória da biotecnologia voltada para a produção de medicamentos a partir de plantas (biopharming, na expressão em inglês). Mas se tornou rapidamente mais um exemplo de práticas questionáveis adotadas pela indústria farmacêutica a ser esgrimida pelos críticos da transgenia. A Ventria Bioscience, empresa de pesquisa em biofarmacêuticos localizada na Califórnia (EUA), anunciou, no início de julho, resultados tidos como promissores sobre o uso de Lactivia e Lysomin (marcas registradas da empresa para versões transgênicas das proteínas naturais humanas lactoferrina e lisozima, contidas no leite materno) no combate à diarréia em recém-nascidos.
O novo medicamento, obtido a partir de arroz geneticamente modificado, foi testado em um grupo de 140 crianças peruanas, com idade variando entre 5 e 33 meses e sofrendo de diarréia severa. Esses pacientes, que deram entrada no Instituto Especializado de Salud del Niño, em Lima, foram divididos em três grupos: um recebeu um soro de reidratação oral a base de arroz geneticamente modificado, outro um soro de reidratação oral a base de arroz e o último um soro de reidratação oral a base de glicose. De acordo com a Ventria, o grupo que recebeu o preparado com lactoferrina e lisozima obtidos a partir de arroz geneticamente modificado levou, em média, 3,67 dias para se recuperar, enquanto que as crianças dos outros dois grupos levaram, em média 5,21 dias. A empresa divulgou os dados dos grupos que levaram mais tempo para se recuperar agrupados, não sendo possível diferenciá-los.
O questionamento surgiu, porém, pelo modo como foi conduzida a pesquisa. Herberth Cuba, membro da Associação Médica Peruana, entrou com processo judicial contra a médica responsável pelos experimentos, Nelly Zavaleta, do Instituto de Investigación Nutricional, sob a acusação de colocar em risco as crianças que serviram ao experimento, pois "foram usadas proteínas transgênicas não aprovadas por nenhum país, nem mesmo pelos Estados Unidos". Ele afirma que o Peru foi escolhido para o experimento pois é um país pobre cujas leis existentes contra a experimentação em crianças dificilmente são aplicadas. Nelly Zavaleta refuta a acusação, argumentando ter seguido a regulamentação existente.
Em declaração ao jornal mexicano La Jornada, o pediatra norte-americano Jim Diamond acrescenta outras acusações ao caso. Em sua opinião, é surpreendente que uma parte das crianças tenha recebido tratamento com soro oral à base de glicose, pois há ampla literatura médica indicando que o tratamento com soro à base de arroz tradicional é muito mais eficiente. Isso indicaria que foi utilizado um método sabidamente menos eficaz com o propósito de melhorar os resultados comparativos para o soro da empresa em questão.
A Ventria informa que escolheu o Peru para realizar seus testes por ser a diarréia um grande problema no país.
POLÊMICO PLANTIO Para plantar o seu arroz transgênico, a Ventria já vinha enfrentando oposição em seu próprio país. Entre março e abril do ano passado ela travou uma disputa com a Anheuser-Busch, empresa que produz a cerveja Budweiser. A briga começou quando a Ventria anunciou a intenção de plantar 200 acres de seu arroz transgênico no estado do Missouri, nos EUA. Após intensa pressão dos agricultores da região e de gigantes como a Anheuser-Busch e a Grocery Manufacturers of America associação de lojas de varejo que representa US$ 500 bilhões de faturamento anual a empresa de biotecnologia desistiu do Missouri. A Anheuser-Busch, então, retirou sua ameaça de boicote ao arroz vindo daquele estado.
A Ventria, então direcionou seus esforços para outro estado, a Carolina do Norte. Conseguiu permissão legal do Ministério da Agricultura dos EUA (o USDA, na sigla em inglês) para a plantação de 270 acres (aproximadamente mil km2) de seu arroz capaz de produzir lactoferrina e lisozima. Cada grama dessas proteínas chega a custar US$ 30 mil.
Rafael Evangelista