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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.59 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2007
GLAUBER ROCHA
Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça! Era só isso mesmo?
Em 1971, antes de embarcar para o exílio em Portugal, Glauber Rocha entregou para a Cinemateca Brasileira, um armário com gavetas repletas de cartas, manuscritos, recortes de jornal e outros documentos pessoais. Uma década depois, Josette Monzanni descobriu que, desse arquivo pessoal do cineasta, constavam três roteiros, até então totalmente desconhecidos, do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964). Reunidos com as duas primeiras versões (uma das quais publicada pela editora Civilização Brasileira em 1965), a série de roteiros foi analisada pela professora do Departamento de Artes e Comunicação da UFSCar, no livro Gênese de Deus e o Diabo na Terra do Sol (Editora Annablume/ Fapesp, 2006).
"Glauber trabalhou nesses roteiros entre 1959 e 1963, preocupado com a criação de uma estética cinematográfica e de uma mensagem política que fossem verdadeiramente revolucionárias", afirma Monzani. Ao analisar o processo de preparação dos roteiros, o livro questiona o mito do improviso suscitado pela máxima conhecida do diretor "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça" assim como a imagem de Glauber como um gênio meio maluco. Monzani lembra que os roteiros refletem um processo minucioso de planejamento do filme pelo cineasta, que realizou várias viagens pelo sertão nordestino e fez pesquisas rigorosas sobre o cangaço. "Durante o período em que trabalhava nesses roteiros, Glauber dirigiu seus dois primeiros filmes O pátio e Barravento. Essas experiências cinematográficas resultaram numa melhoria técnica dos roteiros de Deus e o Diabo", explica a pesquisadora. Através dos roteiros foi possível também acompanhar a construção de cada personagem do filme. Foi assim que Antônio das Mortes, de simples tenente, foi se transformando na figura emblemática do jagunço matador.
Gênese de Deus e o Diabo na Terra do Sol é fruto da dissertação de mestrado de Monzani defendida, em 1992, na PUC-SP, sob orientação de Arlindo Machado e Haroldo de Campos. Monzani optou pela abordagem da crítica genética. A pesquisadora ressalta que, diferentemente da literatura (mais comumente abordada por essa área de estudos), a linguagem cinematográfica exige, do pesquisador, a consideração de elementos como a construção de planos-seqüência e a montagem do filme, previstos, como no caso de Glauber Rocha, ainda no roteiro. "Por isso, mantive a parte metodológica da dissertação bastante explícita no livro: para que ele também seja utilizado como um manual por aqueles que quiserem trabalhar na área de crítica genética de roteiros cinematográficos", explica a autora.
Carolina Cantarino