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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.59 no.3 São Paulo July/Sept. 2007
Invisibilidade social dos trabalhadores
Os novos paradigmas existentes no mundo do trabalho de hoje instauraram, como principal característica, o termo "trabalho invisível", que passou a ser recorrente para caracterizar tipos de ocupação, em geral com baixa qualificação, com pouco ou nenhum vínculo empregatício, em sua grande maioria temporário e que se encontra fora dos sistemas de proteção social. Esse tipo de ocupação, muito presente na informalidade, gera uma invisibilidade social pois não existem vínculos nem com o Estado nem com as instituições civis.
Para Leonardo Mello e Silva, sociólogo da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania, tal fenômeno possui diversas causas e varia de acordo com os diferentes contextos em que estão inseridos. "No Brasil, os trabalhos de baixa qualificação são mal vistos, principalmente o trabalho manual, e a invisibilidade atinge de forma mais intensa esse tipo ocupação", diz. Silva considera que a própria herança escravocrata do país remete a isso, uma vez que o trabalho pesado era uma atividade associada aos escravos. O fato de as leis trabalhistas terem sido implantadas no país tardiamente (1942) evidencia como o trabalho era considerado uma atividade mal vista, acrescenta.
CONTEMPORÂNEO As formas de organização da produção capitalista trouxeram grandes transformações no mundo do trabalho. Para a historiadora da USP, Zilda Márcia Grícoli Iokoi, os países tornaram-se dependentes de um sistema transnacional, de modo que o capital vai para os lugares com condições que lhe sejam mais favoráveis. Assim, os lugares onde a mão-de-obra é mais barata são os preferidos das grandes empresas. Essa lógica de produção gera trabalhos altamente qualificados ligados à produção tecnológica, assim como ocupações semelhantes à era pré-taylorista. "Nesses casos, a renda é associada diretamente à produção, ou seja, o trabalhador ganha o equivalente ao que produz; os direitos trabalhistas praticamente deixam de existir", acrescenta.
O caso de mexicanos que entram ilegalmente nos Estados Unidos para tentar uma vida melhor são os melhores exemplos dos tipos de trabalho invisível da era pré-taylorista. Como são ilegais e precisam fugir do departamento de imigração, esses trabalhadores aceitam qualquer tipo de trabalho por remunerações baixas, sem qualquer vínculo ou direito.
No Brasil, uma situação parecida, ainda que em escala bem menor, é vivida atualmente pelos bolivianos, que são recrutados para trabalharem em oficinas de costura na cidade de São Paulo (o bairro Bom Retiro é o lugar onde concentra o maior número) em condições precárias. "Muitos trabalham sem remuneração e são obrigados a permanecer no local até pagar os custos de viagem, dormem em instalações inadequadas, são mal alimentados e há até casos de crianças recém-nascidas que são retiradas dos pais", diz Zilda Iokoi.
Como essas pessoas entram de forma ilegal no país, muitas têm medo de procurar ajuda e preferem se tornarem invisíveis para o sistema. Estima-se que haja 70 mil bolivianos vivendo em São Paulo, a maioria de forma ilegal, e o custo médio da viagem até o Brasil é de US$ 160, valor a ser descontado do salário. Recentemente os governos dos dois países fecharam um acordo bilateral para tentar minimizar o problema: estabeleceu-se que todo boliviano (menos os que possuem antecedentes criminais) que chegou ao Brasil até 15 de agosto de 2005, pode pedir sua documentação e permanecer de forma legalizada.
FORA DA ORDEM Para a socióloga da USP, Vera da Silva Telles, as referências utilizadas para observar o mundo do trabalho precisam se alterar para acompanhar as transformações sociais. "Tradicionalmente se classifica o trabalho nas categorias formal e informal e isso não é mais suficiente para entender a realidade", diz. Telles acompanhou o percurso de diversos jovens da periferia de São Paulo e percebeu uma trajetória descontínua no mercado de trabalho. "O trabalho temporário se prolifera através das agências de emprego conectadas a empresas terceirizadas de prestação de serviços, e é por aí que os jovens fazem seus percursos, sempre instáveis no mercado de trabalho", explica. Nesse sentido, as experiências de trabalho e não trabalho se confundem e essas pessoas fogem das classificações tradicionais.
Telles cita o exemplo dos motoboys que estão no meio do caminho entre o trabalho formal e a informalidade, permeado por uma brutalidade imposta pela competividade (muitos motoboys recebem de acordo com a quantidade de entregas que faz). A socióloga lembra também dos perueiros, que oscilam entre a legalidade e ilegalidade, assim como os camelôs e outros trabalhadores. "Esse novo tipo de ocupação foge às representações políticas, sindicais e sociais. De certa forma, são invisíveis", completa.
Cauê Nunes