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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.61 no.1 São Paulo  2009

     

     

    A missão de divulgar ciência no brasil

    Alicia Ivanissevich

     

     

    Como nossos jovens compreendem o mundo? Que tipo de conhecimento científico guardam do que lhes é ensinado na escola? São eles capazes de alcançar uma formação crítica que lhes permita enfrentar os problemas do dia-a-dia e transformar a realidade? A primeira resposta que vem à mente não é das mais felizes: nossos estudantes saem da escola despreparados para a vida real. O desalento se agrava quando nos confrontamos com os dados disponíveis. Nas últimas avaliações nacionais e internacionais para disciplinas científicas, como a Prova Brasil, o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e o Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes], os brasileiros alcançaram notas baixas e estão entre os últimos colocados no ranking dos países estudados.

    Mas onde estariam os focos do mau desempenho brasileiro? O primeiro deles, certamente, encontra-se na formação docente, muitas vezes superficial e, sobretudo, desvinculada das ciências a serem trabalhadas com os alunos. Como em outros países, há uma cisão entre teoria e prática. O professor tem dificuldades em tornar interessante e motivador o estudo das ciências para os alunos. Os currículos são compartimentados entre as diversas ciências, e há dificuldade em se estabelecer a interdisciplinaridade tão necessária ao século XXI. Os laboratórios de ciências, os computadores e as bibliotecas são recursos ainda escassos em nossas escolas, sobretudo no ensino fundamental. Como aprender ciências apenas com um quadro e giz, olhando a nuca dos colegas e ouvindo a voz do professor?

    QUESTÃO DO ENSINO A lista de problemas da nossa educação é extensa e o diagnóstico notório. A formação inicial dos professores é insuficiente e deficiente, e a formação permanente quase inexiste. Os salários nesse setor são baixos e o material didático é insatisfatório. Há deficiências de aprendizagem em todas as esferas: nas escolas públicas e privadas. Nosso nível de analfabetismo funcional é elevado, e os investimentos na área educacional não são prioritários. Faltam professores qualificados em todas as áreas, com especial déficit nas disciplinas científicas.

    Infelizmente, esse sistema de ensino – que não oferece ao aluno o conhecimento e a crítica indispensáveis para formar seu próprio pensamento e enfrentar com êxito os problemas futuros – ainda prevalece no país. Continuamos formando professores que assistem, passivos, às aulas, e que provavelmente reproduzirão essa grotesca versão de educação com seus alunos. Isso na era das telecomunicações, com redes de informática amplamente disseminadas.

    Sabemos que a ciência e a tecnologia são ferramentas cada vez mais indispensáveis nas tarefas cotidianas. Os instrumentos, processos e práticas que utilizamos na sociedade moderna – tarefas como atender ao telefone, usar o computador, sacar dinheiro com cartão magnético ou ouvir o prognóstico do tempo pelo rádio – baseiam-se em teorias e conceitos científicos e tecnológicos. Entretanto, grande parte da população brasileira não sabe apreciar o alcance desse conhecimento. Parte bastante representativa da sociedade está composta por grande número do que poderíamos chamar de "analfabetos científicos", que, por não compreenderem o impacto dos avanços científicos e tecnológicos em suas vidas, não conseguem opinar ou tomar decisões sobre os rumos que devem tomar as pesquisas que eles mesmos ajudam a manter com o pagamento de impostos.

    Para contar com a participação efetiva da sociedade na tomada de decisões de impacto social, assim como na projeção de políticas públicas, parece clara a necessidade de manter a população bem informada. Nesse sentido, os jornalistas científicos, assim como os pesquisadores, têm um importante papel a cumprir. Por meio da divulgação precisa e responsável dos avanços técnico-científicos e dos impactos que eles possam ter sobre as pessoas, esses profissionais podem contribuir de forma decisiva para a construção de uma consciência crítica da sociedade brasileira.

    MISSÃO REDOBRADA Como instrumento de inclusão social da população, a popularização da ciência deve atingir todas as camadas e faixas etárias da sociedade. No Brasil, essa é uma tarefa árdua, uma vez que nosso ensino fundamental é deficiente e a distância entre a comunidade científica e a população é enorme. Não temos tradição de leitura. Faltam professores capacitados para ensinar ciência nas escolas. São poucos os cientistas que valorizam e reservam um tempo para divulgar suas pesquisas. Os meios de comunicação não vêem a ciência e a educação como temas lucrativos, destinando-lhes, por essa razão, pouco espaço. O que pode ser feito então?

    Temos que começar do início. Isso significa investir na formação de nossas crianças desde muito cedo. As habilidades cognitivas desenvolvidas na primeira infância são essenciais para que o aluno consiga acompanhar os conhecimentos mais complexos que lhe serão apresentados mais tarde. Estudos mostram que, quando isso não ocorre, a probabilidade de se compensar essa deficiência por meio de investimentos em níveis mais avançados de escolaridade é muito baixa.

    É preciso, portanto, encontrar instrumentos que ajudem a desenvolver desde muito cedo o potencial criativo das crianças, seja na educação formal, seja através de recursos paradidáticos. A criança deve poder explorar e experimentar o mundo sem medo e deve ser apresentada às diferentes áreas do conhecimento de forma lúdica. Ao estimular, já nos primeiros anos de vida, a imaginação da criança, apresentando-lhe conteúdos científicos de forma agradável, despertando sua curiosidade e incentivando-a a pensar sobre o que leva um objeto ou processo a ser do modo que é, ela poderá formar seus próprios valores, refletir de forma crítica sobre aquilo que se lhe apresenta e definir com discernimento seus interesses futuros.

    O PAPEL DO JORNALISTA CIENTÍFICO Mas de que forma jornalistas e pesquisadores podem contribuir para promover esse aprendizado, para melhorar a educação em ciência – tão precária – no Brasil?

    A mídia tem um papel fundamental: o de manter a população informada para que ela possa questionar, duvidar e formar suas próprias opiniões a respeito dos temas veiculados. Os jornalistas especializados em ciência podem buscar meios – sejam blogs, suplementos, publicações, programas de rádio e TV – que se voltem para a população infantil e que ajudem a estimular a curiosidade pela ciência desde muito cedo.

    Para fazer um bom trabalho, o jornalista de ciência deve procurar construir uma reportagem equilibrada, em que diversas vozes sejam ouvidas, e que não induza o leitor, ouvinte ou telespectador a fazer deduções precipitadas. O importante é saber ponderar dados, resultados e argumentos ao lado de medos, desconfianças e incertezas. A dúvida deve estar presente, mesmo em reportagens para crianças, porque o mundo do conhecimento se constrói com questionamentos.

    O bom jornalista deve ser capaz de aproximar mundos distantes, como a comunidade científica e a sociedade. Tem que saber diferenciar fatos de promessas, resultados de fraudes, estrelas de estrelismos. E deve buscar sempre o equilíbrio entre o alarmismo exagerado e o encantamento com as maravilhas da técnica.

    A MISSÃO DOS CIENTISTAS É também missão dos pesquisadores popularizar a ciência. É com a divulgação de seus trabalhos que os cientistas prestam contas à sociedade. Mostrando a produção do conhecimento feita no país, a comunidade científica se aproxima da população, que passa então a entender o verdadeiro valor de investir em pesquisa.

    Ao falar sobre seu trabalho, o cientista pode derrubar o muro da superespecialização, que torna os resultados de pesquisa de um especialista cada vez mais incompreensíveis para colegas de outras áreas. Além disso, bons artigos e programas de divulgação científica podem ser fontes complementares para professores do ensino fundamental, médio e universitário. Sem contar a possibilidade de se despertar vocações para carreiras científicas e tecnológicas.

    A socialização do saber produzido no país deve ser considerada, portanto, uma missão para o cientista.

    MUITO POR FAZER Apesar das dificuldades que todos os profissionais envolvidos na divulgação científica enfrentam num país com as dimensões e a diversidade cultural do Brasil, considero que muito tem sido feito nas últimas décadas. Há 25 anos, a Ciência Hoje era a única revista de divulgação científica do país e eram poucos os colunistas, como José Reis, que se dedicavam a popularizar o conhecimento científico. Havia um ou outro programa de rádio e TV e ainda não existiam editorias de ciência especializadas em jornais e revistas. Hoje, há em torno de cinco publicações dedicadas à área, temos bons programas de rádio e televisão, há dezenas de blogs e sites voltados para o tema, e excelentes profissionais trabalhando nas principais redações do país. Além disso, existem museus e espaços culturais que tentam atrair o público infanto-juvenil e adulto para o mundo do conhecimento científico.

    Se bem há muito por fazer, muito já foi feito e temos motivos para comemorar. O importante é ampliarmos, cada vez mais, nosso alcance, e criarmos novos espaços de divulgação para crianças, de modo que possamos concretizar nossa missão de popularizar a ciência em todo o país.

     

    Alicia Ivanissevich é editora executiva da revista Ciência Hoje e vencedora do Prêmio José Reis de Divulgação Científica (2008).