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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.61 no.3 São Paulo 2009
DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
IMAGENS FACILITAM A COMPREENSÃO DA CIÊNCIA
O diálogo entre arte e ciência mais antigo está presente nas ilustrações de relatos científicos feitos por viajantes, navegadores e pesquisadores. Exemplos famosos são os desenhos de Leonardo Da Vinci da anatomia humana e os de naturalistas e pintores que percorreram o mundo em grandes navegações exploratórias, registrando esboços de animais e plantas, como os botânicos Carl Friedrich Philipp von Martius e Eugen Warming. "O desenho é uma linguagem universal que, frequentemente, dispensa o texto descritivo e a oralidade para explicar os objetos; a ilustração científica, portanto, funciona como ferramenta de apoio à imaginação para explicar ciência", afirma Diane Carneiro, professora da área de ilustração científica do Centro de Ilustração Botânica do Paraná (CIBP).
"Com poucas exceções, os grandes cientistas são pensadores visuais, no sentido de que visualizam suas ideias antes de expô-las na forma de palavras", enfatiza Alberto Cairo, ex-editor de infografia do jornal El Mundo e professor de infografia e multimídia da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA. Para ele, uma tradição prejudicial na cultura ocidental fomentou o conceito de que o pensamento é um processo exclusivamente verbal, quando as palavras não são mais que um meio de codificação de informação, como as imagens. "Pense também na única ilustração no livro A origem das espécies de [Charles] Darwin, que se conhece como a 'árvore da vida'. Essa imagem é central em seu pensamento", recorda. Para Cairo, hoje qualquer cientista usa imagens como um meio confiável de codificar informação. Os bons diagramas ajudam o pensamento porque revelam padrões nos dados, mostram múltiplas variáveis, ao mesmo tempo, permitem ver objetos ocultos e compreender melhor as conexões entre fenômenos e sujeitos.
O conceito de ilustração científica vai além do desenho e da pintura. Da mesma forma que a fotografia e a ilustração se diferem por seus objetivos, mapas, diagramas, gráficos e infográficos também são artifícios que evidenciam diferentes informações e dados e que auxiliam a ter uma visão mais ampla da problemática apresentada por um discurso científico, em qualquer nível. "Quando se utiliza analogias em forma de imagem, a tendência é romper a barreira inicial que se poderia ter com um tema científico, digamos", explica Tattiana Teixeira, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Linguagens do Jornalismo.
ARTE NA CIÊNCIA? "A ilustração científica não é arte e vice-versa", sentencia Tattiana. Opinião similar tem Sílvia Di Marco, pesquisadora associada ao projeto "A imagem na ciência e na arte", da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. "A ciência sempre usou imagens para pensar, comunicar entre pares, ensinar e, em geral, não tem preocupação nenhuma com a arte, embora haja casos nos quais é evidente a influência dos padrões estéticos dominantes de uma época dentro das representações científicas", avalia. Em sua análise, normalmente a arte se preocupa com a ciência mais do que os cientistas se preocupam com a arte. Uma boa imagem para a ciência é aquela considerada inteligível, o que deixa a preocupação estética em segundo plano.
James Elkin, professor da Escola de Artes da Universidade de Chicago, EUA, é mais cauteloso e acredita ser necessário resistir à conclusão de que essas imagens sejam única e exclusivamente informacionais e sem qualquer valor estético. Em artigo publicado no The Art Bulletin (vol. 77, n. 4, 1995) ele argumenta que se fosse possível ampliar os estudos em história da arte sobre o campo das imagens não artísticas, haveria a possibilidade de se criar uma história própria para cada um desses campos, em especial dentro das áreas científicas. "A história das imagens na cristalografia, astronomia e microscopia poderiam ser escritas do início", reforça.
IMAGEM E SIGNIFICADO "Hoje, qualquer manual educativo está cheio de imagens, diagramas, esquemas, mapas, gráficos estatísticos, etc". Cairo acrescenta que tais recursos não são meros desenhos. "Cada tipo de dado corresponde a um jeito adequado de codificação. Os mecanismos mentais que facilitam a compreensão de diagramas (como mapas) já são inatos nas gerações atuais. E temos mais possibilidades de escritas diagramáticas, o que evidencia existir outras formas mais adequadas para transmitir determinadas informações", finaliza.
A contribuição das imagens para a medicina, por exemplo, é inquestionável, assim como a infografia é uma forma de narrativa que vai além da apresentação pura e simples de dados, criando narrativas tão complexas quanto um texto escrito.
Diante de múltiplas possibilidades no uso de imagens para melhorar a compreensão do pensamento Henrique Cézar da Silva e colegas analisaram como essas novas tecnologias e métodos de visualização contribuem para a imagem da ciência junto a estudantes. Em artigo publicado na revista Ciência e Educação (Vol.12, nº 2, 2006), da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), os autores concluem que, na última década, o desenvolvimento de tecnologias resultou em uma brutal intensificação da quantidade de imagens constitutiva de nosso cotidiano e que, portanto, a leitura dessas precisa ser ensinada. "É importante que sejam criados espaços curriculares nos quais se possa analisar a aula como processo discursivo, discutindo o funcionamento de diferentes formas de linguagem associadas ao processo de ensino e aprendizagem", diz Cézar da Silva.
RISCOS DO CLICHÊ Para o semiólogo italiano Omar Calabrese, professor da Universidade de Siena e autor do livro A idade neobarroca?, ao adentrar o imaginário do público leigo essas imagens poderiam cristalizar clichês e padronizações. Há o perigo da "estética da repetição", jargão usado por Calabrese. "Lógico que isso é um perigo. Pense, por exemplo, na representação do átomo como um grupinho de planetinhas (elétrons) rodando ao redor do núcleo. Isso é um ícone que está na memória coletiva e que é muito difícil mudar", diz Cairo. "O perigo da massificação do conhecimento, da estagnação e da acomodação dos estudantes no mínimo de conteúdos apresentados na internet existe em qualquer área; na área científica não é diferente", concorda Fátima Zagonel, ilustradora e também vinculada ao CIBP. Mas, a pesquisadora enfatiza que é necessário criar uma cultura para orientar o uso dessa mídia, para que não ocorra a estagnação da pesquisa. O incentivo à leitura e à busca do conhecimento nas fontes originais (livros, revistas e publicações específicas) também colabora para que não ocorra a superficialidade de conteúdos e a criação de ícones (imagéticos) que levam a generalizações e interpretações "científicas" equivocadas. "O trabalho do designer ou do artista gráfico que trabalham com ilustração científica é, justamente, criar novas formas de representação, desafiar os 'leitores' com interpretações novas", finaliza Alberto Cairo.
Enio R. Barbosa Silva