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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.62 no.2 São Paulo 2010
PERCEPÇÃO PÚBLICA
Pesquisa da Embrapa/LAC-Biosafety avalia transgênicos no Brasil
A liberação dos produtos transgênicos no Brasil, em 1995, aqueceu o debate público e causou muita polêmica entre as posições favoráveis e contrárias à decisão. Nos últimos anos, porém, parece que o radar da mídia voltou-se para outras direções. Para avaliar quais questões ainda permanecem na preocupação social a respeito do impacto dos transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGM) para os seres humanos e para o meio ambiente, foi criado, recentemente, um questionário a ser respondido por usuários no site da Embrapa. Trata-se de ação conjunta com o LAC-Biosafety, projeto de cooperação internacional entre Brasil, Colômbia, Costa Rica e Peru, criado para fortalecer a biossegurança e para tomada de decisão em cumprimento ao Protocolo de Cartagena em Biossegurança (PCB). Ratificado pelo Brasil em 2004, o protocolo é um acordo internacional firmado no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica que regulamenta a transferência, manipulação e uso dos transgênicos, de forma a assegurar a conservação e biodiversidade dos países da Convenção.
A pesquisadora da Embrapa, Deise Capalbo, que coordena o projeto LAC-Biosafety no Brasil, explica que o objetivo específico do questionário online é verificar a percepção pública frente ao Protocolo de Cartagena. O enfoque é identificar expectativas de informação por parte do público, para então poder fornecê-las no formato e profundidade desejados. Deise acrescenta que será disponibilizada, em breve, uma página eletrônica onde constarão informações técnicas, científicas e jornalísticas.
Junto à ação na internet, o projeto inclui uma parte de entrevistas com representantes de grupos da sociedade civil organizada e de responsáveis pela regulação em biossegurança no Brasil. Esse trabalho está a cargo de Olívia Arantes, pesquisadora da Embrapa, e de seu grupo.
QUESTÃO AMBIENTAL Além do questionário online e de entrevistas, Deise informa que o projeto tem outros objetivos entre eles, responder aos questionamentos envolvendo o uso seguro dos OGM. No início, as preocupações no meio científico estiveram mais focadas na saúde pública e segurança alimentar; hoje, nota a pesquisadora, a atenção se volta especialmente para a questão ambiental. Parte do estudo vai criar estratégias para lidar com o fluxo gênico para preservação da variabilidade biológica, informa Olívia Arantes, que é também coordenadora de comunicação do projeto. O fluxo gênico é a transferência de genes de uma população a outra. Ele ocorre pela dispersão do pólen das plantas transgênicas pelo ar, fecundando outras variedades similares locais, ou variedades crioulas (como são chamadas as variedades locais rústicas cultivadas pelos agricultores, por gerações). Do ponto de vista biológico, isso poderia resultar em uma alteração indesejada na variabilidade genética da população local, por perda de características daquela população e homogeneização com a variedade transgênica. Para Olívia, todas as pesquisas feitas na área podem, inclusive, favorecer a preservação ambiental das variedades locais do fluxo gênico de espécies comerciais, independentemente de serem ou não transgênicas. "Acho que se tem muito mais cuidado e se estudou muito mais estratégias de preservar, de cuidar do fluxo gênico com os transgênicos, do que com os cultivares comerciais não transgênicos. Se já houvesse esse conhecimento antes, talvez o crioulo não estivesse tão misturado hoje", afirma a pesquisadora, usando como o exemplo a cultura de milho.
ACEITOS OU NÃO? A presença, no mercado brasileiro, de produtos que contenham OGM, não parece ser um fator relevante para a maioria dos consumidores. A rotulagem, obrigatória em todo produto destinado ao consumo humano que possa conter OGM em quantidade acima de 1%, nem sempre é obedecida. "As pessoas nem têm conhecimento que a soja entra em mais de 80% de todo alimento manufaturado, em biscoito, em massas", lembra Leila Macedo Oda, presidente da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio), ressaltando que quase toda a produção de soja no Brasil hoje é transgênica. Para a pesquisadora, a aceitação de produtos contendo OGM pela população é uma questão que passa pela equação risco-benefício, e não como resultado do entendimento e aceitação da tecnologia. Segundo Leila, ainda hoje existe um grande desconhecimento público da tecnologia dos transgênicos. Os consumidores em geral tendem a se interessar por produtos que identifiquem como vantajosos, e isso poderia, potencialmente, acontecer com os produtos OGM. Seria o caso, por exemplo, de um tomate ainda mais rico em licopeno, com maior ação anticancerígena, exemplifica.
Segundo Bernardo Soares, pesquisador do Núcleo de Biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz (NuBio /DSSA /ENSP), existe uma grande demanda de entendimento público sobre biotecnologia no Brasil. "Pesquisas de opinião feitas em diferentes regiões do país vêm mostrando que a maioria das pessoas concorda com o avanço tecnológico, mas reconhece riscos nessa tecnologia e pede maior divulgação de fatos sobre o tema, antes de aceitá-los completamente", diz. Para o pesquisador, dois aspectos importantes estão envolvidos nessa questão. Primeiramente, um maior grau de instrução estaria ligado a uma melhor avaliação dos prós e contras associados aos produtos transgênicos. E, segundo, existe uma tendência maior do público em aceitar o uso da modificação genética para preparo de vacinas ou medicamentos, do que em alimentos ou na agricultura o que, para ele, estaria relacionado aos bons resultados obtidos pela indústria médica e farmacêutica nessa área.
Outro grupo diretamente afetado pela questão das OGM é o da agricultura. Na esfera brasileira do LAC-Biosafety, esse setor será incluído em estudos de outro grande tópico do projeto, o de socioeconomia. "O enfoque será mais na parte técnica, com resultados mais experimentais, num trabalho de campo, com mais conversa e interação", diz Deise Capalbo. Em alguns contatos preliminares com os agricultores, a pesquisadora percebeu grande preocupação no aumento da produtividade e redução do trabalho para produzir. "Vamos usar aquilo que já está no campo para recolher informações técnico-científicas assim como usar a parte de percepção, do que eles identificam como ganho ou perda, e o que ainda se mantém como dúvida", explica.
No grupo dos agricultores, entrarão apenas os que trabalham com milho, algodão, batata e mandioca, escolhidas por terem como centro de origem os países membros do projeto, ou vizinhos a estes. Em relação à mandioca, Deise ressalta que, embora não exista mandioca transgênica no Brasil, já se cogita usá-la em outras partes do mundo, como na África. Por isso, a importância dos estudos para essa cultura: como a mandioca tem o Brasil como centro de origem, é importante mapear as áreas de ocorrência de variabilidade genética e garantir a preservação da biodiversidade nessas regiões.
Alessandra Pancetti