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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.62 no.4 São Paulo Oct. 2010

     

     

    Alimentação e globalização: algumas reflexões

    Rossana Pacheco da Costa Proença

     

     

    A alimentação constitui uma das atividades humanas mais importantes, não só por razões biológicas evidentes, mas também por envolver aspectos econômicos, sociais, científicos, políticos, psicológicos e culturais fundamentais na dinâmica da evolução das sociedades. Os recursos econômicos envolvidos em alimentação, em termos de mercado, são consideráveis, perfazendo um montante bastante superior àqueles relativos a outros setores.

    Neste texto, refletiremos questões relativas à alimentação e às práticas alimentares humanas no contexto do mundo globalizado. Percebe-se a globalização para além de discussões ideológicas, como um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural e política que vem impulsionando o mundo, considerando, principalmente, a sfacilidades de transporte e difusão de informações, produtos e interação entre as pessoas.

    Uma das questões mais evidentes sobre a alimentação atual é o processo de distanciamento humano em relação aos alimentos. A história da alimentação humana (1) reflete que a preocupação constante com a busca/produção de alimentos vem passando por modificações tanto na forma de produzir quando de distribuir o salimentos. As possibilidades tecnológicas de produção de alimentos em larga escala e a sua conservação por longo tempo, bem como a viabilidade global de transporte e negociação desses itens, vêm ocasionando a ruptura espacial e temporal da produção e do acesso. Então, ocorrem situações em que o salimentos são produzidos fora da estação do ano e dos locais tradicionais, sendo também acessíveis em locais distantes da sua produção, podendo gerar tanto novos contextos de consumo percebidos como interessantes, quanto o estranhamento e consequente desperdício por sua rejeição por serem alimentos não identificados no consumo usual.

    Nessa mesma linha, a própria industrialização é percebida como um processo que pode distanciar o alimento das pessoas, na medida em que, muitas vezes, pode dificultar a percepção da origem e/ ou dos ingredientes que compõem um determinado alimento. Os rótulos com informações alimentares e nutricionais, por exemplo, que têm importância em políticas públicas de saúde e segurança do consumidor, podem, como destaca Pollan (2), causar estranheza pela falta de reconhecimento dos nomes de produtos químicos citados na lista de ingredientes como componentes alimentares. Assim, a recomendação do autor de que – "coma somente aquilo que a sua avó identificaria como alimento" – externa esse estranhamento que vem mediando a relação humana com os industrializados. Outro exemplo são alguns desdobramentos da denominada gastronomia molecular (3) que, trabalhando quimicamente os compostos alimentares, praticamente desconstrói a identidade da comida para buscar novas sensações no ato de comer. Assim, da mesma maneira, as pessoas revelam dificuldades em perceber espumas ou glóbulos como alimentos. Destaca-se também a importância crescente da alimentação fora de casa, com os restaurantes suplantando a sua origem etimológica de "restauradores de forças" (4) para assumirem outros papéis na dinâmica econômica e social. Assim, no plano de alimentação coletiva, nota-se a expansão de prestadores de serviços de alimentação em empresas, hospitais e escolas, entre outros. E na alimentação comercial se observam desde pequenos estabelecimentos até conglomerados de fast food, fenômeno originado nos Estados Unidos e difundido mundialmente. Além da possibilidade de massificação de cardápios e indução de novos comportamentos alimentares, muitas vezes, essas empresas de alimentação coletiva e comercial difundem também formas diferentes de trabalhar com os alimentos, contribuindo para o discutido distanciamento.

    A importância da alimentação fora de casa na vida contemporânea é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) quando, no documento "Estratégia global para alimentação, atividade física e saúde" os restaurantes comerciais e coletivos são citados dentre os seus parceiros preferenciais para a consecução dessa estratégia (5).

    NOVOS GOURMETS Paralelamente a essas possibilidades de distanciamento, nunca se buscou tanta informação sobre alimentação, fato demonstrado pela expansão dos veículos de comunicação como publicações escritas (livros, revistas e jornais), programas televisivos e sites de internet, com os profissionais da mídia realimentando esse interesse. Outra vertente dessa questão é o fenômeno cultural recente do tratamento de destaque dado aos cozinheiros, atualmente denominados chefs seguindo a lógica francesa (6). Tais profissionais, com a tendência globalizante, trabalham para além do fazer comida, divulgando comportamentos e vendendo produtos associados, muitas vezes induzindo práticas alimentares.

    A própria concepção espacial da cozinha nas casas vem se transformando, partindo de um espaço reservado para se tornar em ambiente aberto para a área social, demonstrando a importância com que essas atividades têm sido percebidas. Porém, observa-se, muitas vezes, que essas áreas gourmet parecem não terem sido feitas realmente para cozinhar, posto que os acabamentos, equipamentos e utensílios são selecionados e adquiridos mais pela sua capacidade de combinar com a decoração do espaço do que por sua funcionalidade para o ato de preparar alimentos. Assim, autores discutem que essas tendências podem levar tanto à homogeneização quanto à diferenciação da alimentação (7;8; 9;10). Um exemplo é a ascensão das preocupações com a gastronomia, com destaque para a comida que representa etnias tradicionais. Reconhece-se que essa tendência sempre ocorreu pelas migrações humanas; contudo, com as possibilidades da globalização, as modas gastronômicas vêm se repetindo com maior velocidade. Assim, observa-se o destaque recente da comida japonesa, tailandesa, mexicana, peruana e turca, em muitos lugares, além dos restaurantes ditos típicos, simplesmente misturando-se às comidas locais. Um restaurante brasileiro do tipo buffet pode ser um exemplo, com o oferecimento de sushi, típico da culinária japonesa, em churrascarias.

    Conforme a análise de Garcia (11) a partir das discussões teóricas de Fischler (8) "a culinária dos restaurantes estrangeiros faz sua comida típica com o 'molho' da cozinha receptora". Essas adaptações, segundo esse autor, afetam não apenas os produtos ou os sabores, mas também as estruturas profundas da culinária de origem, sua gramática e sua sintaxe. É possível ainda encarar tais alterações como adaptações às estruturas culinárias do país receptor, ou seja, ao fazer essas modificações são introduzidos novos pratos na culinária do país estrangeiro, preservando algumas características da culinária de origem. Produz-se uma nova versão de um prato. Por exemplo, há a pizza em sua versão original, a italiana, na versão brasileira, na versão norte-americana e assim por diante. Essas versões já foram absorvidas, readaptadas e se desgarraram da original. Porém há uma essência da pizza: a massa, o tomate, o orégano e o queijo. Fischler (8) nomeia essa diluição das características genuínas em benefício do consumo em massa como o "mínimo denominador comum". Há uma retradução dos pratos típicos, os quais sofrem metamorfoses até se adequarem ao consumidor global.

     

     

    Outros exemplos da busca de aproximação aos alimentos vêm de iniciativas diversas de valorização de produtos locais e regionais ou oriundos de pequenos agricultores. Muitas vezes movidos por preocupações de sustentabilidade, surgem movimentos sociais como cooperativas de consumo ou incentivo aos denominados "Restaurantes Zero Quilômetro" (aqueles nos quais todos os ingredientes viajaram as menores distâncias possíveis). Também a ascensão de iniciativas de resgate de alimentos tradicionais reflete essa busca de identificação e reconhecimento em movimentos como o slow food ou no registro e valorização de alimentos como patrimônios intangíveis (12). Esta última situação tem uma ligação direta com a globalização, na medida em que as pessoas têm viajado mais, buscando na alimentação uma forma de conhecer culturas diferentes. Assim, autores discutem que a interação com o local visitado pode passar pela internalização deste local através do consumo de alimentos reconhecidos como tradicionais (7;8;9;13).

    MODISMO NA ALIMENTAÇÃO Pelas relações da nossa discussão com a saúde, abordaremos também outro aspecto contemporâneo da interação entre alimentação e cultura, que é a medicalização, definida como a substituição, nas relações entre o homem e os alimentos, das razões sociais, morais e gastronômicas pelas razões médicas. Aiach e Delanoe (14) destacam que a medicalização transforma o desvio em doença, com a normalidade passando a ser traduzida somente em termos de saúde. Assim, transforma-se a hierarquização dos horizontes do ato alimentar: destacando bastante a saúde e, depois, a sociabilidade e o prazer. Esse tipo de abordagem pode acompanhar-se de riscos na medida em que se observa a promoção, como discurso científico, dos modelos alimentares dos meios sociais dominantes, sejam esses representados tanto pelos pesquisadores quanto por pessoas influentes naquela sociedade. Um exemplo foi destacado por Salles (15) que, ao questionar sobre o que os auxiliares de enfermagem consideravam uma alimentação saudável, teve como resposta que "saudável era a alimentação observada na novela de televisão...". Pense-se nas consequências de tal observação!

    Outro risco é que essa abordagem tende a diminuir a importância do prazer e da sociabilidade, podendo contribuir para um processo de dessocialização das pessoas. O crescimento da ansiedade com relação à alimentação também é observado, haja vista a necessidade que as pessoas apresentam de acesso a informações sobre o tema, acompanhadas pela dificuldade de entender e se relacionar com a diversidade de informações, muitas vezes controversas. Outra face da questão é o desenvolvimento de processos de culpa com relação à alimentação, culminando, em muitos casos, com o desenvolvimento de transtornos alimentares graves.

    Um desses transtornos, de identificação relativamente recente, é a ortorexia, definida como a preocupação excessiva com a alimentação percebida como saudável (16). Assim, considera-se a medicalização como um dos fatores de erosão dos modelos alimentares e que a excessiva preocupação com essa questão pode ter um feito reverso, de piorar a situação ao invés de melhorá-la (17).

    Ressalta-se uma proposta de "desmedicalizar" a alimentação cotidiana, que não significa se privar dos conhecimentos das ciências da nutrição, mas articulá-los com as dimensões socioculturais da alimentação. O convite é para um movimento além da educação nutricional tradicional, que se refere prioritariamente aos nutrientes, para a educação alimentar e nutricional, considerando os diferentes horizontes do ato alimentar: sua relação com a saúde, sua relação com o prazer e suas dimensões sociais e simbólicas, respeitando os processos de socialização e de construção das identidades que articulam as particularidades sociais, regionais, religiosas, entre outras (18).

    Com o processo de globalização são também intensificados os fatores de risco associados ao consumo dos alimentos, destacando-se aqueles relacionados à manipulação, processamento e conservação. Esta inadequação ao consumo pode ocorrer pela decomposição dos alimentos por agentes físicos, químicos e biológicos, pela contaminação acidental ou introdução consciente de substâncias tóxicas ou inconvenientes à saúde, pela transmissão de doenças ao homem através de alimentos de origem animal, ou pela contaminação dos alimentos por microorganismos que, muitas vezes, utilizam o alimento como meio de multiplicação.

    Por exemplo, algumas pesquisas brasileiras, realizadas por Universidades, pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) demonstram haver irregularidades em, praticamente, todos os grupos de alimentos disponíveis ao consumo. Da identificação de excesso de agroquímicos em produtos vegetais até parasitas, hormônios e medicamentos veterinários em produtos animais, as preocupações abarcam, também, os alimentos industrializados, aos quais são acrescentados aditivos de utilização polêmica, aprovados em alguns países e terminantemente proibidos em outros. Um dos tópicos mais controversos nessa questão envolve a manipulação genética dos alimentos, visando melhorar tanto seu rendimento e resistência a pragas quanto sua composição nutricional. As perspectivas são fascinantes e, teoricamente, ilimitadas. Ocorre, contudo, que as pesquisas não são conclusivas com relação aos efeitos que esses alimentos, denominados Organismos Geneticamente Modificados (OGM) ou transgênicos, podem trazer ao ser humano que os consome. Assim, essa é, certamente, uma questão desafiadora que o processo de globalização acentua.

    Nesse sentido, vislumbra-se, no mínimo, duas tendências mundiais complementares, quais sejam, a introdução do conceito de rastreabilidade do alimento e uma maior exigência com relação à rotulagem alimentar. O conceito de rastreabilidade envolve a recomposição da história do produto alimentício, com identificação e registro de cada etapa do processo. Assim, nas etapas de produção, industrialização e consumo, devem ser registradas e disponibilizadas informações que permitam identificar como o produto foi plantado ou criado, o tipo de solo ou ração utilizados, a época e o método de colheita ou abate, a maneira como o alimento foi industrializado e conservado até o consumo.

    Os cuidados com a rotulagem dos alimentos constituem uma tendência que evidencia o aumento das exigências do consumidor, no sentido da valorização das diversas opções de certificação dos alimentos, buscando assegurar questões relativas, por exemplo, ao processo, à conformidade, à qualidade, à origem e à composição nutricional. Contudo, quando os alimentos circulam entre países, nem sempre as informações alimentares e nutricionais podem ser igualmente esclarecedoras às pessoas, tanto por diferenças de legislação, que determinam como a rotulagem deve ser apresentada, quando por diferenças culturais de percepção. A celeuma atual com relação à identificação do conteúdo de ácidos graxos trans nos alimentos industrializados é um exemplo dessa situação (19).

    Ainda nesse tópico, ressalta-se a constatação de que as mudanças no estilo de vida do homem e de outros seres vivos provocam o retorno ou a emergência de patógenos, inclusive aqueles relacionados à alimentação. Observa-se, por exemplo, a ascensão cíclica das preocupações com patologias conhecidas como a febre tifóide ou a tuberculose, ou com novas patologias como a listeriose e a encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca louca).

    Destaca-se que, no âmbito mundial, somente uma pequena proporção das doenças transmitidas por alimentos (DTA) é normalmente reconhecida, e uma parcela ainda menor é notificada. Apesar desse fato, e de todos os métodos disponíveis para processamento e conservação dos alimentos, essas doenças apresentam uma evolução constante no número de casos, sendo a segunda maior causa de enfermidades no mundo. Pesquisas demonstram que a maioria dos surtos de DTA registrados foram provocados por alimentos consumidos em casa, demonstrando a necessidade de incremento de políticas públicas nas ações de controle dos processos de produção e comercialização, bem como de orientação ao consumidor (20).

    TENDÊNCIAS NAS SOCIEDADES DE CONSUMO Para finalizar, ressalta- se as grandes tendências de comportamento das pessoas com relação à alimentação nas sociedades de consumo dos países industrializados: a autonomia, a conveniência, a desestruturação das refeições, o convívio, o cosmopolitismo, o refinamento, a valorização do natural, a valorização da alimentação fora de casa, bem como a preocupação com a saúde e o equilíbrio alimentar (21;22).

    A autonomia representa a aspiração das pessoas à diversidade, tanto de produtos como de serviço e local da alimentação, numa tentativa de rompimento com as tradições. Esse aspecto está intimamente ligado à conveniência, que demonstra o desejo de poder contar com os progressos técnicos disponíveis para simplificar o momento da refeição. Um exemplo é o desenvolvimento do auto-serviço (self-service), que otimiza a relação entre o tempo despendido e a possibilidade de escolha. Outro exemplo seria a preferência, no momento da compra, por alimentos que aportem facilidade de manipulação e preparo, bem como a possibilidade de consumo instantâneo.

    A desestruturação das refeições é uma realidade, influenciada principalmente a partir de alterações observadas em praticamente todos os locais do mundo industrializado, nas características de urbanização e modificações na estrutura familiar. Mas, apesar desse fato, o convívio no momento das refeições ainda é considerado importante, mesmo que, em lugar de membros da família, elementos da coletividade da qual a pessoa faz parte sejam envolvidos em alguma refeição.

    Observa-se, no Brasil, um fenômeno que minimiza os efeitos dessa tendência mundial do aumento de consumo de refeições desestruturadas, com a popularização dos restaurantes que servem refeições por peso. Esse modelo de prestação de serviços em alimentação permite, de maneira rápida e com um custo semelhante ao de um lanche comum, que a pessoa faça uma refeição completa. Pesquisas demonstram que essa opção pode representar alternativa saudável de alimentação (23; 24; 25), embora seja evidente a necessidade de orientar as pessoas para que as escolhas sejam coerentes com as suas necessidades nutricionais e alimentares. Mas é inegável que a disseminação desse modelo no país demonstra sua aceitação pela população, que busca essa opção levada por questões econômicas, de disponibilidade de tempo, de saúde e de prazer.

    Destaca-se, contudo, que a opção rotineira pela modalidade de refeição por peso é predominante no público adulto. Por sua vez, as diferenciações observadas no comportamento alimentar do público infantil e adolescente têm sido alvo de preocupações de saúde pública, pelos seus possíveis reflexos na vida adulta. Pesquisas demonstram que as pessoas nessa faixa etária, diferentemente de gerações anteriores, geralmente querem ser mais autônomas e escolher o que comem, preferindo as refeições incompletas e, principalmente entre os adolescentes, observam-se diferentes comportamentos, de acordo com o sexo.

    Assim, as adolescentes do sexo feminino demonstram uma preocupação crescente com a pressão da estética corporal e o impacto do discurso nutricional no sentido da redução calórica. Valorizam mais o suposto valor calórico reduzido do que o prazer gustativo dos alimentos, verificando-se, em decorrência, taxas crescentes de distúrbios como anorexia nervosa e bulimia nesse grupo etário. Já os adolescentes do sexo masculino demonstram dar mais importância ao sabor e aos rituais alimentares, apresentando um consumo maior de alimentos. Nesse grupo destaca-se o consumo exagerado de suplementos nutricionais, estimulados, provavelmente, pela crença de uma formação rápida de massa muscular, um fenômeno já identificado como vigorexia.

    O cosmopolitismo apresenta o desejo de que a alimentação favoreça a evasão, proporcionando refeições diferentes, numa tentativa de rompimento com a monotonia, que pode ser exemplificada pelo desenvolvimento – principalmente nos meios urbanos – da alimentação étnica, que reproduz costumes alimentares de diferen- tes povos. Nessa mesma vertente desponta a aspiração pelo refinamento, que revela a busca da variedade e da sofisticação alimentar, demonstrada pelo aumento de oferta, tanto em quantidade como em diferenciação, de itens alimentares no mercado.

    As preocupações com a gastronomia, observadas na crescente procura por publicações e formação na área, são também significativas na busca por uma melhoria das relações entre as pessoas e os alimentos. Um movimento mundial nesse sentido, o slow food, vem sendo desenvolvido com o objetivo de resgatar uma cadeia cultural envolvendo os alimentos, da produção ao consumo. O termo tenta contrapor-se ao fast food (comida rápida), difundindo a calma ao comer, o máximo proveito da refeição, considerando, além do conteúdo nutricional, os aspectos culturais e de prazer. A proposta básica é resgatar os produtos gastronômicos, ameaçados pelo processo industrial, pelas regras de grande distribuição e pela degradação ambiental.

    O equilíbrio alimentar, embora tenha o seu controle dificultado pela multiplicação de opções disponíveis, aparece valorizado pela conscientização da importância da alimentação na manutenção da saúde. A busca pela qualidade reflete, além do seu valor nutricional, as preocupações com processos de produção e conservação de alimentos que valorizem tudo o que for natural, fator este estimulado pela consciência ecológica. Constata-se, também, pelos indicadores do mercado, a ascensão dos produtos naturais, orgânicos ou biológicos, cuja denominação varia de acordo com cada país.

    Outra questão com relação à busca do equilíbrio alimentar e da saúde refere-se aos avanços tecnológicos que permitem à indústria alimentícia oferecer ao mercado produtos com características muito específicas, comercializados sob diferentes denominações, segundo a sua procedência e suposta finalidade: alimentos funcionais, alimentos para usos específicos, fármaco-alimentos ou nutracêuticos. Embora, em termos científicos, as controvérsias sejam inúmeras, considerando também a já discutida medicalização da alimentação, essa é uma discussão atual, que vem amparando a evolução constante da legislação sobre o assunto. Ressalta-se, contudo, que as recomendações continuam apontando para a variedade de alimentos como principal estratégia na busca do equilíbrio alimentar.

    A valorização da alimentação fora de casa apresenta-se como um reflexo de todos os fatores expostos. Embora, em muitos momentos, essa opção se apresente como a única possível, observa-se, também, a vontade explícita dos indivíduos de se alimentarem fora de casa na procura do atendimento das condições impostas pela transformação do modo de vida.

    Finalmente, salienta-se que a ciência começa a demonstrar o que, empiricamente, sempre foi de conhecimento das pessoas: a importância do prazer de comer. Torna-se, assim, de vital importância o respeito pelo momento alimentar e pela história pessoal relativa à alimentação, demonstrando-se que as pessoas estão cada vez mais exigentes com os alimentos e cada vez mais preocupadas com as consequências do ato alimentar.

     

    Rossana Pacheco da Costa Proença é nutricionista, professora do Departamento de Nutrição, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Líder do Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições (Nuppre).

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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