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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.62 no.spe2 São Paulo  2010

     

    Oscar Sala e o desenvolvimento dos aceleradores de partículas no Brasil

     

    Dirceu Pereira

     

     

     

    O desenvolvimento de aceleradores eletrostáticos e equipamentos periféricos no Brasil para estudos em física nuclear experimental teve impacto importante para o domínio de tecnologias de ponta pela indústria nacional. A física nuclear experimental, hoje área estratégica em termos mundiais, contou com uma grande concentração de físicos experimentais na área, sobretudo na década de 1960. Nos dias atuais, várias técnicas nucleares desenvolvidas, inclusive no Brasil, têm aplicações em estudos em várias outras áreas como: metalurgia, microeletrônica, medicina, odontologia, agricultura, arqueologia, energia etc. Nesse contexto é que surge, no final dos anos 1940, uma das grandes contribuições do professor Oscar Sala, ao construir na Universidade de São Paulo (USP) o acelerador eletrostático do tipo Van de Graaff, para estudos de problemas em reações nucleares e estrutura nuclear. Esse fato propiciou aos jovens pesquisadores, a partir dos anos 1950, a oportunidade de fazer ciência no campo de física nuclear experimental e também motivar outros pesquisadores para a área de física nuclear teórica. Além desses aspectos, o desenvolvimento da física nuclear experimental proporcionou uma maior inserção do país na comunidade científica internacional, com importante aumento do intercâmbio de pesquisadores.

    O acelerador Van de Graaff de São Paulo tinha uma capacidade de armazenar uma voltagem no terminal da ordem de três milhões de volts, num tanque metálico (figura 1) a alta pressão (3 a 4 atmosferas de nitrogênio). A construção do mesmo na época foi um dos maiores desafios enfrentados pela incipiente indústria brasileira, pois foi o primeiro equipamento desse porte e características feito no país.

    A construção do acelerador propiciou à indústria brasileira o contato com novos equipamentos eletrônicos, soldas especiais, materiais e bombas usados em sistemas de vácuo, além do domínio de detecção de vazamentos nesses sistemas. Na parte de desenvolvimento de instrumentação nuclear específica, o país contribuiu, de maneira importante, a nível internacional, com a técnica de detecção de nêutrons via tempo de vôo, e também na parte de controle da voltagem do acelerador via voltímetro gerador.

    O acelerador Van de Graaff da USP funcionou até o final da década de 1960, com várias teses experimentais realizadas e trabalhos publicados em revistas internacionais. Além disso, o laboratório contribui de maneira significativa na formação de técnicos especializados e diferenciados, sendo que parte deles foi absorvida pela indústria brasileira ou fundaram suas próprias empresas, como foi o caso das empresas Tectrol e Brasele. A década de 1970 é marcada por uma mudança na física nuclear experimental mundial, que passa a focar a física de íons pesados e o desenvolvimento de aceleradores de dois estágios tipo"tandem" e fontes injetoras de íons negativos. O professor Sala, em sintonia com a física internacional, liderou o projeto para a compra e instalação na USP do acelerador Pelletron de tecnologia de ponta. Esse acelerador entrou em funcionamento parcial em 1972, foi construído pela firma americana National Eletrostrotatics Corporation (NEC), e era o protótipo de uma nova geração de aceleradores com concepções inovadoras de tubo acelerador e sistema de transporte de carga para o terminal. Nos dias atuais há vários (~200) aceleradores tipo Pelletron de diferentes portes, funcionando em vários laboratórios do mundo. Colocar o Pelletron em funcionamento custou um esforço muito grande para a equipe liderada pelo professor Sala. O acelerador, por ser novo, tinha problemas estruturais importantes, vários deles resolvidos pela equipe local.Além disso, havia problemas sérios de infraestrutura. Quando se instala um equipamento de alta tecnologia na universidade isso não é um fato isolado, pois ela está inserida num país e numa sociedade com toda sua estrutura ou a falta dela. Entre vários problemas, existia uma instabilidade importante da rede elétrica.

    Apesar de todas as dificuldades enfrentadas para o funcionamento do Pelletron, ele foi muito importante para a física nuclear experimental brasileira. Passamos a ter uma maior inserção na comunidade científica internacional, com participação em eventos importantes e publicações em revistas de primeira linha. Além disso, houve intercâmbio de estudantes e pesquisadores e colaborações com outros centros de pesquisa, que perduram até hoje.

    O Pelletron entrou efetivamente em operação no ano de 1975. Até os dias atuais foram concluídas cerca de 200 teses de mestrado e doutorado com dados experimentais obtidos no laboratório. Número bastante significativo quando comparado com o total de teses produzido pelo Instituto de Física da USP desde 1970, que é da ordem de 1000. Do ponto de vista tecnológico passamos a dominar novas tecnologias para sistemas de vácuo, sistemas eletrônicos e comunicação de computadores (grande novidade na época). Sob a minha óptica, a instalação do Pelletron na USP, foi um dos maiores desafios enfrentados pelos físicos nucleares experimentais e o corpo técnico da USP

    Na década de 1980, o professor Sala inicia um novo projeto de um pós-acelerador do tipo linear (Linac) com cavidades ressonantes (figura 3) supercondutoras. A ideia era triplicar a energia de aceleração do Pelletron. O projeto teve sérios problemas de financiamento devido à situação econômica do país, principalmente nos anos 1980 e 1990. No momento, o mesmo encontra-se em fase final de montagem. Este é apenas um resumo da contribuição do professor Sala para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil. Esses fatos fazem do professor Oscar Sala figura diferenciada da ciência brasileira, que merece o respeito de todos.

     

     

    Dirceu Pereira é professor titular do Instituto de Física da USP. Fez mestrado e doutorado em física nuclear experimental sob a orientação do professor Oscar Sala