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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725
Cienc. Cult. vol.63 no.3 São Paulo July 2011
http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000300003
REDE MUNDIAL
20 anos da internet no Brasil: universalização do acesso em expansão
Em 1991, o Brasil assistiu aos primeiros ensaios de conexões à incipiente internet, a entre-redes, a rede das redes de computadores. Naquela época o privilégio de poder trocar mensagens eletrônicas era coisa restrita aos pesquisadores universitários, pois a internet brasileira era uma rede exclusiva para universidades e centros de pesquisa. Hoje são cerca de 50 milhões de usuários no país, mas que ainda pedem por universalização do acesso. Caso emblemático de urgência por conectividade foi o fato de, neste ano, a Receita Federal ter restringido, pela primeira vez, a entrega de declarações anuais de imposto de renda à via eletrônica. Ricardo Fritsch, coordenador da Associação Software Livre (ASL.Org) diz que "idealmente nós deveríamos ter um único tipo de cidadão, o cidadão conectado. Mas hoje ainda temos diferença entre os cidadãos de primeira categoria, que estão conectados, e os de segunda categoria, que têm que se deslocar até uma repartição pública, que pode estar na sua cidade ou até mesmo em uma cidade vizinha".
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), no Rio de Janeiro, lideraram o esforço de conexão à grande rede. Desde então, a internet tem se caracterizado como uma tecnologia altamente disruptiva. Ela atua fornecendo soluções novas e originais para velhos problemas, ao invés de simplesmente incrementar ou otimizar soluções já existentes. Foi assim com a primeira revolução, o correio eletrônico, depois com o comércio online e, simultaneamente, o compartilhamento de arquivos. Esta última tecnologia tem protagonizado a mais profunda alteração na forma como se distribuem bens simbólicos, como filmes, músicas e livros. E, como tal, tem sido também a atividade online com mais desdobramentos éticos, políticos e tecnológicos, impactando em toda a sociedade.
No Brasil, o aniversário de duas décadas da internet demarca uma série de avanços importantes, mas também expõe fragilidades e disputas. Em termos de avanços e consolidações, pode-se citar a criação e atuação do Comitê Gestor da Internet Brasileira (CGI.br), através da Portaria Interministerial 147 em 1995, e o Decreto 4.829/2003 que a altera. O CGI.br foi criado para "coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços de internet no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados". O CGI.br trabalha em conjunto com o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br (NIC.br) que, por sua vez, atua como um braço executor das deliberações do CGI.br e também opera o Registro.br, através do qual a entrega de domínios com terminação ".br" é coordenada, bem como seus endereços IP. Esse arranjo institucional foi criado em conjunto pelos Ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia, em maio de 1995, com fins de promover a efetiva participação da sociedade civil em assuntos da internet brasileira.
Apesar do crescimento do acesso digital, ainda é baixa a penetração da rede na sociedade. Ela está altamente concentrada nos grandes centros urbanos, excludente às populações de baixa renda e as localizadas em periferias urbanas e regiões rurais, sendo que o acesso em banda larga nas regiões Norte e Nordeste é mais precário do que no restante do país. De acordo com dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em dezembro de 2010 havia somente 50 milhões de usuários em uma população de 190 milhões, ou 26% dos brasileiros com acesso à internet em modalidade banda larga fixa (cabo ou dsl). Nesse cenário, parece distante o uso da internet como uma ferramenta de educação universal, de acesso a serviços do governo (e-Gov) e de liberdade de opinião e informação.
Nesse cenário, fica clara a importância do acesso à internet via lan houses, ou, com o nome dado pelo PLC28/2011 (Projeto de Lei da Câmara), "Centros de Inclusão Digital". As lan houses são as verdadeiras universalizadoras do acesso à rede. Segundo o CGI.br, elas fornecem acesso a 40 milhões de brasileiros, e a 74% de todas as classes D e E que tem acesso à rede. O PLC28/2011 é um projeto de lei que declara as lan houses como entidades multipropósito, tornando-as potenciais beneficiárias de incentivos como renúncias fiscais e valores reduzidos na compra de equipamentos financiados pelos bancos públicos.
No entanto, o projeto, que está no Senado, tem sofrido críticas pelas emendas que recebeu no Congresso: uma delas prevê que deva ser registrado o nome e o RG do usuário da lan house. Essa emenda, que visa permitir a recuperação de informações por um eventual processo judicial por crime cibernético, foi vista por muitos como demasiadamente controladora e também discriminadora do usuário de lan house, e tem sido ativamente combatida pela Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (ABCID). Por comparação, um usuário que acessa a internet via conexão doméstica em sua casa, não passa por tal controle. Segundo Mário Brandão, da ABCID, em artigo no jornal O Estado de S.Paulo (01/06/2011), "na população com idade entre 10 e 15 anos, apenas 2% possuem RG. Assim, sancionada a emenda, estarão alijados do acesso à internet cerca de 1,6 milhão de brasileiros que hoje utilizam as lan houses para fazer desde suas pesquisas até o simples digitar e impressão dos seus trabalhos escolares. Se considerarmos todo o universo de estudantes, de todas as idades, que hoje utilizam lan houses, mas não têm carteira de identidade, estariam excluídos 8 milhões de brasileirinhos das facilidades da internet".
O PLANO NACIONAL DE BANDA LARGA E A UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO De acordo com Pedro Antonio Dourado de Rezende, professor de ciência da computação da Universidade de Brasília (UnB), dedicado à área de segurança computacional, "o governo brasileiro finalmente percebeu a importância estratégica, para o Estado, de deter algum controle sobre a infraestrutura de comunicação digital com capilaridade necessária ao desempenho de sua missão".
A disputa em torno do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) tem sido, de um lado, pelas operadoras de telefonia, principais detentoras das vias pelas quais a internet transita e, do outro, pelo governo federal e grupos organizados da sociedade como, por exemplo, a Cultura Digital. As telecoms temem que o governo entre na competição pelo mercado, usando a Telebrás, estatal que foi encarregada de implementar o PNBL. O governo federal sofre críticas até de natureza doutrinária, de criação de mais uma estatal, em vez de fornecer condições favoráveis à atuação do setor privado, e de estar agindo como empresa privada.
O provimento de internet banda larga no Brasil é fortemente oligopolizado. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Consultoria Teleco para novembro de 2010 indicam que três empresas (Oi, NET e Telefônica) concentravam 84,3% da participação no mercado nacional. No Norte e Nordeste a situação é ainda mais dramática e, não raro, uma única empresa domina o fornecimento do serviço. Na ausência de competição, não impressiona que os preços do serviço para esses estados sejam os mais caros do país.
O PNBL entra justamente para intervir nessa concentração, tanto do oligopólio quanto da distribuição no território nacional. Como a infraestrutura mais cara é a instalação de conectividade capaz de interligar todo o país, o PNBL fará essa interligação e a partir de sua rede seria possível provedores privados oferecerem conectividade local a comunidades, zonas rurais e cidades. O governo, nesse cenário, seria um provedor de conexão "no atacado", e o setor privado responsável pelo que se conhece como "última milha", ou seja, a ligação entre a residência do assinante e a rede do governo.
No final de maio e começo de junho o PNBL sofreu algumas reviravoltas. A destituição de Rogério Santanna do cargo de presidente da Telebrás e a nomeação de Caio Bonilha, então diretor comercial da estatal, no dia 1º de junho, foram vistos por muitos como uma indicação de que o governo pretendia aproximar‑se das telecoms, dando sinais claros de que não pretende atuar no varejo. Outro problema enfrentado pela Telebrás foi o contingenciamento de recursos decretado pela presidente Dilma Rousseff. Face à nova dotação, as metas do PNBL para o ano de 2011 ficam severamente comprometidas.
DIREITO DE ACESSO E NEUTRALIDADE O senador Rodrigo Rollemberg (PSB‑DF) é autor de uma proposta de emenda constitucional que planeja inserir na Carta Magna o direito ao acesso à internet, a exemplo de países como a Finlândia, que declarou o acesso à internet banda larga um direito de todos os finlandeses em 2009, sendo o primeiro país a aprovar isso em lei.
A neutralidade da internet é, ao mesmo tempo, uma circunstância resultante da forma como os protocolos de troca de dados foram desenvolvidos, e também um aspecto social desejável, uma vez que a internet é uma rede distribuída e descentralizada, onde qualquer um opera em igualdade de condições com seus pares. A manutenção futura da neutralidade que tem origem no início da história da rede tem sido um tema fortemente debatido, uma vez que existem pressões políticas e lobbies fortes que buscam relativizá‑la. Os motivos para buscar tal controle são vários. Segundo o professor Sérgio Amadeu, "no momento em que as operadoras de telefonia começam a perceber que podem transitar em suas redes pacotes de voz sobre ip (VoIP), por exemplo, elas podem querer degradar a velocidade de transmissão, uma vez que esse tráfego compete com os serviços de voz prestados por elas mesmas". A neutralidade da rede é uma garantia de isonomia entre os diversos atores que habitam a internet.
O Fórum Internacional de Software Livre, Fisl, que acontece anualmente em Porto Alegre, e em junho de 2011 teve sua 12ª edição, escolheu o tema da neutralidade da rede como assunto central. "Nós costumamos escolher o tema do fórum com muita antecedência, e quando escolhemos a neutralidade da rede, no ano passado, nunca imaginaríamos que haveria este ano uma reunião do G8 para discutir censura e filtragem da internet. Então este é um tema atual", diz Ricardo Fritsch.
Para Pedro Rezende, se estendermos a noção de papel social para incluir aquilo que fazem organizações e empresas com suas infraestruturas de TI, e mesmo serviços e protocolos implementáveis por software, essa neutralidade corresponderá a uma generalização do conceito de privacidade. "Generalização do ponto de vista semiológico mas não jurídico, pois para o direito a privacidade é um conceito intrinsecamente ligado ao indivíduo. Nesse sentido, devo logicamente concluir que a neutralidade da rede está sim ameaçada, e de extinção", conclui.
Bruno Buys