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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725
Cienc. Cult. vol.64 no.2 São Paulo Apr./June 2012
http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000200002
Zebrafish: modelo consagrado para estudos de doenças humanas
Themis Reverbel da Silveira
Ana Claudia Schneider
Thais Ortiz Hammes
Gande parte da pesquisa médica depende de modelos animais para aprofundar o conhecimento das causas das doenças humanas e possibilitar testes com terapias inovadoras. Os animais utilizados mais frequentemente nas pesquisas biológicas são os roedores; em torno de 95% dos estudos experimentais são feitos com camundongos e ratos. Recentemente, um novo vertebrado foi introduzido, e com êxito, no cenário científico: o zebrafish (ZF) conhecido também como paulistinha ou peixe-zebra. É um pequeno teleósteo (3 a 4 cm), da espécie Danio rerio, tropical de água doce, que nos últimos anos vem atraindo a atenção da comunidade científica. As principais justificativas para isso decorrem de os peixes serem de pequeno porte, de manutenção fácil, econômicos para criação, com alta taxa reprodutiva, com seu genoma sequenciado e apresentarem importante homologia com os mamíferos. Constituem excelente modelo experimental para estudos comportamentais, genéticos, toxicológicos e para desvendar o mecanismo de diversas doenças humanas bem como testar novos agentes terapêuticos (1;2).
George Streisinger, biólogo, professor da Universidade de Oregon, é considerado o introdutor do ZF como modelo animal na pesquisa científica. Ele percebeu as vantagens da utilização do peixe para estudos genéticos e, em 1981, publicou, na Nature, artigo considerado um marco na medicina translacional (3). A partir de então os estudos envolvendo ZF cresceram de maneira extraordinária. Também em Oregon, está sediado o Zebrafish International Resource Center (Zirc, www.zebrafish.org), órgão central de apoio para informações e de repositório de animais wild-type, mutantes e transgênicos para pesquisa.
O desenvolvimento de técnicas especiais de clonagem, mutagênese e transgênese permitiu a identificação de um número importante de mutantes (1). Algumas características do peixe, tais como embriões transparentes, prole numerosa (200-300 ovos cada 2 a 3 dias) e desenvolvimento rápido (em 48 a 72 horas evolui do estado de ovo para larva e se torna adulto aos 3 meses de vida) são atributos aproveitados para utilizar o ZF na investigação de inúmeras doenças humanas. Devido ao curto ciclo de vida (vivem cerca de 3 anos), estudos que envolvem diferentes períodos do desenvolvimento podem ser realizados com relativa rapidez. Métodos e estratégias de avaliação genética e embriológica são aplicados com facilidade no modelo. A indução de processos malformativos de órgãos internos pode ser alcançada sem sacrificar as fêmeas já que os embriões são transparentes e com desenvolvimento externo ao corpo materno (4).
Exemplos de animais mutantes que apresentam doenças semelhantes às humanas são numerosos: o sapje, que possui o gene homólogo àquele da distrofia muscular de Duchenne; o drácula, relacionado à protoporfiria eritropoética; o van gogh, modelo da síndrome DiGeorge; o gridlock, que ocasiona coarctação da aorta. Área de investigação de grande interesse é a dos genes supressores de tumores p53 e apc (adenomatous polyposis coli). A importância do gene p53 na carcinogênese humana é bem reconhecida e estudos recentes mostraram o ZF como um excelente modelo para avaliar a presença (ou não) da estabilidade do gene. O peixe desenvolve tumores malignos como resposta a substâncias mutagênicas e espontaneamente. Leucemia linfóide, melanoma e hepatocarcinoma já foram descritos confirmando que os mecanismos moleculares envolvidos são semelhantes aos dos humanos (5).
Uma área de pesquisa que utiliza intensamente o peixe é a toxicológica. Há farto material bibliográfico relacionado aos efeitos do etanol após a exposição dos embriões no desenvolvimento dos olhos, da face e do sistema nervoso entral do ZF. Alterações semelhantes às da síndrome fetal alcoólica foram observadas (6). Os genes e as vias necessárias para o metabolismo do etanol são conservadas no ZF e modelos de doenças são fáceis de serem induzidas pela administração de etanol diretamente na água do aquário. Gerlai e colaboradores, no Canadá, mostraram uma impressionante semelhança no comportamento dos ZF com os seres humanos após exposição ao etanol (7). A presença no peixe de elementos da imunidade inata e da adaptativa possibilita pesquisas nos processos infecciosos. ZF são suscetíveis a infecções por bactérias gram-negativas e gram-positivas, protozoários, vírus, fungos e micobactérias.
Recentemente, o ZF é valorizado nas pesquisas de doenças do fígado e das vias biliares (8). Genes essenciais para a diferenciação dos hepatócitos e das células biliares foram analisados nos ZF: Jagged 1,2,3, notch 1a,1b,2,5, estão expressos no fígado de 48 a 72 horas após a fecundação, período no qual os ductos biliares são formados. A ausência dos genes Jagged e notch afetando o desenvolvimento biliar causam um fenótipo similar à síndrome de Alagille. Estudo em larvas de ZF, baseado na metilação do DNA determinando ativação epigenética do Interferon gama, foi sugerida como causa da atresia biliar (8). O peixe é também um excelente modelo para estudar os mecanismos moleculares envolvidos na esteatose hepática e vários mutantes foram descritos (foie-gras, gonzo e ducttrip)(9).
Os pesquisadores da "comunidade zebrafish" estão bem organizados em associações e compartilham as informações pela internet. Os achados estão disponíveis para a comunidade científica em: http://zfin.org/. (The Zebrafish Model Organism Database). Pesquisadores da América Latina, demonstrando interesse no modelo, estabeleceram o Latin American Zebrafish Network (Lazen). O primeiro encontro dessa sociedade ocorreu em dezembro de 2010 em Montevidéo, contando com um significativo número de representantes (10). O Lazen promoverá encontros regulares a fim de discutir os desafios da pesquisa com ZF, diagnosticar as dificuldades e encontrar estratégias comuns para resolvê-las. No mundo inteiro ocorrem congressos e encontros regulares. Recentemente ocorreu na Escócia, a 7º Conferência Europeia sobre o ZF, reunindo centenas de pesquisadores do mundo inteiro, com participação de pesquisas oriundas do Laboratório Experimental de Hepatologia e Gastroenterologia (LEHG), do Centro de Pesquisa Experimental do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Vários grupos de pesquisadores brasileiros já trabalham com ZF (11) e acreditamos que com a organização da rede Lazen o número deverá se tornar ainda mais expressivo.
Themis Reverbel da Silveira é médica, presidente do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e chefe do LEHG. Email: themis.silveira@gmail.com
Ana Cláudia dos Reis é nutricionista, doutoranda em ciências em gastroenterologia e hepatologia e integrante do LEHG.
Thais Ortiz Hammes é nutricionista, mestre em ciências em gastroenterologia e hepatologia e integrante do LEHG.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Lieschke, J.G.; Currie, P.D. "Animal models of human disease: Zebrafish swim into view". Nature Reviews-Genetics, Vol. 8, no.5. 2007.
2. Kari, G.; et al. "Zebrafish: an emerging model system for human disease and drug discovery". Clinical Pharmacolology and Therapeutis, Vol. 82, no.1. 2007.
3. Streisinger, G.; et al. "Production of clones of homozygous diploid zebrafish (Brachydanio rerio)". Nature, Vol.291, no.5813. 1981.
4. Westerfield, M. The zebrafish book: a guide for the laboratory use of the zebrafish (Danio rerio).:University of Oregon Press. 2007.
5. Liu, S.; Steven, D.L. "Zebrafish models for cancer". Annual Review of Pathology: Mechanisms of disease, Vol. 6, 2011.
6. Bilotta, J.O.; et al. "Ethanol exposure alters zebrafish development: A novel model of fetal alcohol syndrome". Neurotoxicology and Teratology, Vol.26, no.6. 2004.
7. Gerlai, R.; et al. "Drinks like a fish: zebrafish (Danio rerio) as a behavior genetic model to study alcohol effects". Pharmacology, Biochemistry, and Behavior, Vol.67, no.4. 2000.
8. Matthews R.P.; et al. "DNA hypomethylation causes bile duct defects in zebrafish and is a distinguishing feature of infantile biliary atresia". Hepatology, Vol.53, no.3. 2011.
9. Sadler K.C.; et al. "A genetic screen in zebrafish identifies the mutants vps18, nf2 and foie gras as models of liver disease". Development. Vol. 132, no. 15. 2005.
10. Allende, M.L.; et al. "First meeting of the Latin American Zebrafish Network". Zebrafish, Vol.8, no.1. 2011.
11. Rico, E.P.; et al. "Ethanol alters acetylcholinesterase activity and gene expression in zebrafish brain".Toxicology Letters. Vol. 174, no. 1-3. 2007.