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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.2 São Paulo Apr./June 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000200005 

     

    MIGRAÇÕES

    Nova onda de estrangeiros chega ao Brasil

    Eles estão chegando em número cada vez maior. Os motivos são variados e diferentes do fluxo migratório do século passado, pós-guerras. Agora entram no país para estudar, trabalhar, montar um negócio ou simplesmente casar. Deixam para trás famílias, histórias, culturas e por aqui ficam, muitas vezes para sempre. Saem de seus países movidos seja pela transferência temporária por exigência do empregador à tentativa de uma vida melhor no exterior, fugindo de áreas de conflitos ou de desastres ambientais. Chegam das Américas, da Europa, da Ásia, de toda parte. O trânsito desses migrantes existe por todo o planeta e, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), eles formam atualmente um contingente de 160 milhões de pessoas.

    O sociólogo Dimas Floriani, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), considera que no imaginário brasileiro a questão migratória tende a ser tratada com tolerância e humanidade, por ser uma nação formada por estrangeiros, que contribuíram para moldar nossas características de hibridação étnico-cultural. Desde seu descobrimento, o Brasil recebeu holandeses, portugueses, franceses, espanhóis e, posteriormente, italianos, japoneses, chineses e muitos latino-americanos. Os estrangeiros que aqui chegaram nos séculos XVI e XVII, não são considerados imigrantes por muitos autores pois foram enviados pelo governo de seus países com o objetivo de colonizar o Brasil; são tidos como colonizadores. Do mesmo modo, os negros trazidos da África como escravos, não são considerados migrantes, pois vieram para cá como prisioneiros em navios negreiros.

    Dados para 2011 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontam um aumento de mais de 25% na emissão de vistos de trabalho, em relação a 2010. Foram concedidos 70.524 vistos, dos quais 66.690 foram temporários, a maioria (34%) de até 90 dias. São autorizações dadas majoritariamente a homens (90% dos vistos) para trabalhar a bordo de embarcação ou plataforma estrangeira ou ainda navios turísticos estrangeiros, por prazo de até 90 dias. Cinco países – Estados Unidos, Filipinas, Reino Unido, Índia e Alemanha – estão na origem de 43% dos vistos temporários expedidos (ver gráfico 1). Menos de 8 % dos vistos temporários foram concedidos por dois anos para estrangeiros com contrato de trabalho no Brasil.

     

     

    Este número, porém, aumentou 117% em relação a 2008. Nem todos os migrantes solicitam entrada no Brasil por meio de visto temporário. Nos últimos quatro anos, houve um aumento de mais de 700% nos vistos permanentes de caráter humanitário e de 550% para estabelecimento de união estável. Franceses são os que mais solicitaram união estável com brasileiros, mas foram os haitianos (709 dos 711 pedidos aprovados) os que mais recorreram a razões humanitárias para solicitar residência no Brasil em 2011.

     

     

    Sem dúvida, existe hoje uma intensificação do fluxo de migração e o que ocorre no Brasil não é diferente do que vem sendo observado em outros países do mundo. Floriani, que é também coordenador acadêmico da Casa Latino-americana (CASLA), em Curitiba, considera que a imigração é, preponderantemente, influenciada por aspectos econômicos. Ele alerta, porém, a importância de se considerar o custo humano e existencial: "pouco se discute aspectos culturais dessa mudança, o custo humano, o sofrimento do migrante por ter suas raízes cortadas e por ter que reaprender a viver em outras circunstâncias".

    PORTAS ABERTAS A história da humanidade é marcada por fluxos migratórios, apesar de fronteiras nacionais e territoriais terem sido, e continuarem sendo, controladas pelos Estados. No Brasil, o que regula o fluxo são as próprias condições econômicas do país e seu poder de atração de estrangeiros que, em seus países, enfrentem dificuldades de diferentes naturezas, seja econômica, política ou religiosa. Estima-se que entre 1870 e 1950 mais de 4,5 milhões de estrangeiros chegaram ao Brasil como imigrantes, com grandes variações de um ano a outro: por exemplo, em 1891, pós Lei Áurea em 1888, entraram no Brasil 215 mil estrangeiros; já em 1943, em plena II Guerra Mundial, esses foram pouco mais de 1.300.

    A geógrafa Gislene Santos, professora da UFPR, afirma que desde os anos 1980 ocorrem alterações na configuração do fluxo migratório internacional. Na época, a participação do Brasil era principalmente para fora: brasileiros que buscavam melhores condições ou oportunidades nos Estados Unidos, no Paraguai e no Japão. Gislene, que desenvolve pesquisas sobre migrações contemporâneas, acrescenta que a partir do final dos anos 1990 o Brasil tornou-se também receptor de migrantes, vindos dos vizinhos Bolívia, Paraguai, Argentina e Chile, assim como de alguns países da Europa Ocidental e da China. Segundo ela, reforçou-se também o fluxo de migrantes vindos do Líbano.

    OÁSIS A estabilização da economia brasileira, oportunidades de vida existentes aqui e a maior visibilidade no cenário externo têm sido apontados como as principais causas para o aumento do fluxo de estrangeiros para o país. Gislene salienta que esse processo migratório apresenta hoje uma tipologia variada. "Por exemplo, para o setor automobilístico no Brasil, alguns postos de trabalho são reservados para os trabalhadores do país de origem, como é o caso da francesa Renault em Curitiba. Existe também um fluxo de trabalhadores que atendem às demandas do setor informal da economia urbana, como serviços domésticos, de alimentação e confecção. Nestes, os trabalhadores são menos qualificados e em geral são migrantes latino-americanos, sobretudo do Paraguai e da Bolívia, e mais recentemente, chineses".

    ... MAS NÃO PARA TODOS A globalização existe, principalmente para o capital e os investimentos, mas as barreiras persistem nas fronteiras, nas alfândegas, para a circulação de pessoas. Em seu livro Dimensões da reestruturação produtiva, Giovanni Alves, professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), considera que na atual civilização do capital, o trabalho é marcado pela fluidez e pela liquidez, impondo o deslocamento e migração em grande escala, concordando com Karl Marx ao apontar que os migrantes seguem atrás do capital emigrante. Mas se para o capital existem tênues fronteiras que limitem sua circulação, para pessoas que buscam uma vida melhor, a entrada em um país estrangeiro pode ser muito difícil.

    Um exemplo são os 274 migrantes haitianos que desde janeiro deste ano estão em Iñapari, um pequeno vilarejo peruano na fronteira com o Brasil. Foram surpreendidos pela Resolução nº 97/2012 do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), que passou a vigorar em 18 de janeiro, e segundo a qual a embaixada brasileira em Porto Príncipe, capital do Haiti, só pode expedir, em caráter especial, até 1,2 mil vistos por ano, ou 100 por mês. Os que conseguiram entrar no Brasil antes da resolução, estão sendo regularizados pouco a pouco. Mas os que não haviam entrado e saíram do Haiti sem a permissão, estão impedidos de entrar no Brasil.

    Do mesmo modo que muitos migrantes brasileiros e mexicanos nos EUA passam por graves situações de constrangimento e humilhação devido à austeridade da política migratória norte-americana, migrantes estrangeiros enfrentam problemas em nosso país. Ainda assim, uma enquete realizada pelo Pew Research Center em 2007 (http://pewglobal.org/files/pdf/258.pdf) aponta que a maioria dos brasileiros (72%), dos venezuelanos (77%), dos chilenos (74%), dos bolivianos (73%), dos mexicanos (71%) e dos argentinos (68%) consideram que seus países deveriam limitar e controlar muito mais a imigração. Embora pesquisas de opinião pública tenham um caráter volátil, o sociólogo Floriani considera pertinente discutir a natureza do processo migratório e as políticas migratórias, definindo-se estratégias de curto, médio e longo prazo e considerando-se aspectos econômicos, políticos, culturais e de direitos humanos.

    No âmbito do Mercosul existem acordos para o trânsito de trabalhadores, "entretanto são acordos voltados para a circulação do trabalho", salienta Gislene Santos. No Brasil, a política de migração é definida no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6815/80) e é rigorosa, afirma a professora Gislene, pois "nesta lei o migrante é tratado como assunto de segurança nacional". Na Constituição Federal constam aspectos da migração estrangeira, como as relativas à nacionalidade e aos direitos políticos, e a entrada de estrangeiros no Brasil é assunto dos Ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e do Ministério do Trabalho e Emprego. Gislene Santos destaca que vários procedimentos para regularização de um migrante estrangeiro são atribuídos aos agentes da Polícia Federal, que não são preparados para receber e dar assistência ao migrante. Gislene Santos explica que temos uma política de Estado para normatizar o trânsito migratório, mas não temos políticas públicas para a integração dos migrantes estrangeiros, que quanto mais empobrecidos são, mais vulneráveis e sujeitos a constrangimentos econômicos e sociais ficam.

     

    Leonor Assad