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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.3 São Paulo July 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000300011 

     

    A nanotecnologia como estratégia para o desenvolvimento de cosméticos

    Renata M. Daudt
    Juliana Emanuelli
    Irene C. Külkamp-Guerreiro
    Adriana R. Pohlmann
    Silvia S. Guterres

     

    O setor de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos tem mostrado grande expansão no mercado mundial e é considerado um bom foco de investimento. De acordo com dados da Associação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking do mercado mundial desses produtos, ultrapassando a França e estando atrás apenas dos Estados Unidos e Japão. O Brasil possui ainda grande potencial de crescimento tendo como características: ser fonte de princípios ativos e insumos (principalmente os de origem natural), propiciar oportunidade para o uso de novas tecnologias com intuito de aumentar produtividade e eficácia dos produtos, apresentar constante aumento do consumo e de avanços na área regulatória (1).

    Muitos ativos naturais pesquisados ultimamente são compostos instáveis, podendo sofrer reações que levam à diminuição ou perda de eficácia e até mesmo a degradação do produto. Por isso, novas tecnologias vêm sendo propostas para melhorar o desempenho dos produtos cosméticos e sua aceitação pelo consumidor. Uma alternativa para aumentar a estabilidade e, ainda, permitir a liberação controlada é o encapsulamento das substâncias ativas através de técnicas que envolvem a nanotecnologia. A nanoencapsulação consiste na compartimentalização de substâncias em carreadores, cujo tamanho situa-se na faixa nanométrica, tipicamente entre 50 e 300 nm.

    Os princípios da nanotecnologia foram introduzidos na área cosmética há alguns anos. No período entre 1994 e 2005, a L'Oreal (França) foi classificada como a quinta empresa no mundo com base no número de patentes relacionadas à nanotecnologia depositadas (2). Outras grandes empresas já utilizam a técnica de nanoencapsulamento em seus produtos, como, por exemplo, Lancôme e Givenchy (3). No Brasil, por exemplo, a empresa O Boticário apresenta uma linha de tratamento antienvelhecimento composta por diferentes produtos utilizando a nanotecnologia.

    Uma classe de ativos que podem ser encapsulados são os compostos extraídos de vegetais. Os extratos vegetais são fontes promissoras de substâncias bioativas, porém em seu estado bruto podem ter a atividade antioxidante comprometida em razão de sua instabilidade físico-química. Neste contexto, a nanotecnologia pode ser utilizada para a estabilização de diferentes compostos, aumentando também a estabilidade dos produtos finais (4-6). Adicionalmente, a nanoencapsulação de compostos antioxidantes pode aumentar a sua atividade antioxidante e prolongar a liberação dos mesmos, aumentando assim a sua eficácia (7-9). A nanotecnologia tem sido utilizada no desenvolvimento de formulações cosméticas mais estáveis, mais eficazes e com sensorial cosmético diferenciado (2; 6; 10).

    NANOESTRUTURAS EM COSMÉTICOS: CARACTERÍSTICAS E APLICAÇÕES A indústria cosmética tem investido cada vez mais na utilização de sistemas nanoestruturados, com diferentes aplicações que serão apresentadas ao longo deste artigo.

    As nanopartículas, em geral, são caracterizadas por possuir uma alta superfície de contato e um grande número de partículas por unidade de peso. Para a formação de nanopartículas, a área de superfície por unidade de peso da partícula aumenta 102 vezes quando a partícula é reduzida de 1 µm para 10 nm e o número de partículas por peso aumenta 106 vezes. Com isso, as propriedades originais do material bruto, como, por exemplo, a temperatura de fusão e a solubilidade, também se modificam (2). Com base nas características decorrentes do tamanho diminuto, as nanopartículas contendo substâncias ativas são utilizadas com a intenção de melhorar sua funcionalidade, como, por exemplo, melhorar a disponibilidade ou estabilidade quando comparada com o mesmo material na forma molecular (2).

    Os sistemas nanoestruturados mais utilizados em cosméticos podem ser classificados em nanocápsulas, nanoesferas, nanopartículas lipídicas sólidas, nanoemulsões, microemulsões, lipossomas e niossomas, que serão explicados mais detalhadamente no decorrer do texto.

    As nanocápsulas são sistemas nanovesiculares que apresentam uma estrutura com núcleo e invólucro típica, com tamanho de partícula na faixa de aproximadamente 100 a 500 nm. As substâncias ativas podem ser transportadas dentro de uma cavidade envolvida por uma membrana polimérica, adsorvida na superfície ou impregnada na matriz polimérica. As nanocápsulas de núcleo lipídico são carreadores nanovesiculares nos quais o controle da liberação do ativo é atingido pela variação da concentração do polímero, do lipídio líquido e/ou lipídio sólido da formulação (7-11). Alguns polímeros que podem ser utilizados na formação das nanocápsulas são a policaprolactona, o ácido polilático, poli(ácido glicólico) e poli(ácido glicólico-co-ácido lático) (12).

    As nanocápsulas são normalmente utilizadas em cosméticos para proteger ativos sensíveis, reduzir odores indesejáveis e evitar incompatibilidades entre os ingredientes da formulação. Um dos primeiros produtos a utilizar nanocápsulas foi um creme antirrugas com vitamina A encapsulada; as partículas atuavam como reservatórios, liberando a substância ativa lentamente (13). As nanocápsulas também têm sido investigadas intensivamente como veículos para filtros solares como o metoxicinamato de octila, salicilato de octila e benzofenona-3. Acredita-se que as nanocápsulas formem um filme de proteção na superfície da pele e controlem a penetração das substâncias encapsuladas (12).

    As nanoesferas diferem das nanocápsulas por serem formadas por uma matriz polimérica, onde a substância pode ficar retida ou adsorvida, e não possuem óleo em sua composição (11). As nanoesferas podem ser utilizadas para encapsular ativos como fragrâncias (14; 15) e vitaminas (16). Suas características podem permitir, por exemplo, que fragrâncias permaneçam sobre a pele após longo período de aplicação (14). Outro exemplo inclui nanoesferas de poli(ácido glicólico-co-ácido lático) contendo vitaminas A, C e E, que apresentaram eficácia clínica no clareamento da pele bem como propriedades antienvelhecimento (16).

    As nanopartículas lipídicas sólidas são sistemas organizados a partir de lipídeos sólidos. Suas principais características incluem excelente estabilidade física, capacidade de proteção de substâncias instáveis frente à degradação, capacidade de controle da liberação, excelente tolerabilidade, capacidade de formação de filme sobre a pele (demonstrando propriedades oclusivas), possibilidade de modular a entrega da substância encapsulada, além de não apresentarem problemas relacionados à produção em grande escala e à esterilização (2; 5; 12; 17). As nanopartículas lipídicas sólidas são adequadas para o transporte de substâncias lipofílicas que podem ser formuladas em sistemas a base de água. As dispersões têm alto teor de lipídeos, são de fluxo livre e são normalmente produzidas por homogeneização a alta pressão (2). Os lipídeos utilizados incluem triglicerídeos, glicerídeos parciais, ácidos graxos, esteroides e cera (18).

    As nanopartículas lipídicas sólidas também podem ser atrativas para uso em protetores solares, uma vez que a matriz lipídica formada sobre a pele pode retardar a penetração do ativo, reduzindo o potencial tóxico de um produto convencional. Além disso, a incorporação de ativos quimicamente lábeis (por exemplo, coenzima Q10 e retinol) nas nanopartículas lipídicas sólidas oferece proteção contra decomposição e possibilita a liberação controlada do ativo (12).

    Como desvantagens, as nanopartículas lipídicas sólidas têm menor capacidade de manter a encapsulação do ativo, podendo haver a formação de estruturas coloidais alternativas (micelas, lipossomas, mistura de micelas e nanocristais) e instabilidade física durante a estocagem ou administração devido à complexidade do estado físico do lipídio (5).

    As nanoemulsões são dispersões estáveis com diâmetro médio de gota em tamanho nanométrico (algumas centenas de nanômetros). Este sistema é composto por óleo, água, e um ou mais agentes surfactantes, podendo ser uma dispersão óleo em água (o/a) ou água em óleo (a/o) (19), apresentando elevada estabilidade cinética, em decorrência do seu reduzido tamanho de gota (17). A fase aquosa pode conter ingredientes ativos e conservantes hidrofílicos, farmacêuticos ou cosméticos, enquanto a fase oleosa é tipicamente composta por óleo mineral, óleo de silicone, óleo vegetal, ésteres ou ácidos graxos ou ingredientes ativos lipofílicos. (12). Uma das vantagens apresentadas pela utilização de nanoemulsões é o aumento da hidratação da pele e de sua elasticidade (20), uma vez que o ativo tem maior possibilidade de atingir o extrato córneo.

    As nanoemulsões também podem aumentar a permeabilidade de um ativo pouco solúvel (20). As nanoemulsões preparadas com ésteres graxos de glicerol são utilizadas nas áreas cosmética e dermatológica, especialmente para hidratação da pele, mucosas e cabelos. Similarmente, as nanoemulsões contendo ésteres de ácidos graxos fosfóricos são utilizadas em cosméticos, bem como produtos dermatológicos e farmacêuticos (21).

     

     

    As nanoemulsões podem ser encontradas em uma grande variedade de produtos cosméticos como óleos de banho, cremes para o corpo, preparações antirrugas e antienvelhecimento (12). Devido ao seu pequeno e uniforme tamanho de gota, as nanoemulsões são transparentes, fluidas e agradáveis ao toque (22-23). Em comparação com emulsões tradicionais, as nanoemulsões têm melhores propriedades de espalhabilidade na pele (12).

    As microemulsões são sistemas isotrópicos, transparentes, de baixa viscosidade e termodinamicamente estáveis, obtidas quando uma mistura de surfactantes apropriada é usada (17; 24). O uso de microemulsões é considerado uma abordagem promissora para aumentar a liberação e permeação de substâncias tanto hidrofílicas quanto lipofílicas (25). Em comparação com as emulsões convencionais, estas são caracterizadas por tamanho de gotículas em escala nanométrica (26).

    Pela facilidade de aplicação e adesão na pele, o seu uso tem sido explorado para muitos propósitos em cosmecêuticos e produtos farmacêuticos (27), hidratantes de pele, preparações de protetor solar, produtos de bronzeamento, produtos antienvelhecimento, desodorantes, antiperspirantes, perfumes, entre outros (28).

    Os lipossomas são vesículas esféricas que consistem em uma ou mais membranas como bicamadas fosfolipídicas envolvendo um núcleo aquoso. O diâmetro da vesícula está na faixa entre 5 a muitas centenas de nanômetros. O principal componente lipídico do lipossoma é tipicamente fosfatidilcolina derivada do ovo ou lecitina de soja. Colesterol é usualmente incluído na composição para estabilizar a estrutura e, assim, gerar lipossomas mais rígidos. Dependendo das condições de processo e da composição química, podem ser formadas pequenas e grandes vesículas unilamelares e multilamelares, com uma ou várias bicamadas concêntricas. Ao contrário das emulsões, os lipossomas são estruturas lamelares termodinamicamente estáveis que se formam espontaneamente quando os lipídios são colocados em contato com a fase aquosa. Além disso, os lipossomas não são tóxicos nem invasivos e são capazes de carregar substâncias hidrofílicas e/ou lipofílicas (2; 12).

    Os lipossomas podem ser encontrados em vários produtos em que é necessário liberar o ativo cosmético na epiderme. Por exemplo, filtros UV podem ser encapsulados em lipossomas incorporados em formulações de protetores solares de base aquosa, que apresentam boa aderência na superfície da pele, resistentes à água. Os lipossomas por si só, quando formulados em cosméticos podem repor ou aumentar os lipídios endógenos do estrato córneo, aumentando a hidratação e reduzindo a secura da pele (12).

    Os lipossomas podem encapsular uma variedade de substâncias ativas e ser incorporados em diversos tipos de produtos cosméticos, como: hidratantes para a pele, produtos antienvelhecimento, pós-barba, protetor solar e maquiagem. Dentre alguns exemplos de produtos no mercado, podemos citar lipossomas veiculando agentes de bronzeamento (L'Oreal), lipossomas encapsulando vitaminas (Lancôme, L'Oreal) e lipossomas carreadores de vitaminas E, A e ceramidas (Estée Lauder) (29).

    Os niossomas são vesículas preparadas a partir de surfactantes não iônicos. Os surfactantes combinam um ou mais componentes hidrofóbicos com um grupo principal hidrofílico (12). Os niossomas podem fundir-se com os lipídeos do estrato córneo (2), e são capazes de melhorar a estabilidade e a disponibilidade dos ingredientes ativos bem como aumentar a sua penetração na pele (30).

    Formulações de niossomas foram inicialmente desenvolvidos pela L'Oreal para aplicações cosméticas (31), mas também têm sido usados em aplicações alimentícias (32). Podem encapsular tanto compostos hidrófilicos quanto lipofílicos (33).

    A tabela 1 apresenta alguns exemplos de ativos, os sistemas nanoestruturados utilizados para sua estabilização, bem como os respectivos métodos de preparação empregados.

    Diferentes tipos de nanoestruturas são utilizados para estabilização de substâncias com atividade cosmética. Com isso, observa-se uma tendência crescente no uso de ativos nanoencapsulados para incorporação em cosméticos. De acordo com um levantamento feito na base de dados Web of Science, o número de publicações incluindo concomitantemente o radical "nano" e a palavra "skin" aumentou 12 vezes da década de 1990 para a década de 2000, sendo que só no ano de 2012 foram mais de mil artigos publicados envolvendo o tema. Juntamente com o investimento de algumas empresas nessas tecnologias, o surgimento de indústrias brasileiras que nanoencapsulam ativos para fornecimento ao mercado cosmético possibilitou um maior acesso à nanotecnologia até mesmo por indústrias cosméticas de menor porte. Esse crescimento impulsiona o mercado e faz com que cresçam também os investimentos em testes de eficácia e segurança dos produtos, fortalecendo o mercado de nanocosméticos no Brasil e no mundo.

     

    As autoras deste artigo não têm relações profissionais com as empresas citadas.
    Renata M. Daudt é engenheira de alimentos, mestre em engenharia química e doutoranda em engenharia química na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
    Juliana Emanuelli é farmacêutica e mestranda em ciências farmacêuticas na UFRGS.
    Irene C. Külkamp-Guerreiro é farmacêutica, doutora em ciências farmacêuticas e professora da Faculdade de Farmácia da UFRGS.
    Adriana R. Pohlmann é farmacêutica, doutora em química terapêutica e professora associada IV do Departamento de Química Orgânica da UFRGS.
    Silvia S. Guterres é farmacêutica, doutora em nanotecnologia farmacêutica e professora associada IV do Departamento de Produção e Controle de Medicamentos da UFRGS.

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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