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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.65 no.4 São Paulo  2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000400006 

     

    Redes sociais federadas prometem mais autonomia

     

    O receio de que grandes corporações centralizadoras tenham domínio sobre os dados pessoais e profissionais de milhares de cidadãos, sobretudo as que detêm softwares como Facebook, Twitter e Google Plus, e o desejo de ter controle e autonomia sobre os programas que utilizam, fazem com que algumas instituições brasileiras se esforcem para criar suas próprias redes sociais, personalizadas e baseadas em software livre. No Brasil, a Universidade de São Paulo (USP) conta com uma rede social de colaboração com mais de 62 mil pessoas cadastradas, entre alunos, professores e funcionários, e mais de 880 comunidades.

    Com a implantação dessas novas redes, "se uma plataforma qualquer deixar de existir por questões comerciais (como o Facebook), não haveria nenhum prejuízo, porque as pessoas não estariam presas a uma tecnologia externa", explica Paulo Meirelles, professor do curso de engenharia de software da Universidade de Brasília (UnB) que faz parte da equipe que coordenou a reestruturação do projeto Stoa (http://social.stoa.usp.br), rede social de colaboração da USP, reinaugurada em dezembro de 2012.

    O Stoa permite que o usuário crie um perfil totalmente personalizável, em forma de blogs pessoais ou de disciplinas, notícias, além de compartilhar projetos de pesquisas, eventos, tudo integrado à rede e disponível para acesso para o público externo. Seus pilares são o compartilhamento, a liberdade e a horizontalidade. "Quando a pessoa se cadastra, a rede não distingue professor, aluno ou funcionário: de início, todos os perfis são iguais. Depois o usuário o personaliza como for mais conveniente", explica Ewout ter Haar, professor do Instituto de Física da USP e um dos administradores do Stoa.

    Coordenador do Grupo de Apoio Técnico-Pedagógico da universidade, Haar acredita no potencial que as redes sociais têm para a educação. "É interessante observar que os grupos e comunidades são formados espontaneamente no Stoa, paralelos às estruturas administrativas da USP. Muitos professores utilizam as ferramentas disponíveis em apoio às disciplinas, alunos compartilham arquivos em seu próprio perfil e disponibilizam em grupos de estudos virtuais. Há ainda as comunidades de funcionários", conta.

    HISTÓRIA RECENTE Criada em 2007, inicialmente com base no software livre Elgg, com o passar dos anos o Stoa acabou ficando para trás em termos de ferramentas tecnológicas para as interações e possibilidades de colaboração da web 2.0. "Não conseguimos desenvolver o sistema por questões financeiras e recursos humanos e a rede acabou estagnando", pondera Haar. Em 2012, o projeto recebeu mais financiamento e adotou o Noosfero, plataforma brasileira para criação de redes sociais e economia solidária, desenvolvida pela Cooperativa de Tecnologias Livres (Colivre).

    A escolha do Noosfero ocorreu por conta das opções de ferramentas de blog, portfólio, fórum, galeria de imagens e armazenamento de arquivo em um mesmo sistema. Ele já é utilizado como base para o desenvolvimento do sistema do SoftwareLivre.org e para World Museum Project, ambiente pedagógico e rede social criado para promover a interação entre professores e estudantes de mais de dez países, recentemente premiado com o Excellent Workshop Award do Canvas Workshop Collection, evento realizado em 2012 no Japão.

    REDES SOCIAIS FEDERADAS O uso de uma plataforma livre permite autonomia sobre a rede, sem depender de um provedor de serviço. "Com o Noosfero, a universidade deixou de ser uma usuária de rede social para se tornar provedora para aquela comunidade acadêmica", explica Vicente Aguiar, gestor da Colivre.

    Apesar do desejo de se conectar com outras instituições de ensino, o Stoa não tem a pretensão de ser a única rede social entre as universidades brasileiras. A expectativa é que cada uma tenha a sua, desenvolvida de acordo com suas particularidades e que essas redes possam conversar entre si. Dessa forma, seria possível criar as redes sociais federadas, que compartilham um protocolo comum e permitem que seus usuários se comuniquem sem a necessidade de efetuar um novo cadastro em outra rede. Seria como se o usuário de uma conta no Facebook pudesse mandar mensagens e interagir com outro no Orkut. Com uma identidade única, seria possível curtir postagens, compartilhar fotos, enviar mensagens, criar eventos e fazer comentários transitando essas duas redes, por exemplo. Dessa forma, as informações e dados dos usuários não ficariam monopolizados e concentrados em um único provedor de acesso, e haveria maior liberdade de escolha.

    Os especialistas em tecnologias livres consultados apontam que a característica de concentrar usuários vai contra o princípio da rede mundial de computadores que nasceu em um esquema de federação, descentralizado, com diversas redes interagindo entre si. Hoje há algumas redes sociais que tentam funcionar dessa forma, como a Diáspora e pump.io.

     

     

    Vicente Aguiar lembra que os emails são um bom exemplo de federação. "Imagine ter que se cadastrar no Yahoo para mandar um email para um colega seu que é @yahoo?

    Parece loucura? É o que as redes sociais proprietárias fazem hoje e nos parece muito normal", compara.

    RUMO À CONEXÃO "Colocamos a possibilidade de fazer um projeto piloto de redes federadas entre USP e UFBA, porém, ainda não conseguimos recursos para isso do lado de cá", diz Aguiar. Enquanto isso, o professor Paulo Meirelles, ainda ligado ao projeto do Stoa, coordena o desenvolvimento de uma rede social para a UnB, o Comunidade.Unb, também baseado em Noosfero, que está em fase de testes. Depois de implantada, o objetivo é tentar criar a federação, a interação com a rede social da USP.

    O Polo Tecnológico de Itaipu (PTI) está investindo em uma rede social própria que iniciou, em 2011, um projeto com a Fundação Banco do Brasil, sobre tecnologias sociais e sua difusão, também baseado em Noosfero. "A plataforma, além da simples divulgação das tecnologias, do banco de dados da FBB, pode dar todo suporte de interação e intercâmbio entre os usuários.

    Adotamos a ferramenta porque acreditamos e incentivamos o uso de software livre, com o anseio de se trabalhar em rede de colaboração devido, principalmente, aos nossos contatos e ações em conjunto com os países do Mercosul, que estão apoiando a construção dessa rede", explica a coordenadora do Centro de Referência em Tecnologia Social do PTI, Tania Rodrigues. O projeto, denominado de Rede de Tecnologias Sociais para o Mercosul, pretende lidar com assuntos relacionados às metodologias, produtos e práticas que desenvolvam e promovam a inclusão social. O objetivo é que a rede seja federada com as demais redes de universidades brasileiras, como USP e UnB. "A interação é fazer parcerias com as instituições que já utilizam o Noosfero, e uma das principais intenções é a possibilidade de integrar os cursos de ensino a distância (EAD) dentro dessas plataformas", avalia Tania.

     

    Sarah Costa Schmidt