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Ciência e Cultura
On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.66 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2014
http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000400014
O trabalho das comissões da verdade universitárias: rastreando vestígios da repressão nos campi durante a ditadura militar
Angélica Müller
Pedro Ernesto Fagundes
Em janeiro de 1974, a imprensa brasileira (1) publicou um folheto, produzido pela Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Educação e Cultura (DSI/MEC), intitulado de "Como eles agem". O documento indicava as formas de funcionamento das organizações "esquerdistas", ou seja, como agiam para obter o apoio popular, valendo-se das "letras e das artes" com o intuito de conquistar uma identificação da população com seus "ideais subversivos", ideais estes que procuravam contemplar suas necessidades e aspirações. Não por acaso, o primeiro conjunto de "subversivos" apresentados eram os estudantes e professores universitários que constituíam, na visão deles, "um dos pontos vulneráveis à infiltração ideológica comunista".
Naquele contexto, esse documento produzido pelos órgãos de informação foi um dos poucos que veio a público: ele revela, com toda clareza, traços da cultura política autoritária na sua vertente anticomunista que caracterizou o regime militar. Se, por um lado, grande parte da sociedade brasileira desconhecia o modus operandi do regime e usufruía das benesses do "milagre econômico", por outro, a repressão atingia vários setores, dentre eles as universidades: nesse espaço, a vigilância era permanente e provocava forte tensão entre os integrantes dessas instituições, nas quais o movimento estudantil (ME) era o mais visado (2).
Para manter o país em "ordem" e "afastado do perigo comunista", os governos militares organizaram uma ampla estrutura que teve como base a espionagem, dentre outros setores, nas universidades brasileiras. No final da década de 1960, a estrutura repressiva ganhou musculatura administrativa e burocrática para atuar em todas as esferas da sociedade com a criação de novos órgãos de segurança. Uma das justificativas utilizadas pelos militares para a criação de tais órgãos foram as maciças manifestações estudantis de 1968 ano simbólico do movimento estudantil. Haja vista que entre as prioridades do aparato repressivo estava a vigilância do interior dos campi. Em meio a esse cenário, a partir de julho de 1967, foram criadas as Divisões de Segurança e Informações (DSIs), através do Decreto 60.940. Especificamente, a DSI/MEC foi criada em 1969 e acabou se tornando uma das mais importantes seções do sistema de controle, justamente por sua capilaridade nas universidades.
Assim, pode-se afirmar que a escalada repressiva nas universidades contou com uma diversificada e ampla estrutura de repressão. Em 1969, entrou em vigor o Decreto-Lei 477 que, entre outras medidas, vetou toda e qualquer manifestação considerada de caráter subversivo dentro dos estabelecimentos públicos e privados de ensino, prevendo para os estudantes seu desligamento e proibição de ingresso em outros estabelecimentos de ensino durante três anos e, para professores e funcionários, a mesma pena pelo período de cinco anos.
É possível expor que o ponto culminante da estruturação desse aparato ocorreu em 1971, pois, foi essa a data de criação de um mecanismo específico para monitorar, vigiar e, sobretudo, levantar informações dentro de cada universidade. Esses órgãos que atuaram no interior de dezenas de universidades brasileiras ficaram conhecidos como Assessorias Especiais de Segurança e Informação (AESIs). Estima-se que em, aproximadamente, 35 universidades foram criadas AESIs, além de outras 15 ligadas ao MEC, como foi o caso da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Ensino Superior (Capes).
Em geral, as Assessorias de Segurança e Informação (ASIs) deveriam atuar nas universidades públicas federais e estaduais no levantamento de informações no interior da comunidade universitária. Em outras palavras, o surgimento dessas assessorias teria como finalidade identificar e monitorar os chamados "elementos subversivos", dentro de um espaço considerado crítico: o campus.
Em suma, a partir dessa época, passou a valer a lógica da suspeita em relação a todos e a tudo. Tais órgãos, no início da década de 1970, estavam subordinados diretamente ao Serviço Nacional de Informação (SNI), ou seja, mesmo a vigilância nos órgãos civis passou a ser controlada diretamente pelas forças armadas (3).
Não apenas o ME estava na mira dessas assessorias. Esse ambiente de suspeição impregnou a rotina acadêmica de tal forma que as nomeações, posses e formaturas estavam sujeitas à apresentação dos chamados "atestados ideológicos". Tanto que a apresentação de tal documento tornou-se condição obrigatória para o ingresso na carreira docente das universidades.
Esse fato pode ser constatado no Pedido de Busca Sici/DSI/MEC nº 2973/11979/76/2, datado de 14 de setembro de 1976, que tratava do Levantamento de Dados Biográficos (LDB) a respeito de Santa Marli Pires Santos (4) que, segundo o documento, estava pleiteando uma vaga de professora na Universidade Federal de Santa Maria (RS). Em anexo, consta uma ficha de antecedentes com as seguintes informações sobre a candidata: residência, cargo cogitado e registros de antecedentes.
A vigilância e a censura não estavam restritas aos corpos discente e docente. Os conteúdos ministrados em sala de aula eram alvo de constante vigilância, acarretando, muitas vezes, problemas para professores. Nesse contexto, o regime também passou a vigiar a produção de conhecimento. Essa vigilância de conteúdo pode ser evidenciada no Encaminhamento nº 010/10355/75/Sici/1/DSI/MEC/76, de 19 de fevereiro de 1976, que trazia uma relação "Livros proibidos pelo sr. Ministro da Justiça". Gostaríamos de destacar dois pontos em relação ao documento citado. O primeiro diz respeito à amplitude do aparato repressivo montado no país. Prova disso é que no item relativo à "Difusão" é possível observar que o documento foi encaminhado para as ASI's de onze universidades federais, com destaque para: ASI/UFMG, ASI/UFRGS, ASI/UFPR, ASI/UFSC, ASI/UFPE e ASI/UFPA.
Outro ponto está no anexo intitulado "Encaminhamento", que apresenta uma lista de 205 livros considerados "subversivos ou pornográficos". A orientação da DSI/MEC era que as AISs impedissem a circulação e venda dos livros em suas respectivas universidades. Entre as obras censuradas constam autores notoriamente reconhecidos da esquerda, entre eles Ernesto Che Guevara,, Mao Tsé-Tung, Trotsky e Lênin. O documento salienta também dezenas de obras classificadas como pornográficas que deveriam ser retiradas de circulação. A preocupação com o "saneamento moral" dos jovens brasileiros também estava entre as ações desenvolvidas pelo aparato de informação. Assim, obras de Nelson Rodrigues e Marquês de Sade figuravam ao lado dos teóricos marxistas como autores que colocavam em risco a "ordem política e social".
A expectativa pela abertura democrática trouxe, em fins dos anos 1970, a reorganização do ME, dos sindicatos de professores e funcionários. Nesse sentido, lutar pela democracia nas universidades passava, dentre outros pontos, pela denúncia das ASIs como braço da repressão dentro dos campi universitários. Diante da pressão, em maio de 1979, a DSI/MEC enviou aos reitores um ofício "extinguindo" as ASIs universitárias de acordo com determinação superior (5). A manobra realizada, naquele momento, foi a de desativar os escritórios das ASIs dentro das universidades transferindo suas estruturas para os escritórios das delegacias regionais de segurança e informação.
O fato é que algumas ASIs, já esvaziadas das suas pretensões e poder iniciais, continuaram existindo dentro das universidades na primeira metade dos anos 1980. Em alguns casos, o órgão manteve-se em funcionamento, mesmo depois da redemocratização. Exemplo disso é o Informe nº 143/86 ASI/CST, da Assessoria de Segurança e Informação da Companhia Siderúrgica de Tubarão (ASI/CST), de 15 de setembro de 1986, que apresenta um histórico sobre o funcionamento da ASI/Ufes. O documento trata do ambiente de agitação política dentro da Ufes e alerta sobre a possibilidade de invasão da sede da ASI/Ufes por militantes estudantis. Ainda, segundo o mesmo informe, Alberto Monteiro, chefe da Aesi/Ufes, havia informado que continuaria suas atividades fora das dependências da Ufes.
Oficialmente, em agosto de 1986, o MEC editou a Portaria nº 576, de 05 de agosto de 1986, extinguindo as ASIs ainda existentes nas universidades brasileiras (6). Após a extinção do SNI, em 1990, e, consequentemente, das estruturas a ele vinculadas, pouco se sabe da destinação da documentação dos sistemas setoriais de informações. Boa parte dos acervos das ASIs e do acervo da DSI MEC é classificada como "desaparecido". Porém, algumas universidades tiveram acesso à documentação produzida pela sua ASI, caso da UnB e da UFMG, e este material, além de estar hoje disponível no Arquivo Nacional (AN), foi alvo de uma grande pesquisa desenvolvida pelo historiador Rodrigo Patto Sá Motta (7).
A instalação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011 acelerou, entre outras questões, a busca pelos "arquivos perdidos". A CNV motivou uma série de iniciativas interministeriais, como a do Ministério da Justiça (MJ), que, através do Aviso nº 1.069, de 04 jul. 2012, solicitou que todos os ministérios procedessem ao levantamento, à identificação e recolhimento junto ao projeto "Memórias Reveladas", do Arquivo Nacional (AN) de documentos do período do regime militar que se encontrassem sob sua guarda. Por tal motivo, em agosto de 2012, a Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério da Educação, através do Ofício-Circular nº 11/2012/SAA/SE/MEC, enviou a todos os reitores das universidades públicas, federais e estaduais, uma solicitação para que fosse realizado um "Levantamento e identificação dos documentos do regime militar a serem recolhidos ao Arquivo Nacional" (8).
A medida, bem como o estímulo pela criação da CNV, motivou o surgimento de diversas comissões da verdade específicas nas universidades. Espalhadas por todas as regiões do país e, em grande parte, articuladas com a CNV, as diversas comissões universitárias têm enfrentado situações diferentes em torno da efetivação de seus objetivos. Em comum, uma questão: romper com a cultura do silêncio e construir a cultura do acesso à informação, no sentido de reconstruir os episódios que marcaram os campi brasileiros durante os chamados "anos de chumbo".
Importante salientar que, desde dezembro de 2013, as comissões da verdade universitárias iniciaram uma série de encontros com seus representantes. O principal objetivo das reuniões nacionais foi a troca de informações e a busca por formas de atuação em conjunto, sobretudo, na elaboração das relatórios finais das comissões nas universidades. Nessas reuniões, participaram com regularidade as seguintes comissões universitárias: Fundação Escola de Sociologia e Política de SP (FespSP), PUC/SP, UnB, Unesp, Unicamp, Unifesp, Unioeste, UFBA, UFC/UECE, Ufes, UFPA, UFPR, UFRJ, UFRN e USP. Destaca-se que, para além das comissões citadas, existem outras já estruturadas e que ainda estão se estruturando, caso da CV da UFRRJ. Fato que aponta para o interesse que o tema tem despertado na comunidade universitária.
A troca de informações nos encontros tem indicado a existência de práticas repressivas comuns nas diversas instituições de ensino. Foi possível identificar que as violações dos direitos humanos fizeram parte do cotidiano das universidades brasileiras. São comuns relatos sobre invasões de universidades, expulsão de estudantes, demissões de professores, censura, prisões ilegais de militantes estudantis, de funcionários e de professores das universidades, além de tortura, mortes e desaparecimentos forçados.
Para além de encontros nacionais, a equipe técnica da CNV realizou uma série de visitas às comissões, em suas universidades, com o intuito de estabelecer uma parceria mais sólida objetivando a realização de atividades em conjunto, fornecimento de insumos e ajuda mútua na parte da pesquisa documental. Da parte da CNV, houve o franqueamento do acesso de membros das comissões aos escritórios da CNV em Brasília e Rio de Janeiro, para pesquisa no acervo do Arquivo Nacional. As visitas objetivavam também a discussão do capítulo do relatório final da CNV e possíveis anexos sobre acontecimentos importantes como, por exemplo, a crise que se abateu na UnB no ano de 1965, que redundou no pedido de demissão de mais de 200 professores. Ou, ainda, o episódio bastante conhecido da invasão da PUC/SP, em 1977, por ocasião do III Encontro Nacional de Estudantes.
A CNV realizou ações em conjunto com comissões universitárias, visando à troca de informações. Caso da CV USP, que pouco dispõe de informações sobre a atuação de sua Aesi. Assim, a CNV convocou representantes que atuaram tanto na AESI/USP como na Assessoria Regional de Segurança e Informação (Arsi) do MEC em São Paulo para oitivas. Em setembro último o representante da Arsi, no início da década de 1970, foi interrogado e ouvido por conselheiros da CNV e membro da CV USP.
Em seu relatório final, a ser entregue em dezembro de 2014 à presidente Dilma Rousseff, a CNV dedicará um capítulo para retratar as violações aos direitos humanos nas universidades. Fruto de pesquisa, resultado das oitivas e audiências que vêm sendo realizadas pela equipe da CNV, juntamente com as comissões parceiras, o capítulo apresentará um panorama com os principais eventos que caracterizaram as violações nesse meio, apontará a estrutura de vigilância e informação que foi montada nas universidades e, ainda, indicará casos emblemáticos que exemplificam as graves violações cometidas pelo aparato repressivo dos sucessivos governos militares.
Entre os avanços provocados pela instalação das comissões da verdade nas universidades podemos citar a descoberta e a recuperação de conjuntos documentais de algumas das antigas ASIs, com destaque para os trabalhos realizados nas comissões da UFBA e da Ufes. Tais descobertas, além de fornecer novas fontes de investigação, colaboram para a recuperação de parte da memória das universidades brasileiras durante a ditadura militar.
A primeira das comissões a terminar seu trabalho, a Comissão Milton Santos de Memória e Verdade, da UFBA, teve acesso a uma documentação sigilosa de correspondências do Gabinete do Reitor (1964 a 1981). A correspondência sigilosa do Gabinete do Reitor, em que grande parte do relatório produzido pela comissão está baseada, foi há alguns anos identificada como sendo o arquivo da Aesi local. A comissão, ao tomar contato com o acervo, solicitou análise de uma especialista (Aurora Freixo, do Instituto de Ciência da Informação e membro da Comissão de Arquivos da UFBA). Verificou-se, então, que na verdade se tratava da correspondência sigilosa recebida e expedida pelos reitores Roberto Santos, Lafayette Pondé, Augusto Mascarenhas e Macedo Costa (9). Essa troca de correspondência se deu basicamente com órgãos do regime militar como a DSI/MEC, as diversas Aesis universitárias, com a Delegacia de Ordem Política e Social (Dops) e também com a Polícia Federal. O acervo do Gabinete do Reitor revelou uma rica documentação sobre as perseguições a professores e estudantes da universidade citada.
Como foi dito, a CV/Ufes foi outra comissão que recuperou parte do acervo da sua assessoria de segurança. Essa comissão da verdade iniciou seus trabalhos em março de 2013, a partir da publicação da Portaria nº 478/13. Até o momento, seu trabalho mais relevante foi a recuperação de parte da documentação da antiga ASI/Ufes que permitiu conhecer um pouco da rotina de vigilância no interior do campus. Esse conjunto documental é composto de, aproximadamente, 1.200 páginas de documentos, tais como: memorandos, ofícios, pedidos de informação, relação de livros censurados, solicitações de informação sobre o ME, entre outros.
Há que se destacar no trabalho de grande parte das comissões a importância dos testemunhos. A produção de entrevistas, sobretudo com as vítimas de ações repressivas, foi fundamental para composição do panorama das violações no campo universitário. É um valioso material que estará à disposição de futuros pesquisadores que se interessarem pelo tema. É importante citar, exemplificativamente, o trabalho realizado pela Comissão das Universidades Públicas do Ceará (UFC-Uece). A comissão realizou cerca de 30 depoimentos com atingidos pela repressão. Os entrevistados foram selecionados a partir de uma pesquisa exploratória com pessoas que vivenciaram os momentos mais intensos de repressão nas universidades citadas e que conheciam professores, estudantes e funcionários que haviam sido expulsos da vida acadêmica, presos ou submetidos à vida clandestina. O rol dos depoentes convidados foi elaborado da maneira mais ampla possível, buscando cobrir um conjunto plenamente representativo em termos de momentos históricos vividos, inserções políticas e gravidades das violações sofridas tanto na UFC quanto na Uece.
Durante a ditadura, algumas universidades mostraram-se colaboradoras do projeto militar. Haja vista a documentação levantada pela CV FespSP. Nesse período, a escola citada assinou uma série de convênios com os governos brasileiro e dos Estados Unidos. As atas do Conselho Superior da FespSP indicam que a fundação manteve convênios com a Aliança para o Progresso, programa de auxílio financeiro promovido pelos Estados Unidos na América Latina para impedir o avanço comunista no continente.
Para além do trabalho de pesquisa, levantamento e produção de documentação, as comissões universitárias vêm realizando uma série de ações para, não somente, divulgar o trabalho em questão como também estimular a sociedade a refletir sobre esse período da história recente do país. Nesse sentido, gostaríamos de citar duas iniciativas que apontam para a efetivação de políticas de memória. A primeira foi a recomendação da CV Ufes, que culminou na retirada de uma placa numa cerimônia realizada em 1ª de abril de 2014 em homenagem ao presidente Humberto Castelo Branco (1964-1967), localizada na sala dos conselhos superiores da instituição de ensino.
Outra iniciativa partiu de diversos segmentos da universidade e foi incorporado pelos integrantes da CV Unicamp. O objetivo era "retirar" o título de doutor honoris causa concedido, em 1973, ao Gel. Jarbas Passarinho na época titular do Ministério da Educação (MEC). Entretanto, no caso da Unicamp, o Conselho Universitário rejeitou, por apenas um voto, tal proposta. Apesar desse resultado negativo, ambas as iniciativas no campo das políticas de memória apontam para a importância das atividades das comissões da verdade das universidades. Em seu conjunto, os trabalhos realizados pelas comissões específicas permitem elucidar fatos ligados às atividades das forças oficiais de repressão que atuaram no interior das universidades e divulgá-los, chegando a uma geração que não viveu sob os auspícios da ditadura e que pouco conhece sobre esse passado.
Salientamos que os trabalhos desenvolvidos pela CNV e comissões parceiras têm levantado uma importante documentação que é passível de futuras análises em diferentes áreas do conhecimento: história, direito, arquivologia, ciência da informação e sociologia, somente para citar algumas. Os arquivos, por meio dos seus conjuntos documentais, possibilitam conhecer o passado e são fundamentais para determinar, no presente, as responsabilidades pelos crimes e injustiças cometidos por agentes do Estado, ou a seu mando. Dessa forma, esses documentos devem ser reconhecidos como um bem público que, diretamente, contribuem para a escrita da história, para a salvaguarda do patrimônio documental da nação e para a promoção do direito à memória e à verdade (10).
Enfim, entendemos que os esforços das comissões da verdade universitárias representam uma oportunidade única para a comunidade universitária reencontrar, contar, enfim, conhecer episódios que ocorreram na universidade durante os "anos de chumbo". O contato da comunidade universitária com esses conjuntos documentais e com os testemunhos coletados poderá contribuir para a superação da cultura do silêncio e do sigilo que ainda assombra nossa sociedade. Assim, além da recuperação e da produção de novas fontes de pesquisa, tais iniciativas devem apontar para a superação de todas as manifestações da cultura política autoritária: na sociedade e nas universidades. Possibilitando, através do direito à informação e do direito à memória, a efetiva consolidação da democracia brasileira.
Angélica Müller é doutora em história pela Université de Paris 1, doutora em história social pela Universidade de São Paulo (USP), professora do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil da Universidade Salgado de Oliveira e pesquisadora-associada ao Centre d'Histoire Sociale du XXèmeS iècle Paris 1. Atua cmo pesquisadora sênior da Comissão Nacional da Verdade.
Pedro Ernesto Fagundes é doutor em história social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), coordenador da Comissão da Verdade da Ufes e membro da Comissão de Altos Estudos do Projeto Memória Reveladas do Centro de Referência das Lutas Políticas do Brasil (1964-1985).
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. O Estado de S. Paulo, em 31/01/1974. Veja, em 06/02/1974, p 32.
2. Müller, A. A resistência do movimento estudantil no regime militar (1969-1979). Rio de Janeiro, FAPERJ/Garamond (no prelo).
3. Fico, C. op. cit., pp. 79-80.
4. A professora Santa Marli Pires Santos obteve, em 1973, a licenciatura em desenho e plástica na própria Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
5. Ofício de 08 de maio de 1979. cx 38, maço 23, Arquivo Aesi UFMG In: Motta, R. P. S. Op. Cit., 2010, p. 407.
6. Motta, R. P. S. "Incômoda memória: os arquivos das ASI universitárias". Acervo (Rio de Janeiro), v. 16, p. 58.
7. Motta, R. P. S. As universidades e o regime militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
8. Fagundes, P. E. "Universidade e repressão política: o acesso aos documentos da assessoria especial de segurança e informação da Universidade Federal do Espírito Santo (Aesi/Ufes)". Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n.10, jul./dez. 2013, pp. 295-316.
9. O relatório da comissão foi entregue à CNV e está disponível no site da comissão: http://www.comissaoverdade.ufba.br/
10. Müller, A.; Santana, M. A.; Stampa, I. Documentar a ditadura: arquivos da repressão e da resistência. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2014 (prelo).