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Ciência e Cultura
On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.67 no.2 São Paulo Apr./June 2015
http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000200020
CULTURA
Televisão: programas e séries sobre ciência vão muito além da diversão
Giselle Soares; Graziele Scalfi
Quando as crianças entram na fase dos porquês - "Por que a lua não cai na Terra?", "Por que sentimos frio?", "Como os bebês entram e saem da barriga?" - pais podem ficar meio perdidos, apavorados ou impacientes. É nesse momento que bons programas infantis sobre ciência na televisão podem ser aliados. Muitas séries já foram produzidas no passado, mas, na década de 1990, além das figurinhas do chocolate Surpresa que encantavam crianças, uma das melhores produções na área chegou ao Brasil, O mundo de Beakman, transmitida pela TV Cultura em 1994.
A série teve um total de 91 episódios e marcou gerações de crianças e jovens nascidos a partir dos anos 1980 com seus personagens singulares, como o rato Lester, o cientista Beakman, com seu jaleco verde e cabelos arrepiados, e uma abordagem original de questões intrincadas da ciência em geral. Os episódios se passavam em um laboratório caótico e cheio de surpresas, onde o ator, Paul Zaloom, era mestre em representar os experimentos, utilizando materiais simples do dia a dia para ensinar às crianças princípios básicos de química e física.
A televisão está presente em 97% dos lares brasileiros e pode ser um meio para expandir a educação científica. Ainda que a lei brasileira (Decreto Federal 52.795/63) determine um tempo ínfimo para empresas concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão (TV e rádio) transmitirem programas educacionais - 5 horas semanais - pesquisas na área têm demonstrado que essa linguagem potencializa o interesse das crianças por ciência. Baseados nesse pressuposto, novos projetos surgem, buscando falar de ciência com linguagem de fácil compreensão. É o caso do novo programa exibido pelo canal Gloob, Buuu- um chamadopara a aventura, e do quadro semanal Zoa, que vai ao ar pela TV Jangadeiro, afiliada da Rede Bandeirantes, no Ceará.
MISTÉRIO, AVENTURA E CIÊNCIA Quatro amigos, uma missão e um cenário cheio de mistério: assim começa Buuu, a mais nova série infantil do canal Gloob, com produção do Grupo Casablanca. No enredo, durante férias no Instituto Butantan, na cidade de São Paulo, Carlinhos, seu irmão mais novo Casca e as amigas Isadora e Chica descobrem um local secreto, cheio de enigmas e perigos: uma pirâmide subterrânea, construída pelo cientista Vital Brazil, onde eram realizadas as reuniões e estudos da sociedade secreta Serum Immunitas, criada por Leonardo Da Vinci com o objetivo de descobrir um soro capaz de tornar as pessoas imunes a todo e qualquer tipo de doença. Carlinhos e Casca, guiados pelo fantasma do avô Reginaldo, ex-diretor do instituto, e ajudados pelas amigas e pelos fantasmas de três pesquisadores - Paul Ehrlich, Vital Brazil e Carlos Chagas, precisam encontrar os elementos que compõem o soro da imunidade, uma vez que, a cada 108 anos, as pirâmides, que estão presentes nos cinco continentes, passam por uma reconfiguração e, com isso, as pesquisas realizadas correm o risco de se perder.
A série é inspirada nos filmes de aventura dos anos 1980, como Indiana Jones, História sem fim e Goonies, que tinham em sua estrutura dramática a saga do herói que mistura aventura com o poder da amizade. Segundo o criador, o roteirista Luiz Caramez, "é sobre a importância da família e da amizade na vida de uma criança. Usamos a linha da aventura porque é um gênero que não é muito usado para o público infantil aqui no Brasil". Ele conta que seu interesse em divulgar ciência para crianças vem da infância, quando, em datas especiais, ganhava kits para realizar experiências em casa. Para ele, levar ciência para a garotada é estimulante e muito importante na formação intelectual das gerações, pois desenvolve o raciocínio e a lógica por meio da curiosidade e do lúdico. Por isso, o conhecimento científico abordado na série é levado a sério, com base em pesquisas e no conteúdo programático do ensino fundamental (PCN's).
O programa dispõe de um dialoguista, Eduardo Pereiva, responsável por ajustar as falas na ação dramática, com as características dos personagens, moldando os conceitos científicos, num texto simples e de fácil compreensão para o público infantil. Explicados de maneira leve e bem-humorada, os temas científicos são transmitidos sem que eles pareçam chatos, usando analogias para descrever os experimentos e amenizando a linguagem técnica. Apesar de a série ser veiculada apenas na TV por assinatura, o canal investiu na divulgação por meio de campanhas comerciais e nas redes sociais. De acordo com Caramez, em uma semana de exibição, Buuu se tornou o programa mais assistido pelo público do canal. No Youtube a chamada para o lançamento teve mais de um milhão de acessos. Questionado sobre a dificuldade em divulgar a ciência na TV, o roteirista apontou que a ignorância sobre o tema e a falta de interesse atrapalham. "É preciso desmitificar a ideia de que conteúdo científico seja uma limitação para se trabalhar na TV. Uma série como The Big Bang Theory prova que o universo científico tem espaço até no segmento mais disputado na TV americana - assitcons" completa.
ZOOLOGIA COM HUMOR "Vejam que rebolado, que envolvência, que sedução..." Você já imaginou essas afirmações em um quadro sobre zoologia? Ao som de "Adocica", hit do cantor Beto Barbosa nos anos 1990, uma tartaruguinha rebola, enquanto tem seu casco acariciado por uma escova de dente. Tudo isso para explicar que o casco das tartarugas é sensível ao toque. O humor foi a característica encontrada pela equipe do Zoa, quadro semanal de divulgação de zoologia que vai ao ar semanalmente pela TV Jangadeiro, do Ceará, para conquistar a atenção do público.
A ideia surgiu a partir de uma palestra sobre divulgação científica do biólogo Hugo Fernandes-Ferreira, doutor em zoologia pela Universidade Federal da Paraíba, e apresentador do Zoa, no TEDx Fortaleza. Após assistir à palestra, o gerente de plataformas digitais do Sistema Jangadeiro, Hélcio Brasileiro, sugeriu a criação de um quadro para televisão. Em março de 2015, o Zoa estreou como parte do programa Gente na TV, vice-líder de audiência no estado.
A produção é feita de maneira independente. As despesas de estúdio ficam a cargo da emissora, os gastos com cenas externas, no entanto, correm por conta da equipe, que ainda não conta com apoiadores. No período de um ano, devem ser veiculados quatro quadros por mês, totalizando quarenta e oito edições produzidas para a TV. Além da televisão, o grupo possui um canal no Youtube.
Outras iniciativas
Apesar das dificuldades que os produtores de conteúdo infanto-juvenil para programas sobre ciência enfrentam, seja falta de patrocínio ou maior espaço na grade da TV aberta, novos programas têm conseguido romper essas barreiras. No Brasil, algumas iniciativas têm conquistado espaço, como o programa Física divertida (2010), com um formato educativo, criado a partir de parceria entre a TV Rá Tim Bum e a Mad Science São Paulo. De forma lúdica, os apresentadores Rick Radioativo e Kelly Kosmos, transmitem conceitos científicos sobre a física, como pressão, volume e temperatura. Há também a animação Pequenos cientistas, criada por meio de parceria entre a TV Cultura e a Ciência Hoje das Crianças (CHC), em 2008. Os protagonistas são dois dinossauros, Rex e Diná, que, a cada episódio, mostram aspectos divertidos e curiosos da ciência para o público infantil, agregando informação e entretenimento. Ambos são exibidos pelo canal pago TV Rá Tim Bum.