SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.67 issue2 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.2 São Paulo Apr./June 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000200021 

    CULTURA

     

    Pintura: o Rio de Janeiro sob os olhares de Jean-Baptiste Debret

     

     

    Marta Avancini

     

     

    Com a vinda da corte portuguesa, em 1808, o Brasil passou a ser um aspirante à modernidade. O Rio de Janeiro deixa de ser, então, a capital da colônia e se torna sede do reino de Portugal, passando por uma série de transformações. Esse processo contou com uma testemunha privilegiada, o artista francês Jean-Baptiste Debret, que chegou ao Brasil em 1816, integrando a Missão Artística Francesa.

    A Missão, como se sabe, teve um papel fundamental na fundação da Academia Imperial de Belas Artes, que tinha como objetivo difundir o ensino das artes e ofícios no Brasil. Dentre os participantes da Missão, Debret se destaca pela herança que deixou: uma vasta coleção de aquarelas, gravuras e desenhos que retratam o cotidiano do Rio de Janeiro, revelando hábitos, costumes e as relações sociais que caracterizavam a cidade naquela fase de transição da colônia ao império independente. Parte desse legado integrou a exposição "O Rio de Janeiro de Debret", no Centro Cultural dos Correios, na capital carioca, até 3 de maio. A mostra, reuniu 120 obras originais de Debret, é uma oportunidade de apreciar (e refletir sobre) a visão de um dos grandes pintores viajantes franceses sobre o Rio de Janeiro. As obras expostas pertencem à coleção Castro Maya, que contém mais de 500 aquarelas e desenhos originais, raramente vistos em grandes conjuntos. "Como esteve no país entre 1816 e 1831, Debret acompanhou mudanças significativas na cidade, tanto em seus aspectos materiais como sociais, políticos e culturais, e tudo isso está, de certa forma, impresso nas imagens", explica a historiadora Valéria Alves Esteves Lima, professora da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), especialista na obra de Debret.

     

     

    Nesse sentido, Debret tem uma importância fundamental para os brasileiros, no que tange à construção de uma imagem da cidade e, também, do Brasil, já que o Rio era a capital e principal núcleo urbano do país na época. "Sobretudo, se considerarmos a presença de suas imagens em livros didáticos e na imprensa de divulgação, a partir do século XX", justifica a historiadora.

    NA CORTE E NA RUA O Rio de Janeiro da época, com cerca de 100 mil habitantes, foi minuciosamente retratado por Debret. Por isso, há quem considere sua obra uma espécie de catálogo dos pormenores da vida na cidade, principalmente a polarização da sociedade entre homens livres e escravos, um aspecto exótico e chocante aos olhos europeus. Segundo Lima, que visitou a mostra, a exposição reuniu um volume significativo de obras sobre os vários temas enfocados por Debret, desde cenas de rua (tipos sociais, atividades e ocupações), paisagens naturais, urbanas, até estudos que o artista utilizava em composições e projetos cenográficos. "Tivemos um pouco de todos os itens contemplados pelos olhos e registrados pelas mãos do artista, permitindo ao visitante captar a dinâmica da cidade, provavelmente o aspecto mais em evidência nas aquarelas que foram expostas", relata.

     


    Clique para ampliar

     

    A realidade era a principal fonte de inspiração de Debret; a base das cenas perpetuadas nas suas obras e que permanecem na contemporaneidade como imagens, muitas vezes cristalizadas, do que era a vida na capital carioca na primeira metade do século XIX. "A beleza natural, o convívio e a multiplicidade social que marcavam o Brasil eram os aspectos que mais atraiam o artista", complementa a historiadora.

    No entanto, enfatiza Valéria, ao mesmo tempo em que Debret deixou um rico legado, é preciso compreendê-lo à luz de sua estada no Brasil. De um lado, ele foi um artista da corte e pintor de história, membro do grupo responsável por organizar o ensino artístico no país. De outro, foi o pintor "das ruas", que produz as aquarelas que tanto fascinam e preenchem o imaginário de europeus e americanos. Portanto, suas obras se dividem entre as aquarelas e os projetos executados para a monarquia, como pintor oficial nomeado pelo príncipe regente Dom João e artista da corte de Dom Pedro I - sua face mais conhecida naquele contexto. "As imagens que nós mais conhecemos não são, de fato, os registros que a sociedade da época tinha da atuação de Debret, cuja visibilidade naquele contexto estava relacionada à sua ação como cenógrafo e intor de história, envolvido nos eventos celebrativos da corte, e como professor da Academia", afirma.

    Segundo Valéria, foi apenas com a publicação de seus livros da Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1834-1839), na França, que as imagens do cotidiano brasileiro ganharam o imaginário dos leitores de sua obra. "Mesmo assim, essas imagens vão impregnar, primeiro, as mentes europeias, e apenas muito mais tarde estarão presentes, de forma mais efetiva, entre os brasileiros", conclui a historiadora.