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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000400017 

    PALEONTOLOGIA
    NOTÍCIAS

     

    Divulgação científica: a paleontologia nos museus brasileiros

     

     

    Paulo Manzig

    Mestre em divulgação científica e cultural pela Unicamp com pesquisa sobre museus de paleontologia

     

     

    A notícia da descoberta de uma nova espécie de lagarto, de 80 milhões de anos, em Cruzeiro do Oeste, no noroeste do Paraná, em agosto passado, foi acompanhada de outra notícia não menos importante. O prefeito da cidade, Valter da Rocha, anunciou a criação de um centro de pesquisa paleontológica. Segundo Rocha, "precisamos criar condições para que a pesquisa possa ser feita aqui mesmo em nossa cidade, promovendo a capacitação de pessoal em instituições da região para a fixação dos fósseis no seu local de origem". Os fósseis, um verdadeiro cemitério de pte-rossauros, foram descobertos pelo agricultor Alexandre Dobruski, em 1971, mas permaneceram ignorados até 2012, quando ganharam destaque após a publicação do livro de divulgação científica, Museus & fósseis da região Sul do Brasil (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012).

    É significativa a tendência de aumento no número de museus relacionados à paleontologia, especialmente a partir da década de 1980. Essa tendência coincide com a crescente interiorização das universidades brasileiras e é possível que esteja relacionada também a um maior interesse da mídia por dinossauros, desde o fenômeno cinematográfico Jurassic Park, de 1993. Mas, até que ponto essas iniciativas são sustentáveis em longo prazo e são capazes de aumentar o conhecimento do público sobre paleontologia?

     

     

    CENÁRIO NACIONAL

    Atualmente, no Brasil, existem 68 instituições com material paleontológico em seu acervo. Dos 3.025 museus catalogados pelo Instituto Brasileiro de Museus, Ibram, em 2011, 2,25% estão relacionados com a guarda e exibição de material paleontológico. A distribuição geográfica desses museus mostra um padrão praticamente similar ao padrão de distribuição da totalidade dos museus brasileiros, ou seja, grande concentração nas regiões Sul e Sudeste, destacandose os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais.

    A maior parte do conteúdo fossilífero (32,4%) apresentado em museus está inserido em museus de ciências naturais. Museus de paleontologia stricto sensu exibem 23,6% desse conteúdo; museus de natureza eclética, 14,7% e museus de geociências, 13,3%. O restante está distribuído em museus de ciência, de arqueologia e parques temáticos.

    A criação de uma consciência sobre valor cultural e preservação do patrimônio cultural e natural dá a tônica do trabalho de boa parte das instituições brasileiras, a despeito da precariedade que lhes é imposta devido a diversos fatores, em especial o econômico, que repercute principalmente na qualidade da expografia, mediação, contratação de pessoal, serviços básicos de manutenção e limpeza, atualização de acervo, segurança, entre outros.

    Dos 68 museus com acervo paleontológico, 35% são museus universitários, públicos ou privados, submetidos à cultura do academicismo científico. Normalmente, os espaços ocupados por museus universitários são adaptações não adequadas à finalidade museológica, com recursos humanos compostos por acadêmicos e estagiários de diversas disciplinas nem sempre relacionadas com as áreas de museologia, curadoria, expografia e mediação.

     

    PALEONTOLOGIA NO INTERIOR

    No Brasil, a maior autonomia dada aos municípios pela Constituição de 1988, possibilitou o crescimento no número de museus municipais, a maioria constituída por pequenas instituições. Dentro do universo da paleontologia, pouco mais de um quarto (27,9%) dos museus são municipais, mas eles ainda são vistos com certo preconceito, algumas vezes justificado, de que a transitoriedade das administrações municipais e a precariedade de recursos não garantem a esses espaços a certeza de continuidade que seria desejada. Mas a sua presença numérica no cenário museológico brasileiro não pode ser ignorada.

    Os museus municipais devem ser pensados e respeitados dentro do princípio do direito de cidadania - uma conquista recente da democracia brasileira que acabou chegando também ao universo dos fósseis - direito este relacionado à preservação da memória e do patrimônio. O Museu dos Dinossauros, em Peirópolis, pequena vila situada a 21 quilômetros do centro de Uberaba (MG), e o Centro de Pesquisas Paleontológicas "Llewellyn Ivor Price " anexo ao museu, por exemplo, foram iniciativas da prefeitura de Uberaba, posteriormente transferidas à administração da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), e que se transformaram em uma das principais referências em paleontologia no Brasil.

    Nessa mesma linha, enquadram-se os esforços da prefeitura de Cruzeiro do Oeste que, com a criação de um centro paleontológico, lança as bases para um projeto ainda maior, construir em futuro próximo um museu de referência na educação em geografia física e paleontologia para a região noroeste do estado do Paraná.

     

    DESAFIOS

    O grande público demonstra interesse por fósseis, especialmente por dinossauros, entretanto, tempo geológico e evolução não são conceitos fáceis de serem ensinados. Para esse entendimento são necessários artifícios didáticos capazes de conectar contextos separados por milhões de anos e transmitir uma percepção, mesmo que vaga, da dimensão desse tempo passado, no qual se desenvolveu toda a história do planeta Terra, as adaptações evolutivas da vida e a brevíssima história da humanidade.

     

     

    Os objetos em exposição nos museus de paleontologia, além de fazerem parte de um mundo natural que foi musealizado, refletem também a cultura das pessoas envolvidas no processo de musealização - desde a coleta até os prepativos para exposição. Eles também são resultado de uma longa história de construção de um conhecimento científico que permitiu um amadurecimento da percepção sobre os fósseis no seu contexto temporal (idade) e espacial (ambiente geológico). Enquanto agentes de divulgação científica, é fundamental que esses espaços possuam mediadores treinados e capacitados para explorar essas possibilidades de conexão entre o objeto exposto e uma diversidade de tantos outros conhecimentos, sempre instigando o espírito de curiosidade do ser humano.