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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.68 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2016

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000400007 

    MUNDO
    FÍSICA

     

    Mineração de hélio-3 na lua

     

     

    Victoria Flório

     

     

    Aspirações de poder político e econômico, crescimento populacional, efeitos adversos causados por mudanças climáticas são alguns dos fatores que o ex-astronauta norte-americano Harrison Schmitt aponta como definitivos para a busca de fontes alternativas de energia. Para ele, que foi membro da Apollo 17 (1972), energia é o cerne da segunda corrida espacial, da qual participam países em desenvolvimento como Índia e China, com um elemento novo: as empresas privadas.

    Para Schmitt, autor do livro Return to the moon: exploration, enterprise and energy in the human settlement of space (2006), a expectativa é que, nos próximos 50 anos, países como a China - onde 3/4 da energia consumida vem de usinas de carvão -, a demanda de energia aumente quatro vezes.

    A China tem planos ambiciosos para a exploração do espaço, incluindo a comercialização de recursos da lua como gelo, metais preciosos e grandes reservas de hélio-3, um gás raro no planeta Terra, que pode ser utilizado para produzir energia limpa em usinas de fusão nuclear. A eletricidade produzida em usinas termonucleares à hélio-3 representaria uma solução para possíveis crises de energia, já que 40 gramas de hélio-3 substituem cinco mil toneladas de carvão em termos de energia (dados The New Citizen, março de 2016).

    Mas, como aponta Schmitt, para se tornar comercializável, a energia elétrica gerada por fusão do hélio-3 precisaria baratear muito. Qual seria a vantagem dos reatores de fusão à hélio-3 em relação a outros processos? Valeria realmente à pena ir até a lua buscar esse elemento raro no planeta Terra? E, quanto à exploração desse recurso na lua, quem chegar primeiro leva?

     

     

    USINAS DE HELIO-3

    De acordo com Ricardo Galvão, especialista em física de plasmas da Universidade de São Paulo (USP), a energia nuclear pode ser produzida por dois processos, fissão (bomba atômica) e fusão (principal processo através do qual estrelas irradiam energia). Neste último, dois elementos de pequena massa atômica se fundem, resultando em outro de massa atômica maior, mais partículas subatômicas, que podem ser nêutrons ou prótons, e que carregam muita energia.

    O exemplo mais comum da fusão é a de dois isótopos do hidrogênio, deutério-trítio, que gera nêutrons como um dos produtos, o que, segundo Galvão, é um dos aspectos negativos desse processo porque além de ser perigoso é menos eficiente.

    A grande vantagem da fusão nuclear usando hélio-3 (deutério-hélio-3) é que se trata de reação aneutrônica, sem geração de nêutrons, mas de prótons (partículas eletricamente carregadas que podem ser controladas por campos eletrostáticos). Em termos de geração de energia significa mais eficiência, além de não gerar lixo nuclear. Estima-se um custo de cerca de US$ 6 bilhões para o primeiro protótipo comercial de uma usina nuclear de hélio-3, e, nesse cenário, explica Schmitt, os investimentos compensariam a partir da implantação de cinco usinas de 1000-megawatts trabalhando juntas (o custo do quilowatt-hora US$ 0,05).

    Entretanto, a fusão deutério-hélio-3 não é o único tipo de reação aneutrônica. Empresas como a norte-americana Tri Alpha Energy, preocupada com os altos custos de exploração do hélio-3 na lua, concentram-se em alternativas com elementos abundantes na crosta terrestre, como a fusão próton-boro (o boro é abundante na crosta terrestre).

    Ambas reações aneutrônicas, no entanto, exigem condições específicas para produzir energia com a mesma eficiência da reação deutério-trítio, pontua Galvão. A fusão do deutério existente em uma banheira cheia de água mais o lítio de uma bateria de laptop, por exemplo, geraria aproximadamente 8% da eletricidade consumida pela cidade de Guarulhos em um ano (200 mil quilowatts-hora).

     

    TRAZENDO HÉLIO-3 DA LUA

    O hélio-3 é escasso na Terra porque os ventos solares que carregam o elemento são bloqueados pelo nosso campo magnético, e na atmosfera ele é produzido em pequenas quantidades (bombardeio de raios cósmicos em átomos de hélio-4). Mas na lua, onde o hélio-3 proveniente de ventos solares consegue se fixar, estima-se que a abundância seja tal que um pedaço de solo lunar com área de dois quilômetros quadrados e profundidade de três metros, contenha 100 quilos de hélio-3, de acordo com Shmitt, volume suficiente para abastecer uma usina de fusão 1000-megawatt durante um ano. "Considerando que os foguetes Saturno V, por exemplo, levam uma carga de 50 toneladas, não é inteiramente descabido imaginar colônias lunares para explorar seu solo, extrair hélio-3 e transportá-lo para a Terra, como quer fazer o governo chinês", afirma Galvão.

    O grande desafio, segundo Schmitt, será enviar foguetes da Terra para a lua a um custo muito mais baixo do que os que mantêm a Agência Espacial Americana (Nasa), por exemplo. Em 2005, o custo de transporte em um foguete como o Saturno V seria aproximadamente US$ 60 mil por quilo. Uma modernização da Saturno VI dobraria a capacidade de carga e diminuiria custos para US$ 3 mil por quilo (o projeto Saturno começou na década de 1960, com o então presidente Dwight Eisenhower). O professor Ricardo Galvão tem dúvidas e, pessoalmente, considera a empreitada inviável "mesmo considerando a viabilidade dos protótipos reatores deutériohélio-3, é difícil acreditar que haveria interesse em investir em fontes de energia em que o combustível tenha que ser transportado da lua por foguetes!".

     

    TERRA SEM LEI

    Schmitt acredita que um grande diferencial dessa corrida é a presença da iniciativa privada. Empresas como a israelense SpaceIL e a norte-americana Moon Express já se mobilizam, demarcando terreno na exploração espacial. Ambas são participantes no Lunar X-Prize, um prêmio de 30 milhões de dólares oferecido pela Google a engenheiros, desenvolvedores e inovadores que desenvolvam tecnologia de exploração espacial mais barata.

    Mas será que quem chegar primeiro na lua adquire direito de explorar seus recursos? O Tratado do Espaço Exterior (1967), assinado pela União das Nações Unidas, proíbe explicitamente qualquer nação de ser dona da lua e de explorar seus recursos para obter lucro, mas não diz claramente se isso se estende a indivíduos e companhias privadas.

    As tentativas de ratificá-lo nesse sentido levaram ao Tratado da Lua (1984), que proíbe a exploração do espaço, da lua e de outros objetos celestes visando lucro. No entanto, Rússia, Estados Unidos e China se recusaram a assinar o tratado. Enquanto isso, a venda de propriedades na lua existe pelo menos desde 1980, com a organização Lunar Embassy, que se autoproclama líder no mercado de venda de terrenos extraterrestres, com mais de cinco milhões de membros.