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Ciência e Cultura
On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.69 no.2 São Paulo Apr./Jun. 2017
http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602017000200003
BRASIL
ENSINO SUPERIOR
Crise nas universidades
Sabine Righetti
Quem passou recentemente por alguns dos campi da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), espalhados por sete cidades do estado, deve ter se deparado com mato alto, lixo acumulado, prédios vazios e docentes desolados. Símbolo da crise financeira do ensino superior do país, com situação se agravando há dois anos, a UERJ não tem conseguido suprir suas contas básicas. No final de 2016, funcionários e docentes ficaram sem 13º salário e, no início de 2017, o governo fluminense tentou um corte de 30% nos salários, proposta rejeitada em decisão judicial. A UERJ, no entanto, não é a única no vermelho: outras universidades estaduais e federais brasileiras também estão sem recursos para pagar suas contas e fecham meses consecutivos no negativo.
O Brasil tem, hoje, cerca de 2,3 mil instituições públicas de ensino superior das quais menos de 10% são universidades -responsáveis, de acordo com a legislação nacional, por atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. Apesar de minoria, são as universidades que concentram a maior parte dos alunos brasileiros do ensino terciário, de acordo com os dados do Censo de Ensino Superior de 2015. A Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, é quase 40 vezes maior do que a norte-americana Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), considerada a melhor do mundo em rankings universitários internacionais. Recentemente houve uma expansão significativa no número de universidades, que chegaram a regiões remotas do país. O problema é que o orçamento federal e estadual não acompanhou o ritmo. "Estamos na maior crise financeira de nossa história", diz o reitor da UERJ Ruy Garcia Marques, que se formou em medicina na própria universidade há cerca de 40 anos. Fundada em 1950, a UERJ tem aproximadamente 25 mil alunos. Desses, diz o reitor, 7,5 mil são estudantes de graduação de baixa renda que dependem de bolsa de permanência da universidade no valor de R$450 mensais. Assim como os salários de técnicos e de docentes, os bolsistas também estão sofrendo com atraso de pagamento.
INSEGURANÇA E LIXO
"Muitos docentes já não vêm mais à universidade porque estão com medo. Falta segurança", diz a bióloga Gisele Lobo, referência nos estudos de esponjas. Sem recursos, os serviços terceirizados - como segurança - foram cortados. Também não há coleta de lixo. "O meu lixo eu levo para a minha casa", diz Gisele. Por onde se anda, os prédios estão vazios. "Os alunos de baixa renda arrumaram pequenos bicos e trabalhos, quem tem renda maior está migrando para o ensino privado", diz. "Estamos todos muito desanimados".
A oscilação das verbas destinadas às instituições de ensino superior é um dos motivos que têm feito com que as universidades estaduais paulistas, por exemplo, estourassem recentemente seu orçamento só com pagamentos de salários. Para se ter uma ideia, USP, Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estão na iminência de comprometer a totalidade de seus orçamentos com o pagamento das folhas de pessoal.
A recomendação legal é que esse gasto ficasse em 75% e que a fatia menor, de 25%, deveria ser aplicada em manutenção, como pagamento de energia, pequenas obras, serviços terceirizados como segurança e manutenção de equipamentos de pesquisa - que, na prática, acabam entrando na conta das chamadas "reservas técnicas" dos aportes voltados à ciência vindos das fundações de amparo à pesquisa.
DEMISSÃO
Para apertar o cinto, a USP promoveu um programa de demissão voluntária que enxugou cerca de 1,5 mil nomes do seu quadro - dentre docentes e funcionários. O corte de pessoal, no entanto, tem afetado o ensino e a pesquisa, dizem os cientistas daquela universidade. De acordo com a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Genoma Humano, três técnicos importantes dos laboratórios que coordena, profissionais essenciais nas chamadas "pesquisas de bancada", foram embora na demissão voluntária. "Estamos ficando cada vez mais distantes da ciência do primeiro mundo. Os cortes de recursos estão vindo de todos os lugares", diz Mayana.
O orçamento federal para o financiamento de ciência em 2016 (cerca de R$4,6 bilhões) foi 40% inferior ao de 2013 (R$7,9 bilhões) - isso desconsiderando a inflação do período. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, por exemplo, perdeu cerca de R$ 1 bilhão no caixa de 2015 para 2016 (veja dados). Para quem está na universidade, esses cortes são percebidos em redução de bolsas de pesquisa na graduação e na pós-graduação. O CNPq, por exemplo, diminuiu em 20% a quantidade de bolsas de iniciação científica, destinadas a alunos de graduação.
Sem recursos, alguns cientistas buscam alternativas ao dinheiro público para o financiamento de suas pesquisas por meio, por exemplo, de vaquinhas coletivas. A bióloga Letícia Alabí, mestre pela Universidade Federal do ABC, tentou levantar recentemente R$12 mil em uma plataforma chamada "Entropia coletiva" para conseguir recursos para um trabalho de pesquisa em colaboração com o Instituto de Astronomia (IAG), da USP. Conseguiu menos de 10% do que precisava - e diz que pretende passar o chapéu em breve novamente. "Mas sigo aguardando o resultado da concessão das bolsas de pesquisa das agências de fomento", diz.
Para o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o físico José Goldemberg, aumentar os recursos públicos para a pesquisa não será suficiente se o setor privado não der uma contrapartida. "Em países desenvolvidos como na Coreia do Sul, 4% do PIB (Produto Interno Bruto) é destinado para pesquisa. Cerca de metade disso vem do setor produtivo", disse em debate promovido em março no jornal Folha de S.Paulo, sobre política científica e tecnológica no Brasil. Aqui, destaca Goldemberg, quase todo o financiamento à ciência fica a cargo dos cofres públicos - um problema em tempos de crise econômica.
FEDERAIS
Diferentemente da UERJ e das estaduais paulistas, a maioria das universidades públicas brasileiras, no entanto, depende do orçamento federal para pagar suas contas. Os repasses financeiros, diz o Ministério da Educação (MEC) em nota, são enviados às reitorias de todas as universidades federais "na medida em que a execução da despesa pública vai ocorrendo, mediante sua regular liquidação". O orçamento, no entanto, tem se mantido estável desde 2015 (ver quadro na página anterior).
Hoje, o país conta com 63 universidades federais. Dessas, dez foram criadas desde 2007 em regiões do país consideradas "hiperregionalizadas". É o caso, por exemplo, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), encravada na região amazônica paraense desde 2009. A universidade tem 6.591 estudantes, dos quais 95 são quilombolas e 240 indígenas que falam, ao todo, 13 línguas. "Temos os mesmos desafios das universidades do Sudeste, mas contamos com menos recursos e com mais dificuldades", diz a reitora Raimunda Nonata. A Ufopa integra uma rede de universidades amazônicas que tem feito demandas conjuntas ao governo federal para liberação de aportes financeiros e para abertura de vagas de docentes que estão congeladas. "Tudo aqui é mais difícil", diz o reitor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), o historiador Maurílio Monteiro - primeiro nome a ocupar o cargo máximo na universidade. A Unifesspa foi criada em 2013 em Marabá - cidade que fica a 600 km de Belém e também faz parte da rede de universidades amazônicas. "Vivo em Brasília pedindo recursos", diz Monteiro.
Quem também vive em Brasília é a biomédica Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). "Eu virei uma espécie de fiscal do governo", diz. Além de tentar mais recursos para os custos de ensino e de ciência nas universidades, ela tenta colocar na pauta a regulamentação do chamado Marco Legal da Ciência e Tecnologia (Lei 13.243, de 11 de janeiro de 2016). É um conjunto de leis sobre atividades específicas da ciência que, dentre outras alterações, prevê que docentes de universidades públicas, hoje com dedicação exclusiva, possam exercer atividades de pesquisa no setor privado com remuneração - o que, dizem os cientistas, poderia facilitar a relação entre universidades e empresas no país. Em universidades de ponta de países como os Estados Unidos, por exemplo, diferentemente do que acontece no Brasil, cientistas prospectam no governo e nas empresas em busca de financiamento.
Nader defende ainda que cursos de especialização profissional realizados nas universidades públicas possam ser cobrados - o que estava previsto na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) número 395, derrotada na Câmara dos Deputados em março deste ano. "Todas as boas universidades do mundo cobram cursos de especialização e a pós-graduação acadêmica segue gratuita. Foi uma péssima notícia para as universidades", diz Nader.