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Ciência e Cultura
On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.70 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2018
http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000100002
TENDÊNCIAS
Como caminha o financiamento à ciência no Brasil: o que nos espera em 2018?
Ildeu de Castro Moreira
Presidente da SBPC
No final de dezembro de 2017, as entidades científicas e acadêmicas nacionais, entre as quais a SBPC, fizeram um balanço dos cortes drásticos nos recursos para CT&I ocorridos em 2017 e que se acentuaram no orçamento de 2018. Foram apontadas as consequências muito graves desses cortes: eles ameaçam o funcionamento do sistema nacional de CT&I, comprometem a possibilidade de recuperação econômica, em momento de crise, e podem afetar seriamente a qualidade de vida da população brasileira e a soberania do país.
Vale historiar o processo de lutas da comunidade científica, em 2017, para tentar reverter este quadro. Em agosto, o governo federal enviou o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2018, que destinava apenas R$ 2,7 bilhões para custeio e investimento no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Houve, então, uma movimentação intensa da comunidade científica junto ao governo e aos parlamentares, com cartas, manifestações, matérias na mídia e nas redes sociais, além da campanha "Conhecimento sem Cortes", que recolheu cerca de 82 mil assinaturas, entregues aos presidentes da Câmara e do Senado. Ao longo do ano, ocorreram atividades da Marcha pela Ciência no Brasil em algumas capitais brasileiras. No dia 10 de outubro de 2017 foi realizada no Congresso uma audiência pública, com a presença de 70 entidades científicas, acadêmicas e empresariais, dirigentes de instituições de ensino e pesquisa e em torno de 50 parlamentares. Essas ações contribuíram significativamente para que houvesse uma recuperação parcial de recursos para o MCTIC em 2017, fazendo com que cerca de R$ 1,5 bilhão fosse descontingenciado e que os recursos orçamentários de 2018 fossem aumentados para R$ 4,6 bilhões, um valor ainda muito baixo e insuficiente para as necessidades mínimas da área. Novas ações foram feitas junto à Comissão Mista de Orçamento (CMO) e ao executivo para elevar o orçamento para valores próximos ao aprovado para 2017, da ordem de R$ 6 bilhões. No dia 5 de dezembro, as Comissões Temáticas do Conselho Nacional de C&T (CCT) aprovaram uma manifestação nessa direção, proposta pela SBPC, e encaminhada à CMO. No entanto, a decisão final do Congresso, definida pelo governo e sua área econômica, foi manter o orçamento quase igual à proposta governamental, com valores muito baixos para CT&I.
O valor aprovado para o orçamento geral do MCTIC para 2018 é cerca de 19% menor do que o aprovado para 2017. O orçamento destinado a custeio e investimento será de R$ 4,7 bilhões, 25% a menos do que o aprovado inicialmente para 2017 e um terço do que se tinha cinco anos atrás. Esses cortes afetarão direta e profundamente as agências de fomento (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, e Financiadora de Estudos e Projetos - Finep), as instituições de pesquisa, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o programa dos Institutos Nacionais de C&T (INCTs), o apoio geral a projetos de pesquisa e de infraestrutura para os pesquisadores e as instituições de pesquisa brasileiras.
Cortes significativos também ocorreram em agências, universidades públicas e instituições de pesquisa ligadas a outros ministérios. Com isso, os recursos para a Capes terão uma diminuição de 20% em relação aos de 2017. Diversas instituições de pesquisa importantes para o país, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) foram igualmente atingidas por cortes.
A decisão de cortes acentuados nos recursos para CT&I é de responsabilidade do governo federal e foi aprovada pelo Congresso Nacional, apesar dos esforços e da pressão da comunidade científica e acadêmica, do posicionamento do MCTIC e das manifestações de diversos parlamentares. Não aceitamos como justificativa a crise econômica e fiscal, já que o orçamento geral da União teve um aumento de 1,7% entre 2017 e 2018 conforme demonstram dados governamentais divulgados na mídia. Além disso, também estão ocorrendo desonerações e isenções fiscais em inúmeras áreas, que vão de bancos privados a empresas petrolíferas estrangeiras, e cujos valores são uma centena de vezes maiores do que o solicitado para CT&I.
Os cortes praticados colocam o Brasil na contramão da história, se tomarmos como referência os países mais desenvolvidos que investem de maneira acentuada em CT&I. Apesar da atuação intensa da comunidade científica e acadêmica, por meio de suas entidades e de dirigentes institucionais, foi parcial o êxito obtido na discussão do orçamento. A situação orçamentária é mais grave ainda porque a Emenda Constitucional 95, que estipula um teto de gastos para o governo federal durante 20 anos, dificultará muito, durante seu período de vigência, e caso não seja revogada, um aumento dos recursos orçamentários para CT&I. O orçamento para CT&I em 2018 é muito ruim, o que traduz a predominância de uma visão estreita sobre CT&I e sobre as prioridades essenciais de políticas públicas para o país, tanto por parte do governo federal quanto do poder legislativo como um todo.
Para 2018, há dois desafios importantes: não se pode admitir que ocorram contingenciamentos adicionais nos recursos para CT&I, como aconteceu em 2017; e os recursos alocados na reserva de contingência, no orçamento do MCTIC para 2018, devem ser progressivamente liberados ao longo do ano. Por outro lado, é necessário que o CCT volte a atuar em sua plenitude e discuta a situação crítica da CT&I no país. Para que se efetivem tais medidas, que poderão atenuar o impacto da grande redução de recursos para CT&I no Brasil, é essencial uma atuação vigorosa e permanente das entidades científicas e acadêmicas, bem como das comunidades que elas representam. Necessitamos de uma mobilização mais intensa dos pesquisadores, professores e estudantes, das entidades científicas e das instituições de ensino e pesquisa brasileiras, para que essa pressão social legítima, sendo acolhida pela sociedade brasileira, possa ser determinante para a reversão do atual quadro de retrocesso no apoio à CT&I. Permanece sempre atual o mote: "Ciência não é gasto, é investimento!".
Eleições gerais vão ocorrer em outubro e espera-se que elas sejam realizadas com todas as garantias democráticas e de isenção dos governos e dos tribunais e órgãos da Justiça. Será uma oportunidade para serem redefinidos democraticamente novos rumos para o Brasil, que revertam os retrocessos ocorridos nas áreas da economia, das políticas sociais e dos direitos humanos. A SBPC buscará contribuir, como fez em anos anteriores, para o debate sobre as políticas públicas em CT&I, educação e desenvolvimento sustentável e influenciar o processo com propostas para o executivo, nos âmbitos federal e estadual, e para o legislativo. Uma reunião do fórum das sociedades científicas discutirá estratégias para a atuação da comunidade e como envolver outros setores da sociedade nessas ações. Vamos organizar, no primeiro semestre deste ano, seminários temáticos sobre essas políticas, em capitais diferentes, para definir os pontos centrais a serem defendidos e divulgados pela comunidade científica. Os resultados desses debates convergirão para a Reunião Anual da SBPC, que vai acontecer em julho, em Maceió, onde serão apresentados em painéis referentes aos seminários anteriores. Nos debates que ocorrerão nesse evento, esperamos contar com a participação de eventuais candidatos ao governo federal, como já ocorreu em eleições anteriores. Neste ano vamos buscar influenciar também nas eleições de deputados (federais e estaduais) e senadores, destacando aqueles que se colocarem "ao lado" da ciência e que se comprometam publicamente com isto. Será importante criar uma estrutura e ter uma atuação permanente e mais eficaz da comunidade junto ao Congresso Nacional (e às Assembleias Legislativas), no sentido de defender os pontos centrais da CT&I e da educação e de influenciar na aprovação (ou rejeição) de projetos de lei e nas definições orçamentárias.