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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.70 no.2 São Paulo Apr./June 2018

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602018000200009 

    ARTIGOS
    ARTE E CIÊNCIA
    APRESENTAÇÃO

     

    Arte e Ciência: uma reconexão entre as áreas

     

     

    João Ricardo Aguiar da Silveira

    Coordenador deste Núcleo Temático, é mestre e doutor em educação, gestão e difusão em biociências e pesquisador visitante na Universidade de Harvard e na Universidade do Texas em Dallas. E-mail: silveiraufrj@gmail.com

     

     

    A separação entre arte e ciência é um fenômeno relativamente recente em termos históricos. Desde o nascimento da filosofia na Grécia, por volta do século VI a.C., quando o mundo ocidental passou a distinguir a razão do misticismo, até o século XIX, com o advento do positivismo, os conhecimentos científicos e artísticos estiveram intrinsicamente ligados. O breve período de afastamento, de cerca de 200 anos, parece estar chegando ao fim. Ciência, arte, tecnologia e filosofia, ou seja, raciocínio lógico, criatividade, desenvolvimento de técnicas e capacidade de reflexão e abstração fazem mais sentido conectados e são cada vez mais necessários diante de um mundo cada vez mais complexo.

    Instituições de pesquisa e agências de fomento, entre as mais prestigiadas do mundo, têm investido nesse campo. Entre os anos 1996 e 2006, a Welcome Trust investiu cerca de 3 milhões de libras em 118 projetos. Os objetivos eram estimular o interesse em ciências biomédicas, promover a colaboração criativa e a interdisciplinaridade entre artes e ciências e criar uma massa crítica de artistas interessados em ciências biomédicas [1]. Desde então, a agência do Reino Unido continua fomentando esse campo e tem diversificado muito os objetivos. Da mesma forma, a National Academy ofSciences, Engineering, and Medicine dos Estados Unidos fomenta projetos de integração dessas áreas com verbas específicas [2] e programas permanentes [3]. Universidades como Harvard, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Stanford, Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), Oxford, Sorbonne, Universidade da Austrália Ocidental são apenas alguns exemplos de instituições que têm projetos integrando arte e ciência. Além disso, uma série de centros de pesquisa no mundo tem promovido residências arte-científicas, isto é, colocado juntos artistas e cientistas para pensar de maneira criativa sobre diferentes questões - como a pesquisa espacial, nas residências na NASA e em outros centros [4], ou a estrutura do universo, na residência da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) [5], e a biologia sintética, como no caso do Instituto Max Planck [6], na Alemanha.

    Os resultados dessas interações são diversos: a criação de obras artísticas inspiradas pela ciência que chegam a museus ícones da arte contemporânea, como o MoMa em Nova York [7], projetos de extensão de engajamento público [8] e projetos inovadores nas mais diferentes áreas. Neste caso existem trabalhos que vão desde a visualização de dados até a criação de inteligência artificial. Da neurociência à robótica. Da engenharia de tecidos à ética em pesquisas por uma visão não antropocêntrica. Da criação de novas metodologias até o questionamento das abordagens reducionistas do método científico. Dada a amplitude da arte e da ciência, as possíveis interações entre essas áreas são ilimitadas.

    Além do aprofundamento da relação entre arte e ciência em projetos de pesquisa em centros de referência e nas mais diferentes áreas acadêmicas, a relação entre esses campos tem sido discutida e cada vez mais aplicada na educação. O movimento STEM (acrônimo em inglês para science, technology, engineering and mathematic) surgiu nos Estados Unidos na década de 1990 para identificar qualquer ação ou prática educacional envolvendo as disciplinas de ciência, tecnologia, engenharia e/ou matemática. Depois de alguns anos, pesquisadores passam a advogar que a arte deveria ser integrada às demais áreas, dando origem ao movimento STEM to STEAM. O principal argumento da educação STEAM é promover uma educação sem barreiras entre as disciplinas, que promova a criatividade e a inovação. A rede de educadores que abordam essa prática tem gradativamente se espalhado pelo mundo [9].

    No Brasil, temos um cenário ambíguo na interação entre arte e ciência. Por um lado, ainda há um grande desconhecimento do campo, inclusive no meio acadêmico. Não há praticamente nenhum investimento por parte das agências de fomento e a maior parte das instituições se limita a promover ou incentivar alguns projetos extensionistas dispersos. Por outro lado, temos pesquisadores que foram trilhando seus próprios caminhos e criando espaços e, com resiliência, têm participado da ampliação desse campo no país. Neste Núcleo Temático são apresentados exemplos de trabalhos feitos no Brasil. A pesquisadora Tania Araújo-Jorge e colaboradores tratam em seu artigo sobre os mais de 30 anos de atividades integrando ciência e arte na Fiocruz. O grupo defende essa abordagem no ensino, em todos os níveis, para a formação de cientistas e para a formação de cidadãos. No artigo seguinte, Carla Almeida e colaboradores abordam ações de ciência e teatro no campo da divulgação científica, dando destaque para as iniciativas do Museu Ciência e Vida/Fundação Cecierj e do Museu da Vida/Fiocruz, ambos no Rio de Janeiro. A partir de uma visão das artes, os pesquisadores Cleomar Rocha e Suzette Venturelli abordam em seu artigo como a arte, a tecnologia e o design podem revolucionar o conceito de cidades inteligentes, envolvendo interatividade, energia, ecologia, mobilidade, arquitetura responsável, sociabilidade e cidadania. Por fim, com a colaboração de Roger Malina e Denise Lannes, faço um retrato do universo acadêmico brasileiro que atua nessa área. Resultado de mais de dois anos de pesquisa, o artigo traz uma análise do perfil de pesquisadores que atuam na relação entre arte e ciência no país quanto à sua formação acadêmica, área de atuação, projetos e produções.

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS

    1. Glinkowski, P.; Bamford, A. Insight and exchange: an evaluation of the Wellcome Trust'sSciart programme. London: Wellcome Trust, 2009.

    2. https://www.neh.gov/news/press-release/2016-07-25-0

    3. http://www.cpnas.org/events/march2016_daser.pdf

    4. http://air.seti.org/about-2/about/

    5. http://arts.cern

    6. https://www.mpikg.mpg.de/5748813/artist-in-residence-pro-gramm-2017

    7. https://www.moma.org/collection/works/110251

    8. https://www.leonardo.info/laser-talks

    9. http://map.stemtosteam.org