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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.71 no.3 São Paulo July/Sept. 2019

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602019000300010 

    ARTIGOS
    100 ANOS DO ECLIPS EDESOBRAL

     

    O eclipse solar de 1919, Einstein e a mídia brasileira

     

     

    Ildeu de Castro Moreira

    Docente no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

     

     

    O ECLIPSE DE 1919 E SEU IMPACTO NA CIÊNCIA

    Neste ano se comemora em todo o mundo o centenário das observações astronômicas realizadas durante o eclipse solar de 29 de maio de 1919. As medidas da deflexão da luz das estrelas na borda do Sol constituíram uma evidência muito forte para a confirmação e a aceitação da teoria da relatividade geral de Einstein. Essa teoria alterou profundamente a nossa visão sobre o universo. Ela suplantou a teoria gravitacional que Newton havia formulado cerca de dois séculos antes e foi um acontecimento de extraordinária importância na ciência. As observações decisivas foram feitas por astrônomos britânicos em Sobral (Ceará) e na Ilha do Príncipe (África Ocidental), então pertencente a Portugal.

    Em 1915, Einstein havia elaborado uma teoria que permitia incluir a gravitação no âmbito das ideias da relatividade [1]. Ele chegou à sua teoria da relatividade geral baseado na ideia de que a gravitação resulta da alteração da geometria do espaço-tempo pela presença da matéria. A partir daí previu que a luz das estrelas, ao seguir a trajetória mais curta no espaço-tempo curvo, sofreria uma deflexão nas vizinhanças do Sol por um valor que seria o dobro do previsto pela teoria newtoniana: o ângulo de deflexão deveria ser aproximadamente 1,74'' (segundos de arco).

    A partir de 1917, astrônomos britânicos iniciaram os preparativos para observar o eclipse solar que aconteceria em 29 de maio de 1919 e testar a previsão de Einstein. Para isso, organizaram duas expedições para regiões nas quais o eclipse seria total: uma, com Arthur Eddington e Edwin Cottingham, para a Ilha do Príncipe, e outra, com Charles Davidson e Andrew Crommelin, para Sobral. A escolha de Sobral como ponto de observação no Brasil foi feita por Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Ele também ficou encarregado de providenciar a infraestrutura para as expedições estrangeiras que viriam para o Brasil.

    Em Sobral, no dia do eclipse, apesar do tempo inicialmente nublado, as condições ficaram boas na hora do evento, que ocorreu às 8:56 h e durou cerca de cinco minutos. As 17 fotografias tiradas com o uso do telescópio com maior diâmetro tiveram um problema de foco e não ficaram boas. Sete chapas, provenientes de um telescópio com lente de quatro polegadas, foram consideradas muito boas; sete estrelas apareciam nelas. Já na Ilha do Príncipe o tempo esteve chuvoso e poucas fotografias foram tiradas; delas, só duas puderam ser aproveitadas, e levaram a resultados mais incertos que os de Sobral.

    A comissão brasileira em Sobral, liderada por Henrique Morize, fez observações sobre a coroa solar durante o eclipse. Medidas do magnetismo terrestre e de eletricidade atmosférica foram feitas pelos norte-americanos Daniel Wise e Andrew Thomson. Os astrônomos estrangeiros ficaram muito agradecidos pela recepção e apoio que receberam da comissão brasileira, das autoridades e da população de Sobral.

    Em 6 de novembro de 1919, os astrônomos Frank Dyson, Eddington e Davidson expuseram publicamente os resultados das observações de Sobral e da Ilha do Príncipe. As medidas feitas em Sobral deram o valor aproximado de 1,98'' para o ângulo de deflexão da luz. Um valor um pouco menor, de 1,61'', e com maior incerteza, havia sido medido nas chapas da Ilha do Príncipe [2]. O resultado final levou a um ângulo próximo, dentro da margem de erro, daquele previsto pela teoria da relatividade geral: "ambos [os resultados] apontam para a deflexão total da teoria da relatividade geral de Einstein, os resultados de Sobral definitivamente, e os resultados do Príncipe talvez, com alguma incerteza" [2]. Einstein tinha razão!

    Esses resultados tiveram um enorme impacto na ciência, na cultura e na história da humanidade. No livro Modern times: uma história do mundo da década de 1920 a 1980, Paul Johnson inicia o primeiro capítulo com a frase: "O mundo moderno começou em 29 de maio de 1919, quando fotografias de um eclipse solar na Ilha do Príncipe, na África Ocidental, e em Sobral, no Brasil, confirmaram a veracidade de uma nova teoria do universo" [3].

    Einstein também atestou o significado do eclipse de 1919 para a teoria da relatividade geral. Quando esteve no Brasil, em 1925, fez declarações aos jornais do Rio de Janeiro sobre a importância desse eclipse para a comprovação de sua teoria. Escreveu, então, a seguinte frase: "O problema concebido pelo meu cérebro incumbiu-se de resolvê-lo o luminoso céu do Brasil" [4].

    O objetivo deste trabalho é apresentar um apanhado da cobertura da mídia brasileira e de Sobral sobre o eclipse de 1919 e as repercussões de seus resultados, que confirmaram as previsões de Einstein. Utilizamos como fonte principal desta investigação a vasta e excelente (embora não completa) base de periódicos brasileiros digitalizados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (HDBN).

     

    A COBERTURA MIDIÁTICA DOS ECLIPSES SOLARES NO BRASIL

    Iniciamos por uma quantificação geral das matérias da HDBN que se referem a eclipses solares desde o início do século XIX até quase o final do século XX. O resultado da busca das notícias que trazem o termo "eclipse solar" está sintetizada na figura 1. Como se pode ver, o interesse pelos eclipses solares cresceu muito na passagem do século XIX para o XX. Como esperado, ocorreu um número maior de matérias nos anos em que eclipses solares totais foram observados em território nacional, em especial nas regiões mais populosas e com maior número de periódicos, como Sudeste e Sul. Os eclipses solares de 1853 e 1858; o de 1865, observado em Paranaguá; e o de 1893, observado no Ceará por uma comissão brasileira e outra britânica, despertaram interesse na mídia, mas não particularmente intenso.

     

     

    Na segunda década do século XX, quando aconteceram os eclipses solares de 1912, que poderia ser observado em sua totalidade no sul de Minas, e o de 1919, observado em Sobral, os eventos tiveram cobertura grande na mídia. O número de notícias sobre o eclipse de 1912, cuja faixa ia de Quito a São Paulo, por ter ocorrido na região Sudeste e atraído oito comissões de astrônomos de diversos países, foi maior (cerca de 60% das citações da década). Nota-se ainda no gráfico um pico acentuado de citações na década de 1940, correspondendo ao eclipse solar de 1947, observado em Minas Gerais e que também trouxe ao Brasil várias expedições de astrônomos do exterior.

    Podemos estabelecer uma classificação preliminar dos tipos de matérias mais comuns na cobertura desses eclipses solares pela mídia. As categorias principais se referem a: i) matérias informativas sobre o eclipse; ii) informações sobre as expedições e seus membros, inclusive entrevistas com eles; iii) textos de divulgação científica; iv) matérias que trazem alertas e discutem cuidados que devem ser tomados na observação do Sol; v) textos que fazem críticas sociais ou políticas aproveitando o mote do eclipse ou que discutem a burocracia e os gastos com as expedições; vi) descrições de como o eclipse ocorreu; vii) textos que tratam de crendices e medos em relação ao eclipse; viii) matérias que discutem os resultados das observações; ix) matérias que abordam fatos diários relacionados com o eclipse; e x) textos que registram as polêmicas e controvérsias sobre a teoria da relatividade.

     

    O ECLIPSE DE 1912

    Desses eclipses, o nosso interesse se volta evidentemente para o evento de 1919 e suas repercussões. No entanto, vamos proceder também a uma análise preliminar da cobertura do eclipse de 1912 que, apesar de frustrado pela chuva, atraiu muitas expedições estrangeiras. É interessante considerar essa cobertura midiática de 1912 como um elemento de comparação com a do eclipse de 1919, já que ocorreram em regiões diferentes do país e com poucos anos de diferença. Além disso, no eclipse de 1912 vieram Eddington e Davidson, que desempenhariam papel fundamental nas observações de 1919, e foi nele que se realizou a primeira tentativa frustrada de se medir a deflexão da luz das estrelas pela equipe do Observatório Nacional Argentino (Córdoba), coordenada por Charles Perrine. Possivelmente foi na interação entre Perrine e Eddington, no Rio de Janeiro, antes do eclipse de 1912, que o astrônomo britânico teve conhecimento da previsão de Einstein sobre a possível deflexão do raio luminoso nas vizinhanças do Sol.

    A cobertura da mídia sobre o eclipse de 10 de outubro de 1912 foi bastante significativa, com cerca de 200 matérias na base da HDBN. Jornais cariocas como A Noite e O Paiz dedicaram muitas matérias ao assunto anteriormente ao eclipse, em especial sobre as expedições estrangeiras, e também nos dias próximos do acontecimento. Vamos destacar alguns aspectos que, de certa forma, se repetiriam na cobertura do eclipse de 1919. Matérias informativas sobre o eclipse, a faixa onde poderia ser visto em sua totalidade e os horários nas diferentes cidades foram descritos em diversos jornais. Tais informações eram, em geral, provenientes do Observatório Nacional (RJ), que as divulgava com antecipação, ou do serviço meteorológico de São Paulo. O jornal A Noite, que publicou cerca de duas dezenas de matérias sobre esse eclipse ao longo do ano, especialmente nos dias próximos ao evento, exibiu uma matéria informativa com o mapa da região Sudeste com a faixa do eclipse no dia 24 de fevereiro de 1912. Ela tinha como manchete: "Diversos sábios irão observar no Brasil o eclipse total do Sol que se dará este ano. Algumas informações sobre o fenômeno". No dia 6 de outubro, quatro dias antes do eclipse, esse jornal faria uma grande matéria, na primeira página, contendo também o mapa da região e informações gerais sobre o evento: "Aproxima-se o eclipse. Informações precisas sobre o interessante fenômeno". Esse mesmo jornal faria várias matérias sobre o eclipse de 1919, embora em menor número.

    Em 1912, jornais cariocas, em particular A Noite, O Paiz e o Correio da Manhã, trouxeram várias matérias sobre a chegada dos astrônomos estrangeiros ao Rio de Janeiro em seus trajetos para o sul do estado de Minas Gerais, com repercussões em outros periódicos do país. Tais matérias traziam quase sempre uma foto e uma pequena biografia dos astrônomos que aqui chegavam. A revista Careta publicou uma bela fotografia, no dia 21 de setembro de 1912, na qual estão os astrônomos britânicos Eddington, Davidson e Atkinson logo após desembarcarem no Rio de Janeiro. A montagem dos acampamentos, os astrônomos presentes e as cenas deles em campo, inclusive o chá da tarde dos ingleses foram exibidos em diversas fotografias nas revistas Careta e Fon Fon. Quase todas as fotos eram de autoria do Augusto Soucaseaux, fotógrafo que acompanhava a expedição brasileira do Observatório Nacional, que ficou sediada na cidade de Passa Quatro. Nesta cidade havia, para cobertura da observação do eclipse de 1912, correspondentes dos jornais A Noite, O Paiz, Correio da Manhã, A Época e das revistas O Malho e A Vida Moderna, além da Agência Americana.

    Houve, em alguns jornais, a descrição das atividades astronômicas que as diversas comissões iriam cumprir, assim como dos aparelhos utilizados. No entanto, não localizamos notícias na mídia brasileira que mencionassem a finalidade da expedição do Observatório Nacional Argentino (Córdoba), que ficou sediada em Cristina e que tinha como objetivo medir a deflexão da luz das estrelas ao passar nas vizinhanças do Sol. Na época essa não era uma questão particularmente importante porque não traduzia um confronto entre duas teorias gravitacionais, como viria a ocorrer em 1919.

    O jornal Correio Paulistano publicou muitas matérias, com especial destaque para a comissão paulista sediada em Cruzeiro e coordenada por José Nunes Belfort Mattos, chefe do serviço meteorológico do Estado. Ele apresentou, na edição de 19 de dezembro de 1912, um relatório das observações que puderam ser feitas, apesar do mau tempo, e com fotos dos membros da comissão. Não conseguimos localizar, na mídia nacional, fotografias das comissões localizadas em outras cidades, como Cristina e Alfenas. Fotos da comissão argentina em Cristina existem nos arquivos do Observatório Astronômico de Córdoba (Figura 2) [5].

     

     

    Outra dimensão presente em jornais e revistas da época se refere a críticas sociais relacionadas ao evento astronômico. Em 5 de outubro de 1912, a revista satírica O Malho traz como legenda de uma charge, onde aparecem astrônomos olhando o eclipse por meio de vários telescópios, a seguinte frase: "Astrônomos de todas as partes do mundo, espanto geral, elevadas despesas por parte dos governos e tudo isto por um mero incidente na contradança dos astros e planetas...". A mesma revista, no dia 7 de setembro, trouxera uma primorosa charge - infelizmente bem atual - na qual mostra Morize, ajoelhado e suplicante, olhando por uma luneta a verba distante e coberta de teia de aranha na comissão de finanças, que tardava a sair (Figura 3).

     

     

    Houve também diversas matérias referentes à ida das autoridades governamentais para a observação do eclipse em Passa Quatro, em Minas Gerais, já que até o presidente da república Hermes da Fonseca para lá se dirigiu acompanhado de séquito grande. Isso não ocorreria no eclipse de Sobral, em 1919, no qual não houve a presença de autoridades maiores do estado ou do país.

    O fracasso molhado, retumbante e em toda a linha das observações do eclipse de 1912, em função das chuvas generalizadas persistentes no dia do eclipse, repercutiu nos jornais e revistas. O jornal A Noite de 11 de outubro de 1912 trazia em manchete garrafal: "O eclipse não pode ser observado no Brasil". A expressão "logro formidável" coroava a manchete da longa matéria de A Época (11/10/1912). Uma charge em O Malho, de 23 de outubro de 1912, mostrava astrônomos profissionais e amadores encharcados e tentando observar o céu, e resumia: "Um logro completo!". No entanto, as relações e cooperações entre vários astrônomos que estiveram naquela região para observar o eclipse e que interagiram, como Eddington, Perrine, Morize e Davidson, foram importantes e ajudariam na preparação das observações bem sucedidas do eclipse de Sobral, sete anos depois.

     

    O ECLIPSE DE 1919

    A cobertura do eclipse de 1919 por jornais brasileiros também foi intensa, embora não tanto quanto a de 1912. Jornais do Rio de Janeiro, em especial A Noite, O Paiz, o Jornal do Commercio e o Correio da Manhã trouxeram muitas matérias sobre o eclipse daquele ano. Em outros estados, particularmente do Norte e Nordeste, houve também cobertura significativa, em especial pelo Pacotilha (MA), O Jornal (MA), Jornal do Recife (PE) e OEstado do Pará (PA).

    Em 1919 houve uma característica nova na cobertura midiática do evento astronômico: jornais locais de Sobral e Camocim (CE) publicaram diversas matérias sobre o assunto antes e durante o eclipse, embora não tenham destacado posteriormente os resultados das observações feitas. Os três jornais de Sobral que deram destaque ao eclipse foram A Lucta, com sete matérias entre agosto de 1918 e junho de 1919; Correio da Semana, como 18 matérias entre janeiro de 1919 e janeiro de 1920; e A Ordem, com 12 matérias de março de 1919 a agosto de 1919. O jornal de Camocim, Folha do Littoral, produziu também 12 matérias entre março de 1919 e junho de 1919.

    O jornal A Lucta foi fundado em 1914 e circulou até 1924. Tinha como diretor-proprietário Deolindo Barreto Lima e, como lema: "Conte-se o caso como o caso foi. O cão é cão, o boi é boi. Diga-se a verdade na Terra embora desabem os céus". A Ordem foi fundado em 1916 e correu até 1941. Era "Órgão do Partido Republicano Conservador Sobralense" e tinha como diretor Plínio Pompeu. O Correio da Semana era um jornal ligado à Igreja Católica de Sobral e dirigido pelo padre José de Lima Ferreira. Criado em 1918, circula até hoje.

    A primeira notícia sobre o eclipse nos jornais locais apareceu no Correio da Semana (11/01/1919), mas foi o jornal A Ordem que produziu a primeira entrevista com Morize (21/03/1919), o diretor do Observatório Nacional que havia ido a Sobral para analisar as condições da cidade para receber as comissões astronômicas e para escolher locais de observação. Na entrevista, que ocupou metade da primeira página do jornal, ele respondeu a diversas perguntas não só sobre o eclipse solar, mas também sobre a seca que assolava a região e sobre fontes possíveis para a energia elétrica urbana, que a cidade ainda não possuía. Morize foi muito elogiado por seu “trato lhano e simples, despido completamente da vaidade que quase sempre acompanha as celebridades, como também pelas suas qualidades invejáveis de fino 'causer'. Outras entrevistas foram realizadas posteriormente com Morize e com outros astrônomos, como Crommelin e Davidson.

    Nas semanas que antecederam a chegada das comissões a Sobral, um assunto galvanizou jornais e revistas do Rio de Janeiro: o atraso na liberação dos recursos, já aprovados no orçamento do país, para a comissão brasileira se deslocar para Sobral e preparar a infraestrutura para a recepção das outras comissões. De fato, a burocracia brasileira quase impediu as observações do eclipse de Sobral! Como reporta jocosamente O Malho (26/04/1919), o presidente do Tribunal de Contas teria sugerido a Morize, diante de mais uma solicitação desesperada para a liberação dos recursos: "Adie-se o eclipse". O Correio da Manhã (22/04/1919), O Paiz (22/04/1919) e a revista Careta (10/05/1919; Figura 4) criticaram igualmente a lentidão burocrática e destacaram que foi a empresa estatal Lloyd Brasileiro que, afinal, emprestou o dinheiro para a expedição da comissão brasileira, por decisão de seu presidente Barbosa Lima.

     

     

    Um ponto de destaque na cobertura dos jornais da região sobralense foram as matérias de divulgação científica de boa qualidade que produziram. A primeira delas, escrita especialmente por Morize, com explicações sobre o eclipse, a coroa solar e as pesquisas que seriam feitas pelos brasileiros, foi publicada na Folha do Littoral, de Camocim, no dia 23 de março de 1919. O texto de maior destaque, do ponto de vista da divulgação das observações que seriam feitas sobre a deflexão da luz, "O próximo eclipse total do Sol", foi publicado em O Estado do Pará (24/04/1919) e depois reproduzido na Folha do Littoral (11/05/1919), no Correio da Semana (22/05/1919, este com algumas diferenças em relação ao primeiro) e no Jornal do Commercio (29/05/1919). O artigo foi escrito por Crommelin e Davidson, que explicaram as observações que fariam e mencionaram, pela primeira vez no Brasil (e talvez na América do Sul), o nome de Einstein e, de forma muito genérica, o espaço-tempo da nova teoria da relatividade. "A teoria do universo recentemente proposta pelo sr. Einstein envolve essa dupla diferença como consequência [o ângulo de deflexão previsto por Einstein deveria ser duas vezes maior do que a previsão proveniente da física newtoniana]". Como destacou Crispino [6]: "este texto, assinado conjuntamente por A. C. D. Crommelin e C. Davidson, consistiu na introdução das ideias de Einstein sobre a sua teoria relatividade na Amazônia". Trata-se possivelmente do primeiro artigo de divulgação sobre a teoria de Einstein publicado no Brasil. Registre-se que o primeiro artigo nas Américas a mencionar a teoria da relatividade geral e as observações relativas à deflexão da luz prevista por ela foi possivelmente "Test of the Einstein Theory ", publicado pelo The New York Times no dia 10 de junho de 1918.

    No dia 16 de maio de 1919, o jornal A Ordem dedicou quase toda a sua primeira página para uma extensa e detalhada matéria sobre o que era o eclipse solar, a chegada das comissões estrangeiras e seus objetivos, a explicação da deflexão da luz prevista na teoria de Einstein e o que os astrônomos britânicos tentariam medir (Figura 5).

     

     

    Segundo o jornal assinala, "a nossa reportagem nos foi fornecida pelo reputado geólogo Theophilo Lee, da comissão brasileira". Nos dias seguintes os jornais locais trouxeram artigos nos quais se destacam os cuidados com a observação do eclipse e a necessidade do uso de vidros enfumaçados para se olhar o Sol. Um artigo particularmente interessante de Morize foi publicado em A Ordem (24/05/1919); ali ele descreve o eclipse como um fenômeno natural, menciona os temores a ele associados pelos povos "selvagens" e conclama a população a se manter em completa calma e em perfeito silêncio e a não promover toque de bandas de música ou lançar fogos de artifício durante o eclipse, o que prejudicaria as observações.

    No dia anterior ao eclipse e em 29 de maio, dia do evento, muitos jornais pelo país afora destacaram em primeira página o acontecimento. Alguns trouxeram o mapa do Brasil indicando as faixas do eclipse, como o Jornal do Commercio (AM) e o Jornal do Recife. Este mencionou as observações de deflexão da luz das estrelas que poderiam ou não confirmar a previsão de Einstein (grafado incorretamente, como em alguns outros jornais, de "Eustein").

    Nos dias seguintes ao eclipse vários jornais descreveram como ocorreram as observações em diversas cidades do país, particularmente no Ceará. No dia 8 de junho de 1919, a Folha do Littoral trouxe uma detalhada matéria sobre o dia do eclipse e as observações ali feitas pelas três comissões. O jornal A Noite, por meio de um serviço especial em Sobral, destacou em manchete no dia 30 de maio: "Maravilhoso espetáculo do eclipse em Sobral. Os trabalhos dos sábios estrangeiros e nacionais. Magníficos os resultados obtidos". Sem qualquer base nos cálculos que seriam efetuados ainda por vários meses, antes de se chegar à comprovação da previsão de Einstein sobre o ângulo de deflexão da luz, mas com ousadia jornalística exagerada, o jornal já anunciava: "As comissões mostram-se satisfeitas com o resultado das observações. A comissão inglesa, que obteve 24 fotografias, reuniu mais elementos que constatam a teoria de Einstein sobre a gravidade da luz." (Figura 6).

     

     

    A premonição sobre o resultado das observações dos astrônomos britânicos se repetiria posteriormente em dois outros jornais: no Correio Paulistano (02/08/1919) e no Jornal do Recife (26/08/1919), com sua manchete já definitiva: "A luz tem peso" (Figura 7). As afirmações otimistas não decorreram dos astrônomos britânicos, que foram bastante cuidadosos com colocações sobre qual seria o valor do ângulo de deflexão da luz, mesmo porque ainda não haviam feito as fotografias de comparação do fundo estelar - o que seria feito no início do mês de julho, em Sobral. Em interessante entrevista que concederam, no dia 3 de agosto de 1919, ao jornal Estado do Pará - e que seria reproduzida em parte nos jornais A Noite e Jornal do Commercio - eles responderam ao jornalista que perguntara se ficaria comprovada a teoria de Heinstein [sic]: "Nada podemos dizer enquanto não medirmos as fotografias, umas com as outras. Este serviço faremos com o auxílio de um micrômetro, que é um microscópio, munido de uma escala de linhas muito finas, presa a uma moldura. A marcação das distâncias é feita por meio de um parafuso muito delicado que aciona essa escala. Em [sic] resultado dessas medidas esperamos poder ver se a posição das estrelas nas chapas do eclipse concorda com a das outras chapas, ou se há alguma diferença. Nenhum resultado poderá ser publicado tão cedo, porém esperamos que com nossas fotografias poderemos determinar, de uma vez para sempre, qual das três possibilidades em questão é verdadeira. Se tal acontecer, consideraremos que fomos coroados de sucesso" [6].

     

     

    Note-se que a primeira divulgação na Europa sobre o fato de as observações favorecerem a teoria de Einstein seria feita por ele mesmo, ao publicar uma pequena nota no Die Naturwissenschaften, em 9 de outubro de 1919.

    Curiosamente, o anúncio dos resultados das observações das comissões britânicas em Sobral e na Ilha do Príncipe, realizado em Londres no dia 6 de novembro de 1919 por Eddington, Crommellin e Frank Dyson, com pompa e circunstância, gerou pouca repercussão no Brasil. Nos dias seguintes ao anúncio, jornais da Inglaterra (The Times, 7 e 8/11/1919) e dos Estados Unidos (The New York Times, 10/11/1919 e nos dias seguintes) estamparam em manchetes que ocorrera uma revolução na ciência: a teoria de Einstein suplantara a de Newton. O acontecimento fez com que Einstein, um pesquisador até então conhecido apenas por seus colegas físicos na Europa, se tornasse o cientista mais famoso de todos os tempos. No Brasil, o anúncio de Londres recebeu tímida notícia da agência estrangeira Havas (08/11/1919), publicada no dia 9 de novembro nos jornais O Paiz e Correio Paulistano. Ela dizia, de forma hermética e confusa: "Os resultados obtidos pelas missões, que foram ao Ceará e à Ilha do Príncipe observar o eclipse solar de maio último, estão causando o mais vivo interesse nos círculos científicos porque esses resultados vem confirmar uma das leis de reflexão do professor suíço Einstein, cujas novas teorias sobre o universo não admitem as leis de Newton". Não consegui localizar em jornais de Sobral qualquer menção ao anúncio dos resultados que havia sido feito em Londres.

    A primeira matéria de qualidade sobre os resultados do eclipse e sobre a teoria da relatividade geral viria da pena de Manoel Amoroso Costa e seria publicada em O Jornal no dia 12 de novembro de 1919, apenas seis dias após o anúncio londrino. Com o título Theoria de Einstein (Figura 8), é um texto curto e preciso de divulgação científica que termina com a constatação: "é a primeira grande notícia da ciência pura que nos manda, depois da guerra, a Europa sempre fecunda". Engenheiro e matemático, professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Amoroso escreveria três anos depois um pequeno e precioso livro sobre a nova teoria, a partir de conferências que realizara.

     

     

    Morize publicaria um artigo no Correio da Manhã de 27 de fevereiro de 1920, proveniente de uma conferência na Sociedade Brasileira de Ciências (que se transformaria na Academia Brasileira de Ciências dois anos depois), sobre as observações feitas durante o eclipse de Sobral pela comissão brasileira. Ali ele se refere também aos resultados dos astrônomos britânicos que confirmaram que "revela completo acordo com o que a teoria de Einstein havia previsto".

    À guisa de finalização, apresento, no gráfico da figura 8, a evolução do número de citações que o nome Einstein recebeu nos periódicos brasileiros a partir de 1919 (década de 1910) até a década de 1980.

    Ele exibe o surgimento de um personagem de grande importância no cenário da ciência e da cultura. Possivelmente dados similares poderão ser obtidos se se computar a presença de Einstein na mídia de outros países. O crescimento vertiginoso de sua popularidade, estudada e analisada por vários estudiosos e ocasionada por diversos fatores, está fortemente correlacionada, como vimos, com o eclipse observado em Sobral em 29 de maio de 1919.

     

    REFERÊNCIAS

    1. Einstein, A. "Die Grundlage der allgemeinen Relativitätstheorie". Annalen der Physik 49, 769-822, 1916.

    2. Dyson, F. W.; Eddington, A. S. and Davidson, C. "A determination of the deflection of light by the Sun's gravitational field, from observations made at the total eclipse of may 29, 1919". Philosophical Transactions of the Royal Society of London. CCXX-A 579: 291-333, 1920.

    3. Johnson. P. Modern times: the world from the twenties to the nineties. New York: Harper Perennial, 1991.

    4. Moreira, I. C. e Videira, A. A. P. (orgs.). Einstein e o Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1995.

    5. Paolantonio, S.; Pelliza, L.; Mallamaci, C. C.; Camino, N.; Orellana, M.; Garcia, B. "The Argentinean attempts to prove the theory of general relativity: the total solar eclipses of 1912, 1914 and 1919. Under one sky." The IAU Centenary Symposium Proceedings IAU Symposium (Valls-Gabaud, D.; Hearnshaw, J. & Sterken, C., eds.), n. 349, p. 1 - 5, 2018.

    6. Crispino, L. C. B.; Lima, M. C. "A teoria da relatividade de Einstein apresentada para a Amazônia". Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 38, nº 4, e4203, 2016.