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Ciência e Cultura
Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. vol.76 no.2 São Paulo Apr./June 2024
http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20240024
EDITORIAL
Alcançando o mundo
Cesar Timo-Iaria
Pesquisador e professor universitário. Foi membro titular da Academia Brasileira de Ciências e é considerado um dos fundadores da neurociência brasileira. Foi editor da revista Ciência & Cultura
O presente número da Ciência & Cultura, Journal of the Brazilian Association for the Advancemente of Science, inicia uma nova fase que pretende, a longo prazo, converter esta publicação em uma revista acadêmica de circulação internacional. No meio de aproximadamente 2.000 revistas publicadas no Brasil, somente poucas aparecem em índices reconhecidos de citação internacional e apenas cinco são indexadas no Current Contents, publicado pela principal organização de referência, o Instituto de Informação Científica (ISI).
Os periódicos aceitos pelo ISI para o Current Contents têm duas características fundamentais: uma rígida seleção de contribuições após análise por revisores reconhecidos, e a predominância, senão exclusividade, de trabalhos publicados em inglês. Essa orientação assegura aos autores que seus trabalhos serão lidos pelos seus colegas acadêmicos em todo o mundo. Tomando em consideração que a pesquisa se torna mais e mais dispendiosa e que a fonte de financiamento provém, direta ou indiretamente, daqueles que pagam (usualmente pesados) impostos, uma ampla circulação de informação gerada é a principal prestação de contas aos que apoiam o nosso trabalho. Com o objetivo de colocar Ciência & Cultura entre as publicações internacionais, os novos editores planejam melhorar os critérios de aceitação dos artigos de forma progressiva. Eles devem ser escritos somente em inglês (com muito poucas exceções) (Figura 1).
Contrariamente à opinião de alguns leitores e autores, a adoção da língua inglesa por revistas publicadas no Brasil não leva à destruição, de forma alguma, do que é considerado "cultura nacional". Ao contrário, ela é atualmente a melhor maneira de divulgar as conquistas culturais brasileiras e aumentar a probabilidade de que elas sejam reconhecidas em escala internacional. A destruição da cultura nacional é feita, muito eficientemente, não pelos artigos acadêmicos brasileiros escritos em inglês, mas pela maioria dos canais de comunicação (que incluem a imprensa, o rádio e a televisão, reunidos na denominação absurda de "mídia") e pela proporção maciça de professores que por décadas não foram preparados para educar gerações de brasileiros, em virtude da baixa prioridade destinada à educação neste país. Por exemplo, quantos brasileiros são capazes de falar e escrever apropriadamente nossa língua materna? Provavelmente uns poucos milhares.
A maioria dos pesquisadores no mundo, e também neste país, não são capazes de ler mais do que as suas próprias línguas e o inglês. Portanto, publicar em línguas a que o mundo acadêmico não tem acesso torna-se uma atividade ritual que, além de ser quase inútil, é muito dispendiosa. Não é de espantar que todas as revistas escandinavas tenham adotado o inglês como língua obrigatória (antes da Segunda Guerra Mundial, muitas delas adotaram o alemão).
Na União Soviética, revistas com nomes em inglês publicam agora artigos em inglês, uma vez que uma fração predominante da vasta produção acadêmica soviética está fora do alcance da maioria dos pesquisadores. A única revista científica chinesa passível de destaque - Acta Sínica - agora redenominada Chinese Science - é escrita em inglês há décadas, desde seu início, quando a China vivia uma era xenofóbica, de profundo obscurantismo. Quase todas as revistas alemãs, holandesas, japonesas e italianas estão também sendo publicadas em inglês. Em anos recentes, alguns dos mais veneráveis periódicos franceses também adotaram o inglês. Existe um ditado intraduzível na Alemanha que diz que: "se o trabalho não é bom, você provavelmente deveria publicá-lo em alemão". Há 20 anos o Pflügers Archiv für die gesamte Physiologie, umas das mais respeitadas publicações em fisiologia, solicitou de seus contribuintes que não mais submetessem trabalhos em alemão, porque poucos investigadores poderiam lê-los fora dos países de língua alemã (essa revista eventualmente tornou-se o European Journal of Physiology) (Figura 2).
O largo reconhecimento humanístico de cientistas que viveram nos últimos três séculos e até as primeiras décadas do século XX permitiu-lhes a habilidade de ler várias línguas. A decadência da erudição, a uniformidade exasperante daquilo que em todo o mundo caracteriza a segunda metade do nosso século, destruiu os privilégios dos pesquisadores dos principais países da Europa de escrever seus trabalhos em suas próprias línguas que, então, podiam ser lidos pela maioria de seus colegas. A publicação de artigos acadêmicos em inglês não deve ser baseada na errônea premissa de que essa língua é a melhor e a mais desenvolvida de todas (o que não é verdade). A vantagem de usar o inglês é que essa língua, falada em países predominantes em escala mundial desde o fim da Segunda Guerra Mundial, passou a ser uma língua franca em todos os continentes, e desta forma intermediando todos os tipos de comunicação humana, prevalecendo sobre todas as outras línguas.
Alguns pesquisadores brasileiros expressam abertamente a opinião de que, em certas áreas do conhecimento, não há necessidade de se publicar em inglês e atingir todo o mundo acadêmico. Isso pode de fato ser verdadeiro em algumas ocasiões muito restritas. Por exemplo, temas relacionados às comunidades vivendo em favelas. Estudando a convivência de desenvolvimento urbano ou a remoção da população dessas favelas podem ser de interesse local para abordar de modo mais profundo o comportamento dessa população em favelas. Pode ser necessário a elaboração de leis gerais que governam o comportamento de agregados humanos que vivem em condições de penúria e promiscuidade, um assunto que tem sido largamente estudado com ratos. Nesse caso, o tema torna-se de alto interesse acadêmico. O primeiro assunto pode ser comunicado em português em diários populares e outros periódicos locais. O último deve atingir antropólogos, sociólogos, psicólogos, psiquiatras e neurologistas de todo o mundo. Para alcançar esses objetivos, ele deve ser comunicado em inglês e publicado em revistas de circulação internacional. Esse é o caso de muitas publicações sobre a África que aparecem em inglês ou em francês, embora os autores sejam africanos.
Se os artigos e revisões publicados em Ciência & Cultura pretendem alcançar a comunidade acadêmica internacional, devem ser escritos em inglês; se eles pretendem ser reconhecidos, devem ser selecionados rigorosamente por revisores respeitados no meio acadêmico. Considerando a amplitude dos assuntos cobertos por Ciência & Cultura, a maioria dos pesquisadores brasileiros não acostumados a submeter trabalhos a periódicos internacionais se beneficiará em publicá-los em inglês em nossa revista. Vale a pena tentar.
Texto publicado originalmente em:
TIMO-IARIA, C. Editorial. Ciência & Cultura, São Paulo, v. 43, n. 1, 1991.
* Esse texto foi atualizado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.