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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.58 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2006

     

     

    INSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGIÕES NO BRASIL

    Pedro Silveira Bandeira

     

    Nos últimos anos, a administração federal e alguns governos estaduais têm buscado institucionalizar micro e mesorregiões. Algumas tentativas foram efêmeras, mas outras parecem ter conseguido afirmar-se. Assim, no Rio Grande do Sul foram implantados os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), que já contam com quase quinze anos de atuação ininterrupta. Mais recentemente, o Ministério da Integração Nacional passou a implementar um Programa de Desenvolvimento de Mesorregiões Diferenciadas. Tendo como referência parcial essas duas experiências, este texto discute os recortes geográficos e os desenhos institucionais mais adequados para a institucionalização de novas unidades territoriais nessas escalas.

    NOVAS ESCALAS E PLANEJAMENTO TERRITORIAL A institucionalização de "micro" e "meso" regiões acompanha uma tendência observada nas duas últimas décadas, tanto na literatura quanto na prática das políticas relacionadas com o tema. A valorização dessas escalas contribui para o ajuste das políticas regionais brasileiras ao novo paradigma dominante da área, que enfatiza a influência da dinâmica interna das regiões – inclusive em termos políticos e sociais – sobre o seu potencial de desenvolvimento. Para alguns autores, a importância atribuída aos fatores endógenos, a partir dos anos 1980, chega a caracterizar uma nova ortodoxia na disciplina.

    Contribuíram para a ascensão do novo paradigma o interesse despertado pelo sucesso de algumas regiões, como os distritos industriais da "Terceira Itália", e a insatisfação com os resultados das políticas tradicionais de desenvolvimento regional. Como registra Ash Amin (1), essas políticas "tradicionais" eram, em regra, padronizadas, focalizadas em influenciar as decisões de localização das empresas, baseadas em incentivos fiscais e financeiros e dirigidas exclusivamente pelo Estado. Seus efeitos foram modestos no sentido de estimular melhorias continuadas na competitividade das regiões menos desenvolvidas. Embora tenham ajudado a elevar o emprego e a renda nas áreas mais pobres, em geral não conseguiram estimular o surgimento de processos de desenvolvimento sustentado, com base na potencialização dos recursos locais.

    Como resposta, começaram a ser desenvolvidas alternativas, que buscavam promover a competitividade por meio da mobilização do potencial endógeno das regiões. Elas tendem a favorecer ações concebidas "de baixo para cima", envolvendo múltiplos atores, que são específicas para cada região e adotam uma perspectiva de longo prazo. O novo enfoque destaca a importância de fatores como a influência das instituições formais e informais, os valores e as racionalidades dos atores, as suas características culturais e comportamentais, e a composição das redes sociais e econômicas (2).

    No contexto dessa mudança, passou a ser destacada a importância do "capital social", conceito que recebeu ampla divulgação após a publicação de uma pesquisa de Robert Putnam sobre as regiões italianas. Seu estudo relacionou o desempenho econômico e institucional de tais áreas com as suas tradições cívicas e com a sua dotação de "capital social", definido como as "características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas" (3). No decorrer da década de 1990, a noção acabou sendo incorporada ao discurso das principais organizações internacionais que atuam na promoção do desenvolvimento. O Banco Mundial tornou-se um dos principais animadores do debate em torno do capital social.

    O interesse do Banco Mundial pelo conceito esteve relacionado com uma mudança mais ampla em sua abordagem sobre o desenvolvimento, bem caracterizada pelas posições apresentadas em documentos como o World development report 1997: the state in a changing world (4), onde se constata a crescente influência institucionalista sobre o enfoque da organização. Voltou a ser valorizado o papel do Estado na promoção do desenvolvimento, reduzindo-se a influência da ortodoxia econômica de inspiração liberal, com sua ênfase quase exclusiva na importância dos mercados. A expressão "Post-Washington Consensus" (PWC) tem sido usada para caracterizar a nova abordagem, que incorpora o reconhecimento da centralidade das dimensões social e política para a mudança econômica. Incorpora, ainda, uma nova concepção de governança, na qual a sociedade civil é vista como uma instância de mobilização do capital social. Uma das manifestações da mudança de enfoque é a atenção dada à adoção de procedimentos participativos na formulação e implementação de programas e projetos. A experiência mostrava que a falta de participação da comunidade costumava ser uma das principais causas de fracasso de políticas, programas e projetos de diferentes tipos.

    Outro desenvolvimento teórico relevante foi o surgimento e difusão, desde a década de 1980, de uma nova corrente normativa na teoria política, denominada "democracia deliberativa" (5). Uma de suas principais referências é a teoria da ação comunicativa, de Jürgen Habermas. Sua proposição principal afirma que a ampla deliberação pública é essencial para a legitimidade das decisões democráticas. Essa abordagem tem tido um impacto significativo em áreas como o planejamento urbano, inspirando o surgimento de correntes como as relacionadas com os conceitos de collaborative planning ou communicative planning (6). Tais abordagens enfatizam a importância da formação de consensos e da interação dos formuladores de políticas com a comunidade, nas atividades de planejamento.

    Somados, esses fatores convergem no sentido de indicar que a institucionalização de "micro" ou "meso" regiões é um passo indispensável para atualizar a forma como a administração pública atua sobre o território, no Brasil. No entanto, tal passo exige o enfrentamento de várias questões, como decidir qual a característica definidora dos novos recortes territoriais, ou estabelecer os critérios para delimitação das novas regiões.

    Além disso, será preciso implantar a infra-estrutura institucional e organizacional necessária para atuação nessas escalas. Diferentes modelos de conselhos e fóruns têm sido utilizados como instâncias de representação e articulação de atores nas experiências hoje em andamento. Torna-se necessário discutir os formatos e papéis mais adequados para essas instâncias.

    CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DE REGIÕES O problema da definição da abrangência territorial de uma região não pode ser confundido com o tema da sua elegibilidade para acesso a instrumentos de política regional. O essencial a ter em vista é que a abrangência territorial da região deve privilegiar sua funcionalidade para a articulação de atores sociais, políticos e econômicos. O sucesso nessa articulação é fundamental para que as regiões se tornem social e politicamente relevantes, não sendo apenas objeto passivo para ações concebidas e implementadas "de fora para dentro" e "de cima para baixo". Cabe lembrar o que afirma Sergio Boisier:

    "La planificación del desarrollo regional es, primero que todo, una actividad societal, en el sentido de ser una responsabilidad compartida por varios actores sociales: el Estado desde luego, por varias y conocidas razones y la propria Región, en cuanto comunidad regional, polifacetica, contradictoria y difusa a veces, pero comunidad al fin, locacionalmente específica y diferenciada. Sin la participación de la región, como un verdadero ente social, la planificación regional solo consiste – como por lo demás prueba la experiência histórica – en un procedimiento de arriba hacia abajo para asignar recursos financieros o de otra índole entre espacios arbitraria o erróneamiente llamados ‘regiones’"(7).

    Na ausência de uma adequada articulação dos atores locais, uma região não constitui uma "comunidade" no sentido proposto por Boisier, sendo dificultadas as ações que busquem dinamizar seu potencial endógeno.

    A articulação e a mobilização dos atores locais são importantes para que a região se torne politicamente relevante. As ações e políticas de desenvolvimento serão fortalecidas caso venha a formar-se uma coalizão de atores da região que se engajem em ações de advocacy para defendê-las junto às diferentes instâncias político-administrativas.

    Para alcançar esses resultados, é preciso compreender os processos que contribuem para criar territórios passíveis de serem considerados "entes coletivos". A literatura recente destaca que as regiões são construídas, consolidadas, transformadas e decompostas por processos de interação social, política e econômica, desenvolvidos ao longo da história. Anssi Paasi, uma das principais autoridades sobre o tema (8), critica as abordagens que ignoram o fato de que as regiões resultam de processos históricos, ou que as consideram apenas categorias geradas pelos pesquisadores, de forma conveniente para organizar suas informações.

    Para Paasi, o estágio final (ou superior) da "construção" histórica de uma nova unidade territorial, que é a sua institucionalização, envolve quatro aspectos, os quais não necessariamente constituem "etapas" consecutivas:

    1. A definição da forma ou abrangência territorial;

    2. A formação de uma imagem conceitual e simbólica;

    3. O desenvolvimento de instituições regionais e a incorporação da existência da região às práticas e formas de organização da sociedade;

    4. O estabelecimento da região como parte de um sistema de regiões, com papel administrativo definido, associada à consciência regional da comunidade.

    A forma ou abrangência depende do alcance espacial das práticas de interação que constituem a base para a existência da região. Ao se definir a abrangência da região por meio de um instrumento legal, deve-se atentar para o rebatimento territorial das redes sociais, econômicas e político-administrativas existentes. A tentativa de implantar um recorte que não respeite esse rebatimento entrará em choque com práticas e realidades já estabelecidas e sedimentadas, criando entraves para o próprio avanço do processo de institucionalização.

    A formação de uma imagem conceitual e simbólica da região serve para distinguí-la de outros territórios, compondo a base para a formação de uma identidade regional. Ela pode apoiar-se em elementos históricos, culturais, econômicos ou ambientais que diferenciem a região. Especialmente importante é o fato de a região receber um nome, que sintetize a idéia de uma identidade própria. Neste ponto, é possível intervir para acelerar o processo de institucionalização. A divulgação de manifestações culturais características, ou a promoção de pesquisas sobre a história local, constituem exemplos de ações nesse sentido.

    Outro aspecto importante do processo consiste no surgimento de instituições e organizações de abrangência regional, ou identificadas com a região. Sua implantação contribui para ampliar, aprofundar e consolidar práticas regionais em diferentes esferas, como as da política, da economia, da sociedade civil e da administração pública. A criação de um colegiado, tipo fórum ou conselho, que aglutine os atores regionais na defesa de interesses comuns, constitui exemplo de intervenção relativa a esse aspecto. No entanto, a contribuição da existência dessas instâncias para o processo de institucionalização depende de que sua atuação alcance resultados concretos significativos, que ajudem a reforçar as redes de interação existentes e a imagem simbólica da região.

    O estabelecimento da região como parte de um sistema, com papel administrativo definido, acompanhado pela consciência regional da sociedade, completa o processo. Para Paasi, nesse estágio consolida-se a existência de uma identidade regional, que se refere tanto à base física e material (natureza, paisagem, cultura, economia, etc) quanto à esfera mental, pela fixação de uma imagem da região, tanto entre seus habitantes quanto entre os de outras áreas.

    Com base nessas considerações, pode-se propor algumas orientações práticas para a delimitação de regiões:

    a. A delimitação deve basear-se na identificação de redes de articulação regional já existentes;

    b. Devem ser aproveitados elementos simbólicos capazes de contribuir para o fortalecimento de uma identidade da região;

    c. Além disso, a abrangência territorial da região deve assegurar que seja alcançado um patamar mínimo de densidade institucional.

    Evidentemente, outros aspectos também precisam ser levados em conta, como a extensão geográfica ou de número de habitantes. Quão grande ou quão pequena deve ser uma região? A definição dos critérios mais adequados para o caso brasileiro deve apoiar-se na análise da experiência internacional. Um ponto a considerar é que regiões maiores e mais populosas terão condições de mobilizar maior apoio político para programas de desenvolvimento regional do que áreas menores. Uma região maior poderá contar com uma bancada parlamentar mais expressiva e diversificada. Aglutinando parcelas importantes do eleitorado dos estados em que se situam, suas demandas não poderão ser facilmente ignoradas pelas instâncias políticas. Além disso, deve ser levado em conta o problema das áreas cuja densidade de povoamento é muito baixa, em que a adoção de um critério demográfico rígido pode gerar regiões demasiado extensas para que a articulação de atores seja praticável.

    Talvez o procedimento mais adequado seja, num primeiro momento, privilegiar os critérios listados anteriormente, evitando que a imposição de uma dimensão máxima ou mínima se sobreponha à configuração das redes sociais, aos "estoques" de elementos simbólicos capazes de compor identidades regionais ou ao requisito de uma densidade institucional mínima. Nos casos em que a observância desses critérios resulte em territórios muito extensos ou heterogêneos, o desenho da estrutura institucional a ser definida deve adequar-se a esse fato, eventualmente criando sub-regiões em algumas regiões. O ideal é que se possa chegar à institucionalização de múltiplas escalas territoriais. No entanto, esse não pode ser um processo imposto "de cima para baixo". Deve resultar de uma construção que envolva os atores de cada região.

     

     

    AS INSTÂNCIAS DE ARTICULAÇÃO E DELIBERAÇÃO Os fóruns ou conselhos regionais devem ser entendidos, simultaneamente, como instâncias de representação, debate e deliberação e como organizações que promovem processos de articulação dos atores locais. São importantes para a construção social e política das regiões, fortalecendo redes e práticas de alcance "regional" e ajudando a transformar os territórios em "entes coletivos", como referido por Boisier. Além disso, proporcionam ao poder público um interlocutor para a formulação e implementação de ações de promoção do desenvolvimento, cuja legitimidade e representatividade seja reconhecida pelo conjunto dos atores regionais.

    O desenho das suas características pode apoiar-se em modelos existentes em outros países. Um exemplo é constituído pelos Conseils Économiques et Sociaux Régionaux, da França, que surgiram em 1972, quando a administração pública francesa passou por uma reforma, sendo implantado um novo nível administrativo, constituído por 21 regiões. Vários outros países possuem instâncias similares, compostas por representantes de segmentos da sociedade, que servem como órgãos consultivos dos poderes executivos ou legislativos regionais.

    Tais conselhos constituem uma adaptação, para esse nível territorial, de um modelo de órgão consultivo bastante freqüente, especialmente na Europa, em escala nacional. Na maior parte dos casos, ele recebe o nome de Conselho Econômico e Social. Suas discussões costumam ser conduzidas em termos predominantemente técnicos, apoiando-se em estudos e em dados cuja validade e objetividade seja aceita pelos participantes. Atuando dessa forma, constituem um complemento para as instituições deliberativas de tipo representativo tradicional, contribuindo para estimular e qualificar o diálogo social.

    Atuando como instâncias de articulação dos atores regionais, essas instâncias podem ser caracterizadas como bridging organizations, que são instrumentos de integração entre diferentes entidades. A principal função das bridging organizations é possibilitar que atores com perfis e interesses diversos cooperem no sentido de formular e implementar soluções conjuntas para problemas complexos (9).

    Uma das áreas em que as bridging organizations desempenham papel importante é a formação de coalizões para ações de advocacy. O termo advocacy tem sido utilizado para designar atividades desenvolvidas com a finalidade de influenciar a formulação de políticas públicas. Elas podem estar direcionadas para vários objetivos, como incluir novos temas nas agendas governamentais, alterar a posição de ações na hierarquia de prioridades, influenciar as características de determinadas políticas ou garantir a sua efetiva implementação. O termo é especialmente freqüente na literatura sobre organizações não-governamentais, que muitas vezes têm na advocacy um dos seus principais focos operacionais.

    O conceito de advocacy tem relevância direta para a atuação dos fóruns ou conselhos das regiões que vierem a ser institucionalizadas, na medida em que uma parte expressiva de sua atuação estará relacionada com um esforço no sentido de incidir sobre a formulação de políticas públicas relevantes para as áreas em que atuam.

    A temática do capital social também é relevante para a atuação desses fóruns ou conselhos, pois o capital social de uma região – ou seja as características da organização social que facilitam (ou dificultam) a cooperação entre os atores locais – influencia a capacidade dos atores locais para sustentar coalizões capazes de empreender ações de advocacy. Por outro lado, a atuação dessas instâncias aumenta o capital social, na medida em que elas criam novas redes de cooperação, ligando atores variados, oriundos de diferentes segmentos da comunidade e de porções diversas do território das áreas em que operam.

    Em seu papel como instâncias de representação e deliberação, os fóruns ou conselhos regionais devem formular propostas e demandas para serem discutidas com as instâncias do poder público ou para serem diretamente implementadas pelos próprios atores regionais ou por agências por eles criadas. Para que suas decisões possam ser consideradas legítimas, sua composição deve ser abrangente e plural, e suas decisões devem ser adotadas preferencialmente por consenso ou, no mínimo, por ampla maioria. O número de membros deve ser suficiente para acolher os segmentos mais relevantes da sociedade da região – não excluindo nenhum que manifeste interesse em dele participar – além de compor uma representação que inclua elementos ligados às diferentes porções do território. Se o total de membros for muito elevado, pode ser criada uma comissão executiva, com menos integrantes, para dar andamento às atividades mais rotineiras. Assim como os conselhos regionais existentes em outros países, essas instâncias devem representar segmentos da sociedade, sendo compostos por atores indicados por organizações da própria região ou cujos interesses estejam ligados à região.

    Como referência normativa para a sua composição e funcionamento, pode ser utilizado o conceito de "situação ideal de fala", da teoria da ação comunicativa de Habermas. Esse conceito define um contexto ótimo de comunicação, pressupondo que todos aqueles que tenham um interesse legítimo em participar da discussão de um tema tenham o direito de expressar livremente suas opiniões, que a influência das desigualdades de poder seja eliminada, que haja uma busca sincera do entendimento, que não ocorra comportamento manipulativo, e que todos sejam obrigados a argumentar racionalmente em defesa de suas posições, para que os resultados da discussão e da deliberação decorram apenas da força dos melhores argumentos.

    Os fóruns ou conselhos devem pautar a sua atuação de forma a se manterem próximos a esses princípios, tendo uma composição abrangente e deliberando por consenso ou por ampla maioria. Assim procedendo, tenderão a serem reconhecidos como instâncias de representação legítimas, aptas a expressar as demandas da região ante o poder público.

    Eles devem ser autônomos em relação ao poder público. Pode ser admitida a participação de entidades ligadas a governos. No entanto, sua representação deve ser minoritária e restringir-se a órgãos cuja atuação esteja diretamente ligada à região, como é o caso de universidades ou outras instituições públicas de ensino superior. Representantes de outros órgãos públicos devem colaborar com o trabalho dos fóruns ou conselhos, sem deles fazerem parte com direito a voto. Sua atuação não deve interferir com a autonomia dos fóruns ou conselhos, especialmente de forma que possam caracterizar tentativas no sentido de direcionar suas deliberações.

    Esses fóruns ou conselhos não devem ser considerados instâncias de deliberação que produzem decisões vinculantes. Devem produzir propostas e demandas relevantes para o desenvolvimento da região. Cabe ao poder público discutir as propostas com a comunidade, seja viabilizando sua execução, seja solicitando sua reavaliação e reformulação. O aspecto mais importante da atuação dessas instâncias é promover a interação, primeiro entre os próprios atores da região, para criar consensos, articular demandas e formular propostas, e depois entre os atores e o poder público, para permitir o aperfeiçoamento e a implementação das propostas.

    Um modelo de gestão apoiado em fóruns e conselhos não deve implicar simplesmente em uma transferência do poder de decidir, do poder público para os atores regionais. Ele deve criar, nas regiões, uma base institucional que proporcione interlocutores legítimos e representativos para um processo interativo de planejamento e gestão do desenvolvimento regional. A simples transferência do poder de decidir para os atores regionais não implicaria, necessariamente, em decisões melhores. Já a interação institucionalizada entre o poder público e os atores regionais pode levar a esse resultado. O poder de decidir, em última instância, cabe ao poder público, que tem legitimidade formal para isso. Da mesma forma, deve caber a ele o ônus político de, eventualmente, ignorar as propostas e indicações oriundas dos fóruns ou conselhos.

    O funcionamento dos fóruns ou conselhos deve obedecer a regras formais, especialmente quanto à composição e normas de procedimento. A explicitação e a observância dessas normas são essenciais para que mantenham sua credibilidade, evitando críticas que coloquem em questão a legitimidade de suas deliberações.

    CONCLUSÃO A implantação de instâncias de articulação e representação, em nível micro e meso-regional, pode proporcionar uma base institucional e organizacional adequada para um experimento abrangente de democratização da gestão pública, apoiado na interação entre os segmentos organizados da sociedade das regiões e os órgãos da administração pública. Além de se envolver outras atividades, essa base poderia contribuir para ampliar a discussão sobre os principais instrumentos do planejamento governamental, como os planos plurianuais e os orçamentos anuais, tanto em nível estadual quanto federal.

     

    Pedro Silveira Bandeira é economista, doutor em ciência política e professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFRGS.

     

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

    1. Amin, A. An institutionalist perspective on regional economic development. 1998. Texto acessível na internet no endereço www.econgeog.org.uk/pdfs/amin.pdf.

    2. Amin, A. op.cit, p. 5.

    3. Putnam, R. D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, p. 177. 1996.

    4. World Bank. World development report 1997: the state in a changing world, Oxford University Press, New York. 1977.

    5. Bohman, J. e Rehg, W. Deliberative democracy; essays or reason and politics, Cambridge, The MIT Press. 1997.

    6. Alguns dos principais autores associados a essas correntes são Patsy Healey, na Inglaterra, e John Forester e Judith Innes, nos Estados Unidos.

    7. Boiser, S. Centralización y descentralización territorial en el proceso decisorio del sector publico, Santiago do Chile: ILPES/CEPAL, (Documento CPRD—95), pp. 47-48. 1995.

    8. Seu artigo "The institutionalisation of regions: a theoretical framework for understanding the emergence of regions and the constitution of regional identity", publicado em 1986 na Revista Fennia 164:1, pp. 105-146, constitui referência obrigatória na literatura sobre o tema.

    9. Brown, L. D. development bridging organizations and strategic management for social change, Institute for Development Research, Boston, IDR Reports Vol. 10, No 3, p. 3. 1992.