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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.54 n.1 São Paulo jun./set. 2002

     

     

    A MICOBIOLOGIA NA ERA DA GENÔMICA
    O AVANÇO DE CIÊNCIAS COMO A FÍSICA E A COMPUTAÇÃO CRIOU INSTRUMETOS PODEROSOS DE ANÁLISE
    Glaci Zancan*

     

    Os microrganismos foram os primeiros alvos na busca da elucidação dos mecanismos moleculares mínimos responsáveis pela vida, devido a facilidade de cultivá-los em condições controladas. Esta estrutura foi forjada ao longo de 3,5 bilhões de anos vida na terra e é conservada em organismos divergentes na escala evolutiva.

    Em sua luta pela sobrevivência, os microrganismos desenvolveram mecanismos finos de controle, para a mobilização de genes que permitissem tirar o máximo de vantagem do meio em que vivem. Isso lhes deu uma extraordinária versatilidade química possibilitando a existência de vida em condições extremas de temperatura, pH, salinidade e pressão.

    O avanço de ciências como a física, química, automação e computação permitiram construir instrumentos poderosos de análise que, aplicados ao seqüenciamento de DNA e proteínas, acelerou o processo de conhecimento dessas estruturas. Assim hoje, os bancos de dados de DNA contêm pelo menos 61 seqüências de genomas microbianos e outros 160 estão em sequenciamento www.tigr.org. Espera-se então a investigação individual e comparativa desses genomas.

    As análises comparativas iniciais das enzimas envolvidas na conservação de energia, em procariotos, revelaram um perfil filogenético complexo sugerindo que a adaptação dos microrganismos a nichos especializados levou não só a perda de genes mas também a sua aquisição (1).

     

     

    As análises dos genomas individuais (já determinados) revelaram que parte das seqüências, 38% em Escherichia.coli por exemplo, não tem função conhecida.

    A técnica do micro arranjo de DNA (DNA microarray) que possibilita a imobilização de milhares de seqüências de DNA (sondas) e a hibridização com RNAs mensageiros (mRNA), foi desenvolvida com o objetivo de identificar as funções das seqüências genômicas.

    Enormes esforços têm sido concentrados no estudo da primeira etapa de passagem da informação do DNA para as proteínas, a transcrição, uma vez que o conhecimento dos perfis de expressão dos genes (transcriptomas), em diferentes condições experimentais, tornou-se essencial, para a compreensão da expressão em decorrência da variação (2).

    Da avalanche de dados emergentes da aplicação dos “DNA microarrays” aparece a confirmação da previsão anterior de que a expressão gênica é complexa e transitória. Por exemplo, 1840 genes são mobilizados quando a levedura passa da anaerobiose para a aerobiose, isso corresponde a 30% do total dos genes anotados do Saccharomyces.cerevisae (3). Em outro exemplo, o choque osmótico de células de levedura por 10 minutos mobiliza 1359 genes que depois de 20 minutos são reduzidos a 172 (4).

    Tomando como referência os mRNAs, relativos aos genes básicos para a manutenção das funções vitais foi observado que o mínimo e o máximo da expressão diferem significativamente para cada gene, o que leva a supor que o metabolismo desses RNAs seja um processo dinâmico para facilitar a adaptação do organismo as condições de crescimento (5).

    A análise dos transcriptomas está confirmando o previsível, isto é, que a adaptabilidade de microrganismos ao seu meio requer uma complexa gama de interações ainda não esclarecidas.

    Complementar ao transcriptoma, o proteoma representa o conjunto das proteínas presentes em um momento da vida da célula e é resultante do equilíbrio entre os processos de síntese e degradação. Além disso, as proteínas ainda sofrem modificações pós-traducionais, covalentes e reversíveis que regulam não só o fluxo de metabólitos em vias fundamentais para a sobrevivência da célula, como permitem que, as células se adaptem ao nível dos nutrientes (6) e de moléculas sinais (7).

    Surpreendente, mas não menos importante, é a descoberta inesperada de novas funções para proteínas que já se considerava serem bem conhecidas. Este é o caso da modulação da estabilidade dos mRNAs da resposta ao estresse oxidativo, por uma enzima do ciclo do ácido cítrico (8). Os dados mostram que há um universo de interações macromoleculares que são desencadeadas pelas variações fisiológicas.

     

     

    Por mais que a tecnologia avance permitindo o acúmulo de dados sobre seqüências de proteínas e de DNA, o fato de as proteínas sofrerem modificações pós-tradução e destas proteínas se organizarem em complexos, muitas vezes gerando novas funções (9), está exigindo novos protocolos experimentais que permitam validar os dados obtidos.

    Por outro lado, os microrganismos não ocorrem na natureza isoladamente, como acontece na maioria das condições experimentais estudadas, mas vivem em associação entre si e com outras espécies, estabelecendo relações que vão do mutualismo, passam pela simbiose e atingem a virulência. Eles podem influenciar a programação genética, uns dos outros, pela troca de moléculas que alteram o controle da expressão gênica. O estudo dessas interações, no nível macromolecular é fundamental para entender como é modelada a vida na Terra (10).

    No passado, os bioquímicos destruíam as células, analisavam seus componentes, isolavam-nos para determinar sua estrutura tridimensional na busca de saber como funcionam. No futuro, com o conhecimento das partes e por meio da simulação computacional de diferentes redes de genes, complexos proteícos e vias metabólicas (11) será possível ter o conhecimento global de como o conjunto opera em sua dinâmica para sobreviver às variações do meio.

    Os desafios de entender como funcionam os microrganismos continuam presentes, à espera de que a criatividade dos pesquisadores formule hipóteses e modelos que permitam avançar no conhecimento daquela que é a mais diversificada e desconhecida biota do planeta (12).

     

     

    Referências Bibliográficas

    1 Castresana, J. Comparative genomics and bioenergetics Biochim. Biophys. Acta, Amsterdam, v.1506: p.147-162, 2001

    2 Storno, G. D. and Tan, K. Mining genome databases to identify and understand new gene regulatory systems. Curr. Opin. Microbiol., Oxon, v.5: p. 149-153, 2002

    3 Lucchini, S., Thompson, A. and Hinton, J. C. D. Microarrays for microbiologists Microbiology, Reading v.147: p.1403-1414, 2001

    4 Posas, F., et al. The transcriptional response of yeast to saline stress J. Biol. Chem., Bethesda, v.275, p.17249-17255, 2000

    5 Vandecasteele, S. J. et al Quantification of expression of Staphylococcus epidermidis housekeeping genes with Taqman quantitative PCR during in vitro growth and under different conditions J. Bacteriol, Washington, v.183 p.7094-7101, 2001

    6 Rolland, F. Winderickx and Thevelein, J. M. Glucose-sensing mechanisms in eukaryotic cells Trends Biochem. Sci., Oxon, v.26: p.310-317, 2001

    7 Cohen, P., The regulation of protein function by multisite phosphorylation – a 25 year update Trends Biochem. Sci., Oxon, v. 26: p 596-601, 2001

    8 Tang, Y. and Guest, J. R. Direct evidence for mRNA binding and pós-transcriptional regulation by Escherichia coli aconitases Microbiology, Reading, v.145: p. 3069-3079, 1999

    9 Gavin, A. et al. Functional organization of the yeast proteome by systematic analysis of protein complexes Nature, London, v. 415: p.141-147, 2002

    10 Newman, D. K. and Banfield, J. F. Geomicrobiology: How molecular-scale interactions underpin biogeochemical systems Science, Washington, v.296: p.1071-1077, 2002

    11 Kitano, H. Systems biology: A Brief Overview Science, Washington, v 295: p.1662-64, 2002

    12 Torsvik, V. Ovreas, L. Thingstad, T. F. Prokaryotic Diversity - Magnitude, dymanics and controlling factors Science, Washington, v. 296: 1064-1066, 2002

     

     

    * Professora Titular do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFPR e presidente da SBPC.