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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.54 n.1 São Paulo jun./sep. 2002

     

     

    PATRIMÔNIO AMEAÇADO

    Projeto de hidrelétrica na Amazônia coloca em risco sítios arqueológicos

     

    Ao contrário do que se pensa, a riqueza da Amazônia não está somente em sua alta diversidade natural e étnica. Em suas regiões menos habitadas esconde-se um rico patrimônio histórico-arqueológico, gradualmente descoberto e estudado pelos pesquisadores. Infelizmente, muitos desses sítios arqueológicos somente são revelados e documentados quando sua integridade é ameaçada por grandes empreendimentos.

    É o caso do rico patrimônio arqueológico existente nas margens do rio Araguaia, no Norte do Estado de Tocantins. Um belíssimo conjunto de cerâmicas, pinturas e gravuras rupestres encontra-se espalhado no solo e nas paredes e pedras de uma região a ser inundada pela represa de Santa Isabel. “Trata-se de uma área arqueológica pouco conhecida, que precisa urgentemente ser estudada”, alerta a arqueóloga Edithe Pereira, do Museu Emílio Goeldi.

    Em novembro de 2001 foi leiloada a concessão para a construção de uma hidrelétrica no local e o grupo vencedor, controlado pelas mineradoras Companhia Vale do Rio Doce (43,9%), Billiton Metais (20,6%) e Alcoa Alumínio (20,0%), é grande consumidor de energia elétrica e busca autonomia neste setor. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da obra realizado antes do leilão não foi aprovado pelo Ibama, o que, no entanto, não impediu as empresas de oferecerem um lance de R$ 61 milhões, a serem pagos anualmente a partir do término da obra.

    A ameaça de construção da usina acabou sendo responsável pelos primeiros estudos arqueológicos na área. O levantamento arqueológico sob responsabilidade da Fundação Casa de Cultura de Marabá (FCCM) e Museu Emílio Goeldi começou ainda em 1986, quando se projetava construir uma hidrelétrica ainda maior. Pouco depois, o projeto da hidrelétrica foi paralisado mas a FCCM continuou o trabalho e identificou a maioria dos sítios.

    A crise do setor elétrico e os projetos desenvolvimentistas do governo federal para a Amazônia provocaram a retomada da iniciativa de construção da usina. A hidrelétrica terá impacto direto em 42 sítios e, indiretamente, em outros 50 sítios, além de deslocar compulsoriamente mais de duas mil pessoas. No EIA mais recente, fornecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), consta um projeto de resgate do patrimônio a ser realizado pela equipe de arqueólogos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    Edithe Pereira, que participou da elaboração do estudo, tem restrições quanto à construção da hidrelétrica, devido à conseqüente submersão de alguns importantes sítios arqueológicos. Para ela, seria mais interessante o desenvolvimento de um projeto de turismo sustentável para o local, dada a existência de atrativos naturais e históricos.

     

     

    Para o arqueólogo Carlos Magno Guimarães, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que também participou do EIA, as perdas são inevitáveis: “O impacto de empreendimentos sobre o patrimônio arqueológico e ambiental é sempre muito grande pois significa destruição do contexto e do entorno”.

    A ilha dos Martírios, que fica no meio do rio Araguaia, será alagada. “Na ilha, existem por volta de cinco mil gravuras rupestres conhecidas mas o local não está totalmente explorado e tem um conjunto enorme ainda não estudado de pinturas e gravuras. No momento, tento identificar com quais outras obras de arte rupestre brasileira elas se relacionam porque com o norte da Amazônia eu sei que não é”, afirma Edithe Pereira.

    Arqueologia no Norte do Brasil Encontrar sítios arqueológicos na Amazônia não é algo raro. Com freqüência, trabalhadores rurais encontram objetos em cerâmica ao prepararem a fértil “terra preta”amazônica para o plantio. Parte deste material acaba destruído pois eles não conhecem a importância desses objetos.

    Os maiores destruidores dos sítios, contudo, são os grandes empreendimentos. Desde 1986, usinas precisam realizar um estudo de impacto ambiental para rastrear danos ao ambiente, à população e ao patrimônio histórico e cultural. Se algum possível dano for constatado o empreendedor é obrigado a custear projetos que minimizem os efeitos.

    Para Guimarães, falta ao Brasil uma mentalidade que reconheça a importância do patrimônio arqueológico. Além disso, segundo ele, existe um mercado que incentiva a depredação dos sítios e a evasão de peças para o exterior.

    No início do ano passado, foram encontradas diversas urnas mortuárias durante obras de construção de casas populares, a cargo do governo do Amazonas. Trata-se de um dos maiores sítios arqueológicos da região e boa parte do material foi destruído antes da intervenção do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), órgão que pode paralisar as obras quando vestígios desse tipo são encontrados.

    Com o aumento do número de empreendimentos na Amazônia, a região Norte do País tem sentido a falta de arqueólogos que dêem conta dos estudos para a região. O maior centro de arqueologia do Norte do Brasil está no Museu Emílio Goeldi, mas a maioria dos arqueólogos brasileiros está no Sul e Sudeste.

    Falta integração nacional entre os trabalhos arqueológicos, reclama a pesquisadora Janaína Santos, da equipe da arqueóloga Niède Guidon no Parque Nacional Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí. “Os estudos são desenvolvidos individualmente, sem integração nacional, ou mesmo regional, dos dados até hoje obtidos. O apoio para a pesquisa ainda é insuficiente para a potencialidade dos dados arqueológicos do Brasil”, complementa. O Parque Nacional da Serra da Capivara possui a maior concentração de sítios arqueológicos conhecida nas Américas.

     

    Rafael Evangelista