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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.55 no.2 São Paulo Apr./June 2003

     

     

    FISIOLOGIA

    Pesquisa avalia rotina de mergulhadores em águas profundas

     

    Mais uma despedida da família. O retorno será nos próximos 28 dias, quando suas tarefas se encerrarem e ele poderá, finalmente, sair do confinamento da câmara hiperbárica, onde vive sob altas pressões atmosféricas. O espaço, o entretenimento e o contato com o mundo exterior são restritos. Essa é a rotina de um mergulhador profissional, que ganha a vida trabalhando, sobretudo, na manutenção de plataformas de petróleo.

    Verdadeiros astronautas do mar, são bem preparados fisicamente e recebem treinamentos rigorosos de segurança, técnica, vida animal e fisiologia humana, para atingirem, com tranqüilidade, profundidades de 290 metros, onde a pressão chega a ser 30 vezes maior que na superfície. Essa exposição do corpo a ambientes extremos é o foco de uma pesquisa desenvolvida por professores da Escola Paulista de Medicina, em colaboração com Mário Augusto Ferrari de Castro, estudante do terceiro ano de medicina da Universidade Metropolitana de Santos e a DiversUniversity, única empresa no Brasil que oferece cursos de mergulho profissional com a autorização da Marinha.

    O objetivo é detectar que tipos de alteração sofrem esses mergulhadores para se adaptarem ao ambiente de alta pressão, explica Ferrari de Castro, idealizador do projeto e mergulhador há 16 anos. Para o estudo, a equipe aproveitou a participação de 50 alunos que realizavam curso de mergulho raso ou profundo, expostos a diferentes pressões.

     

     

    Para entender melhor como funciona a pressão nas profundidades é importante lembrar que a cada 10 metros ao fundo a pressão atmosférica aumenta em uma unidade, ou seja, aos 10 metros a pressão será duas vezes a da superfície, aos 20 metros será três vezes maior e assim por diante. Uma experiência simples para medir o efeito da pressão é frequentemente realizada por mergulhadores, que levam consigo uma lata de alumínio vazia para o fundo. Conforme profundidades maiores vão sendo atingidas, a lata vai sendo amassada pelo aumento da pressão. No corpo humano, um dos efeitos conhecidos é o aumento da dissolução do gás nitrogênio, que compõe o ar respirado, no sangue e nos tecidos. Essa dissolução atinge um limite, deixando o mergulhador saturado. No retorno à superfície, ocorre o oposto, ou seja, diminui a pressão e os gases se expandem, podendo formar bolhas e até causar doenças descompressivas, como a embolia, causadas principalmente quando a subida é feita de maneira brusca.

    Por isso, o confinamento em câmaras hiperbáricas é tão importante para garantir a descompressão desses profissionais com segurança. As descompressões seguem um padrão firmado em tabelas, que delimitam o tempo de permanência do mergulhador em várias profundidades e o seu tempo de subida. Essas tabelas garantem que o mergulhador não tenha doenças descompressivas, mas pouco ainda se sabe sobre as alterações de sua fisiologia.

    As primeiras pistas estão sendo coletadas em dois grupos. No primeiro, 32 mergulhadores do curso de mergulho raso (profundidades de até 50 metros) que permaneceram 88 minutos em uma pressão de 6 atmosferas e, por estarem expostos a alta pressão por pouco tempo, foi considerado o grupo agudo, que sofre saturação rápida.

    Já o outro grupo, composto por 20 mergulhadores de profundidade (que irão mergulhar a profundidades na faixa de 100 a 300 metros), permaneceu por 36 horas a uma pressão de 2,2 atmosferas o que equivale a 12 metros de profundidade, e portanto uma exposição crônica. Os dois grupos permitiram comparar situações distintas de pressão atuando sobre o corpo e também o efeito do confinamento.

    Nessa primeira etapa da pesquisa foram feitas medições cardio-respiratória, através de eletrocardiogramas e de pressão arterial a cada 4 horas, no caso do grupo crônico; e, no agudo, as medições foram feitas antes e depois do confinamento. Os resultados preliminares indicam um decréscimo significativo na frequência cardíaca tanto na exposição aguda (de 77 para 65) como na crônica (de 85 para 67) e apenas no grupo com exposição crônica houve diminuição na frequência respiratória (de 13 por 9 para 10 por 4) apontando para alterações cardio-respiratórias durante a exposição hiperbárica. O que leva a essas alterações é um dos alvos de estudo da pesquisa.

    Na segunda etapa, a equipe pretende analisar amostras de urina e sangue e, mais tarde, realizar estudos neurológicos envolvendo respostas motoras. O que se quer saber é se a concentração de substâncias como o cálcio, fosfato e glicose é alterada quando o corpo é submetido a altas pressões. Existem, porém, problemas operacionais, lembra Campos Jr, em relação à retirada do sangue dos mergulhadores uma vez que é um exame invasivo, diferente dos outros. Para driblar essa dificuldade é possível que amostras sejam coletadas antes e depois do mergulhador entrar na câmara hiperbárica para efeito comparativo. O trabalho será apresentado na Faseb, Congresso de Biologia Experimental neste mês de abril, nos Estados Unidos.

     

    Germana Barata