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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.55 no.2 São Paulo Apr./June 2003

     

     

    CONVERSANDO COM O EMPREENDEDOR DE SOFTWARE

    Renato S. Toi

     

    Este texto pretende transmitir a novos empreendedores de software uma visão pessoal de fatores a serem considerados ao se iniciar um novo negócio. Os fatores se aplicam em especial a um negócio de software que se propõe a realizar crescimento acelerado, trabalhar com tecnologia avançada, e remunerar adequadamente o trabalho e o capital investidos.

    Em primeiro lugar, apresentam-se quatro aspectos-chave no planejamento e organização de uma nova empresa. Em seguida destaca-se o importante assunto dos canais de vendas. O texto se encerra com uma análise pessoal do contexto atual de negócios.

     

    QUATRO ASPECTOS DA EMPRESA

    Os riscos e as oportunidades para a empresa podem ser avaliados em quatro aspectos: Mercado, Tecnologia, Recursos Humanos e Capitalização. Em cada um deles, a maneira como se enfrentam os riscos e se aproveitam as oportunidades é determinante no sucesso do empreendimento.

     

    MERCADO O maior risco para o empreendedor quanto ao mercado é concentrar sua atenção no mercado como um entidade própria. Minha opinião é que mercado deve ser apenas uma denominação abreviada para "Lista de clientes, com nome, telefone e endereço para contato". Considerações tais como : "este é um mercado de US$ 56 milhões por ano, do qual pretendemos adquirir 5% no primeiro ano, 25% no segundo ano e 50% no terceiro ano", são excelentes para elaborar um plano de negócios, mas são de pouca utilidade para aquilo que realmente importa: conhecer os clientes, suas necessidades, os fatores importantes na decisão de compra, como garantir sua fidelidade e finalmente: como vender.

    O negócio principal do seu cliente provavelmente não é vender software. Nesses casos, software pode ser encarado como um "bem de produção", usado pelo cliente para produzir produtos ou serviços. Se este for o seu caso, torna-se essencial que você e sua empresa conheçam o negócio do seu cliente, de forma a identificar sua oportunidade de negócios a partir de necessidades concretas. Analisar o negócio do seu cliente, e tomar atitudes que criem vantagens competitivas para ele, a partir do uso do seu produto é uma excelente abordagem para conquistar e fidelizar o cliente.

     

    TECNOLOGIA A maioria das empresas de tecnologia é criada por colegas de faculdade, ou por profissionais formados em épocas diferentes, mas com a mesma titulação. Consequentemente, o conteúdo técnico é o ponto forte dessas empresas, viabilizando a criação de diferenciais competitivos a partir do conteúdo tecnológico dos produtos. Este diferencial cria a principal oportunidade para a empresa e, invariavelmente, leva à sua criação com o seguinte raciocínio: "vamos criar a empresa, desenvolver o produto e procurar os clientes". Aí está também o maior risco para a empresa, já que antes de desenvolver o produto é necessário cumprir corretamente as tarefas relacionadas ao mercado, conforme já exposto.

    É importante ressaltar a aqui a necessidade de uso de padrões de mercado em desenvolvimento de software. Metodologias reconhecidas e práticas de qualidade (ISO, CMM, Spice, etc.) podem contar a favor da sua empresa na avaliação pelo cliente. Por outro lado, a falta de metodologia estruturada ou de práticas de qualidade, provavelmente contarão contra a sua empresa ao ser comparada com outras empresas onde existam essas práticas ou metodologias.

     

    RECURSOS HUMANOS A formação de equipes em empresas iniciantes tem características especiais. Enquanto equipes homogêneas oferecem menores riscos de divergências internas, podem sofrer conseqüências exatamente pela falta de pensamentos divergentes. Conforme comentado no item anterior, as empresas são geralmente criadas por uma equipe homogênea em termos de formação. Um "tempero" na equipe, concretizada pela inclusão de profissionais de formação e histórico diversos, tal como a diversidade genética de uma população, é um fator importante para a capacidade da equipe de inovar e se adaptar a novas situações. Na prática, a melhor solução para a questão dos recursos humanos, é que o dirigente (ou dirigentes) da empresa constituam a equipe a partir de um conjunto heterogêneo, e que se administre a convivência e os conflitos naturais, de forma a aproveitar produtivamente o vetor resultante dos pensamentos divergentes.

    No caso de produtos ou serviços de software, a motivação da equipe de desenvolvimento afeta profundamente a qualidade e a produtividade da empresa. Chamo a atenção para um ponto importante nessa motivação: em uma experiência anterior, o fator mais importante para a motivação da equipe estudada foi a qualidade do direcionamento da empresa. Assim sendo, em uma empresa de software, é fator fundamental para a motivação que a equipe de gerência seja capaz de estabelecer uma direção estratégica clara e que transmita à equipe uma sensação de domínio do quadro de mercado e de tecnologia.

     

    CAPITALIZAÇÃO A capitalização das empresas iniciantes tornou-se um assunto merecedor de manchetes e reportagem de capa em publicações de negócios, tecnologia e até em publicações destinadas ao público acadêmico e ao público em geral. Há iniciativas privadas e públicas para capitalização de empresas iniciantes, em diversos modelos no Brasil.

    A oportunidade de capitalização a partir de Capital de Risco (Venture Capital) oferece aos empreendedores uma alternativa interessante para suprir o capital normalmente necessário em todas as fases de crescimento acelerado.

    Entretanto, a criação de empreendimentos que exijam investimentos de terceiros para sua viabilização, cria riscos adicionais para os empreendedores. A partir da entrada do investidor, a equipe de gestão, que já tem a responsabilidade de satisfazer clientes, desenvolver produtos, administrar os recursos humanos e materiais, deverá ainda levar em conta os interesses do investidor, que deseja maximizar a remuneração do capital investido.

    A solução mais segura para a necessidade de capitalização é viabilizar o crescimento da empresa com recursos próprios, oriundos dos sócios, ou resultantes do sucesso comercial da empresa. Em caso de oferta de capital externo, sugiro que este capital seja acompanhado de oferta de colaboração na gestão, de forma que o compromisso de remuneração de capital tenha uma contrapartida na divisão de responsabilidades dentro da equipe de gestão. Julgo, na verdade, que esta oferta de colaboração na gestão, é ainda mais importante para o empreendedor que o capital oferecido, pois o conteúdo de gestão agregado nessa ocasião pode influir de maneira decisiva nos rumos do empreendimento.

    Para as empresas de software, a primeira necessidade de capital é derivada dos investimentos no desenvolvimento de produtos. Nos últimos dois anos surgiram no Brasil iniciativas estaduais e federais de fomento ao desenvolvimento de tecnologia. Como exemplo, cito aqui o programa Prosoft, do BNDES, o programa Pipe da Fapesp e os programas federais: CT-Info, do MCT e o VentureForum, da Finep. Estas são excelentes iniciativas para atender as necessidades de capitalização, nas diferentes fases de desenvolvimento da empresa.

     

    CANAIS DE VENDA

    A abordagem mais comum em empresas iniciantes, no que se refere à estrutura comercial, é montar uma equipe própria, e buscar atingir o mercado apenas com esta equipe. (A exceção que encontro é nas empresas que produzem jogos de computador, que sabem que serão remuneradas com apenas 10% a 20% do valor de venda do jogo produzido, todo o restante do valor de venda do jogo é usado para remunerar os intermediários comerciais).

    As vantagens de ter uma equipe própria são:

    1. maior proximidade com os clientes e suas necessidades

    2. melhor margem em cada venda.

    As desvantagens são:

    1. maiores custos de venda

    2. limitação em alcance geográfico e acesso a novos segmentos de mercado

    3. limitação de portfólio de produtos disponibilizados aos vendedores.

    A melhor solução para a estruturação do canal de vendas é combinar as duas alternativas. Manter equipe própria, tendo como objetivo principal manter o canal de comunicação direta com o cliente, e priorizar vendas através de parceiros comerciais bem remunerados, com máxima abrangências geográfica e atingindo o maior número de segmentos industriais possível.

    A utilização de canais de vendas, para uma empresa de software, acarreta não apenas uma mudança na atuação da equipe comercial. Também o desenvolvimento de produtos deve estar ciente do uso dos canais, e os produtos devem ser especificados e desenvolvidos de forma que os canais de vendas sejam negócios viáveis e competitivos.

     

    CONTEXTO ATUAL DE NEGÓCIOS UMA ANÁLISE PESSOAL

    Ao planejar estrategicamente o negócio, o empreendedor deve analisar o contexto empresarial, social e econômico. Segue uma breve análise do momento atual, realizada a partir de observações pessoais recentes.

     

    MUDANÇA E VELOCIDADE DA MUDANÇA A mudança mais marcante que observei nos últimos meses foi o aumento da velocidade das mudanças. O cenário de negócios, que inclui as compras pelos clientes e sua capacidade de investimentos, as margens de lucro que se pode praticar, o volume de negócios disponíveis e a competição em quase todos os mercados, sofreram mudanças profundas, principalmente a partir do segundo semestre de 2001. A partir daí, sucederam-se alterações nas perspectivas de negócio em um ritmo inédito. Em muitos casos, três meses foram suficientes para alterar dramaticamente a condição de uma empresa, seja para melhor ou para pior.

    Caracterizo este passado recente nas seguintes fases:

    Primeira fase, iniciada no segundo semestre de 2001: "O ano acabou, volte no ano que vem". Esta frase foi ouvida por muitos profissionais da área comercial ao promover negócios junto aos clientes. Cada segmento de mercado iniciou esta fase em um momento particular. Meu testemunho pessoal é que os primeiros a sentirem o impacto foram os varejistas, em julho de 2001, quando alguns lojistas reportaram quedas significativas em vendas (acima de 20% de queda em relação ao ano anterior). Outros segmentos tiveram o privilégio de manterem estáveis suas vendas até março de 2002.

    Segunda fase, iniciada no primeiro semestre de 2002. "Estagnação Darwinista". Para ilustrar esta fase, cito aqui um empreendedor ouvido recentemente: "Se minha empresa não tivesse contratos que garantem uma pequena receita mensal, eu já estaria procurando emprego em outra empresa". Sem conseguir transformar em negócios os contatos iniciados a partir do segundo semestre de 2001, muitas empresas fecharam as portas. As que conseguiram superar esta fase, o fizeram à custa de muito sacrifício, seja do caixa da empresa, do quadro de pessoal, ou até do patrimônio pessoal dos empreendedores. O resultado desta fase foi uma seleção dos mais aptos - as empresa que tiveram estômago mais forte para tomar as medidas necessárias para a sobrevivência, encontraram ao final uma realidade dura, mas que oferece oportunidades de continuidade.

    Terceira fase, iniciada nos últimos meses de 2002. "De brisa em popa". Esta fase, que é a fase atual, caracteriza-se pela retomada da realização de vendas. Meu comentário pessoal sobre este momento, é : "há uma brisa, não um vento, e ela está em popa". Esta fase foi precedida por "suspiros" do mercado no segundo semestre de 2002, quando clientes retomaram algumas negociações interrompidas em 2001. Uma mudança surpreendente foi o fechamento de negócios no período entre festas de fim de ano e Carnaval - a tradição brasileira era "deixar para depois do Carnaval". Esta é uma fase de negócios concretos, com características marcantes: pedidos urgentes, com pagamento certo e em pequenos volumes.

    Minha conclusão é que, neste momento, há pouquíssimas oportunidades de negócios para produtos e serviços que não sejam essenciais à sobrevivência do comprador. Mesmo sendo essenciais, as aquisições são realizadas apenas mediante os recursos disponíveis, e se oferecerem retorno de investimento seguro a curto prazo.

     

    INICIANDO UMA EMPRESA

    Ao iniciar uma empresa neste momento, ou ao planejar estrategicamente uma empresa já existente, sugiro considerar o seguinte:

    1- Sua oferta deve estar relacionada ao negócio principal (core business) do seu cliente. Sendo bem sucedido neste ponto, você será procurado pelo cliente, ou bem recebido ao procurá-lo. Após um bom contato inicial, será chamado para iniciar negociações. Caso a sua oferta seja de um excelente produto, de ótima tecnologia, porém sem oferecer ganhos significativos para o resultado de negócios do seu cliente; você pode no máximo esperar dele manifestações de respeito e admiração, seguidas de agradecimentos, sem nenhuma perspectiva de continuidade de negociação comercial. Evite explicar seu produto com base nas suas características técnicas , e procure focar nos benefícios que o produto trará ao seu cliente (ex: "o banco de dados SQL oferece segurança e velocidade em todas as transações" x "o banco de dados usado garante que todas as autorizações de consulta médica serão registradas antes de autorizar o procedimento médico, e que as autorizações serão processadas sem interferir nos procedimentos administrativos da clínica").

     

     

    2- Seus preços, quando avaliados contra os benefícios da sua oferta, devem oferecer ao cliente um resultado expressivo. Para ser bem sucedido neste ponto, você deve conhecer a realidade do seu cliente de forma a assegurar que os ganhos oferecidos sejam relevantes, e deve evidenciar estes ganhos de forma inequívoca, sem criar temores quanto a inovações ou mudanças que tragam novos riscos ao seu cliente. Procure relacionar seus preços contra métricas conhecidas do seu cliente, ex: "o produto de software oferecido, quando relacionado com o volume total de consultas autorizadas, acarreta um custo de R$0,90 para cada autorização concedida. Atualmente cada consulta realizada por método manual custa R$1,50".

    3- Sua empresa deve oferecer segurança ao cliente. Especialmente no caso de produtos ligados ao negócio chave do seu cliente, a segurança transmitida pela sua empresa torna-se um item importante na decisão de compra. Para uma empresa pequena, o histórico anterior dos empreendedores e funcionários é o primeiro fator a considerar. Os fatores considerados a seguir são a carteira de clientes da sua empresa e suas parcerias comerciais e tecnológicas. Além disso, a rede de relacionamento da sua empresa também pode influenciar a decisão de compra pelo seu cliente. No caso de produtos de software para mercados verticais, é importante demonstrar que as melhorias propostas foram verificadas na prática, em situações reais de operação do produto.

    Para concluir esta análise, lembro que para o empreendedor é sempre mais importante "fazer a pergunta certa". Para o funcionário, o importante é "responder certo" à pergunta do patrão. Em situações de mudanças aceleradas, a pergunta essencial é: "Que momento é este, e como devo aproveitá-lo em favor da minha empresa ?". Tomo a liberdade - herética - de citar Jung, que dizia que a Astrologia usa a posição dos astros para identificar o momento atual, de forma análoga aos ponteiros do relógio, que indicam a hora atual. É sabido que alguns empresários recorrem à astrologia para tomada de decisão, enquanto outros baseiam-se na sua própria intuição. Outros ainda praticam o que denomino "superstição empresarial", supondo que práticas que funcionam em outras empresas devem funcionar na sua, ou que práticas que funcionaram no passado na sua empresa devem continuar a funcionar no presente. Acho inútil julgar o valor ou o mérito de qualquer abordagem, já que o importante para a empresa é atingir os resultados. Piorando ainda mais a heresia já cometida, lembro que até relógio parado dá a hora certa duas vezes por dia.

     

    Renato S. Toi é diretor da VentureLabs.