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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.55 n.3 São Paulo jul./set. 2003

     

     

    PROGRAMA BIOTA/FAPESP: UM NOVO PARADIGMA NO ESTUDO DA CONSERVAÇÃO E DO USO SUSTENTÁVEL DA BIODIVERSIDADE

    Carlos Alfredo Joly
    Érica Speglich

     

    Em função de sua posição geográfica, na transição entre a região tropical e a região subtropical, e de seu relevo, a biodiversidade do estado de São Paulo está entre as mais elevadas do país. Entretanto, ao longo de processo de desenvolvimento econômico, grande parte desta riqueza foi destruída. Na época do descobrimento os dois principais biomas, Mata Atlântica sensu lato (1) e o Cerrado (2) recobriam, respectivamente, 83% (3) e 14% (4) da superfície do estado.

    Da Mata Atlântica resta hoje cerca de 12% da cobertura original e somente na fachada da Serra do Mar e no Vale do Ribeira há remanescentes significativos da vegetação original. No interior do estado, em função particularmente da expansão da cafeicultura, no período que se inicia em 1840 e se estende até meados do século passado, os remanescentes de mata nativa estão extremamente fragmentados.

    Apesar de mais recente, a destruição do Cerrado ocorreu em um ritmo avassalador. Em 40 anos, do início da década de 60 ao final do século, o estado destruiu mais de 98% de suas áreas de Cerrado. O período crítico da devastação, final da década de 70, está associado ao Proálcool e à conseqüente expansão da cana. Na década seguinte, a citricultura passa ser o principal fator de pressão para a ocupação das áreas de cerrado. Como conseqüência, da área originalmente coberta pelo Cerrado restam hoje somente 230 mil hectares, pulverizados em 8,3 mil fragmentos, mais de 4 mil deles com menos do que 10 ha, e somente 47 com uma área superior a 400 ha (4).

    A importância destes dois biomas, Mata Atlântica e Cerrado, em termos de conservação da biodiversidade fica evidente com a inclusão de ambos na lista dos hotsptots (5). Portanto, não é uma surpresa que, para qualquer grupo taxonômico, os índices de biodiversidade sejam altos em São Paulo. São cerca de 8 mil espécies de plantas superiores, 5,5 mil de algas, 2 mil de vertebrados e mais 500 mil de invertebrados. Aproximadamente 30% destas espécies são endêmicas. Em relação a microrganismos é impossível fazer uma estimativa da diversidade.

    O maior problema para que pesquisadores e formuladores de políticas públicas utilizem as informações disponíveis sobre a biodiversidade, é que estas são fragmentadas, estão dispersas em centenas de trabalhos e publicações, e muitas vezes estão em fontes de difícil acesso (teses, dissertações, monografias). Conseqüentemente, além de representarem uma pequena parcela desse vasto universo, o acervo de dados disponíveis ainda é subutilizado.

    O desafio, nessa área estratégica para o país, era o desenvolvimento de um sistema de informação ambiental que permitisse, concomitantemente: a) aumentar o conhecimento acadêmico sobre a biodiversidade; b) estabelecer mecanismos e estratégias para utilizar este patrimônio de forma sustentável e; c) aperfeiçoar o conjunto de políticas públicas de forma a assegurar a implementação das premissas preconizadas pela Convenção sobre a Diversidade Biológica (www.biodiv.org).

     

    METODOLOGIA

    1. ARTICULAÇÃO DA COMUNIDADE Em abril de 1996, a coordenação de Ciências Biológicas levou à diretoria científica da Fapesp a proposta de se organizar uma reunião com pesquisadores que atuam no amplo espectro que a temática conservação e uso sustentável da biodiversidade abrange. Nesta reunião ficou patente o interesse dos pesquisadores na criação de um programa de pesquisas enfocando, especificamente, esta temática. Esta iniciativa foi, inicialmente, denominada Biota-SP (www. biota.org.br/info/historico/).

    Desde o primeiro momento, o Grupo de Coordenação do Biota-SP (www.biota.org.br/info/historico/coordenadores) optou pela internet como ferramenta de conexão entre os pesquisadores, espalhados por dezenas de instituições do estado, criou uma homepage (www.biota.org.br) e uma lista de discussão (www.biota.org.br/mailman/listinfo/biotasp-l).

     

     

    Visando estruturar esse programa de pesquisas, o grupo de coordenação organizou o workshop "Bases para a Conservação da Biodiversidade do Estado de São Paulo" (www.biota.org.br/info/historico/workshop/). Realizada em julho/1997 em Serra Negra/SP, essa reunião contou com a participação de mais de 100 pesquisadores de todas as áreas do conhecimento envolvidas. A qualidade e a quantidade de informações inéditas dos documentos gerados pelos grupos de trabalho, levou o grupo de coordenação a organizar sua publicação em um conjunto de sete volumes que constituem a série "Biodiversidade do estado de São Paulo: síntese do conhecimento ao final do século XX" (www.biota.org.br/publi/livros/).

    A plenária final do workshop optou por utilizar a definição de biodiversidade da CDB (6) e definiu os objetivos e metas do programa (www.biota.org.br/info/metas):

    a) compreender os processos que geram e mantêm a biodiversidade, assim como aqueles que resultam na sua redução;

    b) padronizar as coletas tornando obrigatório o uso do GPS;

    c) tornar as informações importantes para o aperfeiçoamento das políticas públicas de conservação e uso sustentável da biodiversidade, disponíveis para os órgãos responsáveis por sua definição e implementação;

    d) assegurar o acesso público, livre e gratuito a estas informações;

    e) melhorar o nível do ensino relacionado com a temática conservação e uso sustentável da biodiversidade, em todos os níveis formais e informais de ensino.

    A plenária definiu ainda que, na fase inicial, os pesquisadores interessados em participar do programa se organizariam em projetos temáticos e que o Grupo de Coordenação promoveria a integração destes projetos, de forma a otimizar a complementaridade de esforços e evitar a sobreposição temática e/ou geográfica. Como resultado, já no início de 1998 foram encaminhados à Fapesp 18 projetos temáticos que, juntamente com a proposta conceitual do programa, foram avaliados por uma assessoria internacional designada pela diretoria científica. A assessoria internacional foi unânime em aprovar as bases conceituais do programa e, na sua maioria, os projetos temáticos foram muito bem avaliados. Com base nesta avaliação altamente positiva o conselho superior da Fapesp, em sua reunião de 10 de fevereiro de 1999, decidiu criar o Programa Biota/Fapesp – O Instituto Virtual da Biodiversidade. O lançamento oficial do programa ocorreu no dia 26 de março de 1999.

    2. DEFINIÇÃO DA FICHA PADRÃO DE COLETA A definição dos campos mínimos obrigatórios da Ficha Padrão de Coleta foi o resultado de uma ampla discussão com todos os integrantes dos projetos temáticos. Esta discussão, iniciada no workshop de Serra Negra, prolongou-se por cerca de um ano, com visitas a todas as instituições envolvidas. Esta metodologia permitiu a identificação das informações utilizadas por todos os pesquisadores, independente do grupo taxonômico estudado, resultando na definição de nove campos mínimos obrigatórios, e de campos complementares específicos para cada grupo taxonômico. Hoje, a Ficha de Coleta Padrão (http://sinbiota.cria.org.br/info/fichapadrao) possui cerca de 40 campos opcionais que, periodicamente, são reavaliados.

    3. PADRONIZAÇÃO DAS LISTAS DE ESPÉCIES Para viabilizar a construção do banco de dados era necessário padronizar, também, o formato das listas de espécies que acompanham a ficha padrão de coleta. Novamente o processo de definição envolveu a consulta, ao longo de um ano, a todos os participantes do programa e especialistas de grupos ainda não contemplados nos projetos participantes. Como resultado, o programa padronizou as listas de espécies para todos os 168 grupos taxonômicos hoje reconhecidos (http://sinbiota.cria.org.br/info/grupopub?template).

    4. BASE CARTOGRÁFICA No workshop de Serra Negra constatou-se a inexistência de uma base cartográfica atualizada, que permitisse a localização exata dos locais amostrados bem como uma visualização espacial das coletas. Estas informações são essenciais tanto para a definição de estratégias de conservação como para a definição de prioridades de estudo. Ficou patente que era necessário desenvolver e disponibilizar on line uma base cartográfica precisa e atual.

     

    RESULTADOS

    Quatro anos após sua criação oficial, o Programa Biota/Fapesp conta hoje com 36 projetos (entre Temáticos, Auxílios à Pesquisa e Jovens Pesquisadores), que envolvem cerca de 400 pesquisadores doutores vinculados a universidades públicas, particulares, institutos de pesquisa, centros da Embrapa e a ONGs. O programa envolve ainda cerca de 80 colaboradores de outros estados, 50 do exterior e 300 alunos de graduação e pós-graduação. A lista de projetos e respectivas equipes está disponível no endereço (www.biota.org.br/projeto/index?search).

    O uso da Ficha Padrão de Coleta e do modelo padronizado de listas de espécies permitiu a construção de um banco de dados que integra as informações produzidas por todos os pesquisadores que participam do programa. Esse banco de dados, que roda em um servidor Intel/Linux e utiliza PostgreSQL, tem uma interface com usuários via plataforma Web. Os pesquisadores cadastrados têm senhas que permitem a entrada de dados on line de qualquer computador conectado a internet. O acesso a estes dados é público e gratuito.

    O Sistema de Informação Ambiental/SinBiota(http://sinbiota.cria.org.br) foi desenvolvido de forma a permitir no futuro, se for esta a opção do Brasil e dos pesquisadores que participam do programa, uma conexão com iniciativas como o Species 2000 (www.sp2000.org) e o Global Biodiversity Information Facility/GBIF (www.gbif.org).

    O Atlas do programa Biota/Fapesp (http://sinbiota.cria.org.br/ atlas) é o resultado da digitalização das 416 cartas, na escala 1:50.000, do IBGE de 1972. Os temas Manchas Urbanas; Malha Viária; Limites Municipais; Hidrografia; Limite das Unidades de Gerenciamento Hídrico; Topografia; Áreas de Reflorestamento; Limites das Unidades de Conservação; e Remanescentes de Vegetação Nativa foram atualizados com base nas imagens do Landsat 5 e do Landsat 7 de 1998/2000.

    Como as coordenadas geográficas, obtidas com GPS, são um campo obrigatório da Ficha de Coleta Padrão, é possível conectar o banco de dados de informações textuais com o mapa digital, permitindo a visualização on the fly da distribuição espacial das espécies cadastradas no sistema. O sistema permite que o usuário construa e imprima um mapa com as características que necessitar.

    Completando esse conjunto de ferramentas, em 2001 o programa Biota/Fapesp lançou a Biota Neotropica (www.biotaneotropica.org.br), uma revista científica on line only que publica os resultados de projetos de pesquisa, associados ou não ao programa, relevantes para a caracterização, a conservação e o uso sustentável da biodiversidade na região neotropical.

    Três aspectos foram de fundamental importância para o sucesso do Biota/Fapesp, e continuam motivando novos grupos de pesquisadores a ingressarem no programa:

    a) o caráter inusitado do processo de criação do Biota/Fapesp que, ao contrário da esmagadora maioria de iniciativas desse tipo, nasceu da articulação da comunidade científica em torno de objetivos e estratégias em comum. Com o inestimável apoio da diretoria científica da Fapesp, a comunidade científica se organizou e apresentou uma demanda que não só tinha qualidade, como refletia a maturidade necessária para optar por padronizar as coletas, utilizar a mesma base cartográfica e concordar em disponibilizar suas informações em um banco de dados público e de uso comum. Esta maturidade, que estabelece como novo paradigma o trabalho em cooperação, com dados sendo compartilhados, otimiza o uso de recursos humanos e financeiros e potencializa o uso dos resultados.

    b) o fato de os pesquisadores serem estimulados a trabalhar com os grupos taxonômicos e/ou temáticas na qual têm um interesse específico e, consequentemente, uma formação especializada. Portanto cada um continua trabalhando com o que gosta e tem afinidade, mas todos acrescentaram objetivos novos aos seus projetos, visando a integração com outros projetos do programa. O uso das ferramentas em comum não só otimiza esta integração como permite a identificação de novas interfaces entre áreas de pesquisa e/ou grupos de pesquisadores.

    c) o fato de, até hoje, tanto pesquisadores seniores como pesquisadores juniores participarem do processo de aperfeiçoamento das ferramentas utilizadas pelo programa e de seus caminhos, pois o Biota/Fapesp é o resultado de um esforço coletivo de construção e todos os integrantes participam diretamente das instâncias de decisão.

    Finalmente, cabe ressaltar que as inscrições no programa são feitas em regime de fluxo contínuo, por meio da submissão de uma pré-proposta seguindo as instruções disponíveis no endereço http://watson.fapesp.br/biota/menu.htm.

     

    Carlos Alfredo Joly é pesquisador do Departamento de Botânica/IB da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
    Érica Speglich é pesquisadora do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria)

     

     

    Notas e referências bibliográficas

    1. Joly, C.A., Aidar, M.P.M., Klink, C.A., McGrath, D.G., Moreira, A.G., Moutinho, P., Nepstad, D.C., Oliveira, A. A., Pott, A., Rodal, M.J.N. & Sampaio, E.V.S.B. "Evolution of the Brazilian phytogeography classification systems: implications for biodiversity conservation". Ciência e Cultura 51 (5/6) 331-368. 1999.

    2. Cavalcanti, R.B. & Joly, C.A. "Biodiversity and conservation priorities in the Cerrado region". In: Oliveira, P.S. & Marquis, R.J. The Cerrados of Brazil: Ecology and natural history of a neotropical savanna. Columbia University Press, NY, USA, pp 351-367. 2002.

    3. Victor, M. A. M. A devastação florestal. Sociedade Brasileira de Silvicultura, São Paulo, 48 p. 1975.

    4. Kronka, J.N.F.; Nalon, M.A.; Matsukuma, C.K.; Pavão,M.; Guillaumon, J.R.; Cavalli, A. C.; Giannotti,E.; Ywane, M.S.S.; Lima, L.M.P.R.; Montes, J. Cali, I.H.D. & Haack, P.G. Áreas de domínio do Cerrado no estado de São Paulo. São Paulo. Secretaria do Meio Ambiente. 1998.

    5. Myers, N., Mittermeier, R.A, Mittermeier, C.G., Fonseca, G. A B. & Kent, J. "Biodiversity hotspots for conservation priorities". Nature 403:852-858. 2000.

    6. Biodiversidade é a variedade organismos vivos - flora, fauna, fungos macroscópicos e microrganismos - provenientes de todas as fontes, incluindo terrestres, marinhas e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos do qual eles fazem parte, abrangendo a diversidade de genes e de populações de uma espécie, a diversidade de espécies, a diversidade de interações entre espécies e a diversidade de ecossistemas.