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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.55 no.3 São Paulo July/Sept. 2003

     

     

    Arte e ciência

    ESPÉCIES BRASILEIRAS SÃO IMORTALIZADAS EM PAPEL

     

    O registro em gravura, nanquim ou lápis de cor do movimento e de como se comportam animais brasileiros, muitos deles em extinção, tem feito parte, nos últimos 30 anos, do cotidiano da artista plástica carioca Angela Leite. Porém, para ela não basta observar. Com o rigor de uma pesquisadora, a artista mergulha fundo nas informações científicas e busca amparo em especialistas, que costumam acompanhá-la em viagens de campo. O encanto por animais domésticos e selvagens começou ainda menina: "por que não nasci cavalo?", questionou sua mãe, aos quatro anos, ao se deparar pela primeira vez com o animal. Mas, somente a partir de 1995, o reino vegetal passou, também, a povoar o ateliê de Angela, numa casa aconchegante e arborizada no coração da capital paulista. Seu trabalho começou com a reprodução de árvores majestosas, como cedro e a araucária, e seu projeto atual, iniciado há dois anos em parceria com o ornitólogo mineiro Luís Fábio Silveira, da USP, focou-se nos dois maiores símbolos nacionais: papagaios e palmeiras.

    Angela prepara uma série de casamentos entre palmeira e psitacídeos (família de papagaios, araras e periquitos), uma relação harmônica pois na árvore a ave abriga seu ninho, se alimenta dos côcos, acasala-se, se reúne ao bando ou descansa antes de seguir sua jornada. Esses encontros não podem ser criados só pela imaginação da artista, que busca na observação da natureza inspiração para seus trabalhos. Em abril deste ano, Angela viajou em companhia dos três filhos para uma fazenda de 400 alqueires em Goiás, mas não apenas para um passeio. Foi presenciar a simbiose de aves e plantas para compor o estudo que desenvolve com o ornitólogo da USP. Um dos peões da fazenda a informou que havia uma arara que pousava no buriti todo fim de tarde. "Eu fiquei simplesmente histérica, porque eu ia ver com os meus olhos toda a história acertada com o Luís [Silveira]". Após dois dias, conseguiu observar uma arara da espécie Diopsittaca nobilis (arara de pequeno porte e verde) pousada em um buriti. "A arara é da mesma cor do buriti e quando levanta vôo é amarelo azeitonada por baixo", descreve.

     

     

    Freqüentadora assídua de jardins botônicos e zoológicos, também observou animais silvestres apreendidos que seriam traficados. Entre eles, 13 araras azuis, vindas de diferentes estados brasileiros e duas delas de Singapura. Uma casal escolhido pela artista, serviu de modelo para seus primeiros retratos do casamento. São oportunidades raras de observar os animais em seu habitat e comportamento natural.

    Outra espécie de arara, não prevista inicialmente mas que acabou entrando no projeto, é a Cyanopsitta spixii (ararinha azul, em extinção). Não se tinha registro dela fazendo ninho ou descansando em palmeiras e o seu colega a desencorajou a usar a ave no projeto, mas a artista insistiu: a oportunidade surgiu ao ler um trecho do livro do alemão Helmut Sick onde dizia que essas araras faziam pequenas migrações e que ele vira, segundo ele próprio informou Angela, um bando de sete fazendo um vôo sobre um buritizal no sertão da Bahia, concluindo que elas visitassem estas palmeiras durante as migrações. “Para mim estava certo: faço um buriti e ponho sete voando em cima”, alegrou-se. As imagens de Angela tomam forma após muito tempo estudando os animais, através de livros e artigos científicos ou observando-os na natureza. “Só depois desse convívio, posso desenhar pois aí já sei a imagem que quero”, conta. Um dos raros animais pintados por ela sem jamais tê-lo visto ao vivo é a baleia. " Se já fiquei com taquicardia ao me deparar com um D. nobilis, o primeiro jequitibá que vi na floresta; o que vou sentir ao me deparar com uma jubarte fazendo um breaching [salto acrobático para fora d'água]?". A paixão pela natureza não serve apenas como instrumento de trabalho, Angela aproveita para divulgar sua campanha em defesa de animais tidos como agressivos, como ariranhas e lobos.

     

     

    O MOVIMENTO DAS ÁRVORES Um das fases mais importantes de sua vida foi quando recebeu aulas de pesquisadores da Embrapa- Florestas sobre a floresta do Caçador, em Santa Catarina. Parte das instruções aconteceram in locu, onde pôde perceber sua heterogeneidade: "em cada quarteirão a proporção de árvores é única". Foi com a ajuda do silvicultor Arnaldo Soares que a artista plástica ficou fascinada pela idéia das florestas serem móveis, "uma coisa que só um especialista podia me mostrar". Durante inúmeros ciclos, a floresta vai avançando sobre o campo, sendo sempre precedida pela plantas pioneiras, responsáveis por criar condições mais apropriadas para que outras plantas cresçam no local, até serem finalmente substituídas pelas árvores maiores. Chegando ao coração da floresta, Angela se viu diante de cedros e embuias com diômetros de tirar o fôlego, banhados por uma luminosidade e sonoridade particulares. "Foi uma emoção impressionante", lembra. Essas imagens compõem hoje seu acervo.

     

    Germana Barata