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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.55 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2003

     

     

     

    PONTAL DO PARANAPANEMA

    Conservação ambiental para um desenvolvimento sustentável na região

     

    O debate ambiental no Brasil tem sido incrementado com os resultados de estudos e ações práticas de grupos de pesquisas de fora do circuito oficial. Além das universidades e centros de pesquisa apoiados por instituições do governo, cientistas de entidades do terceiro setor têm desenvolvido pesquisas de alta qualidade para entender e sugerir melhorias na complexa interação do homem com o mundo natural.

    O conservacionista Laury Cullen Jr., coordenador do Instituto de Pesquisas Ecológicas - Ipê é um deles. Desenvolve há 12 anos seu trabalho de pesquisa em conservação ambiental no Pontal do Paranapanema, oeste de São Paulo, uma região marcada por conflitos agrários entre fazendeiros e integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Mas não é somente nos conflitos da luta pela terra que a questão agrária está presente no Pontal. Na paisagem, o agrário também se mostra evidente, em roças e pastos que cercam os últimos resquícios de Mata Atlântica da região.

    A experiência da equipe do Ipê no Pontal mostra que a pesquisa conservacionista não pode desconsiderar a interferência humana. Por este motivo, o Ipê passou a integrar a face social em suas atividades e tem alcançado resultados positivos em suas ações junto à unidade rural e em pesquisas científicas sobre a Mata Atlântica. Os resultados desse trabalho renderam a Cullen, no ano de 2002, o Whitley Gold Award, um importante prêmio de conservação ambiental.

     

     

    "A participação das comunidades locais na preservação dos resquícios de Mata Atlântica é muito importante", diz Cullen. Ele conta que os conflitos gerados entre os múltiplos usuários dos recursos naturais da região tiveram conseqüências negativas para o que resta de mata, principalmente devido à pecuária extensiva e à agricultura praticada pelos grandes latifúndios.

    MUDANÇA DE ATITUDE O empenho do Ipê para mudar a atuação dos fazendeiros e trabalhadores rurais sobre os resquícios de florestas em meio a roças e pastos, é uma conseqüência inevitável da complexa realidade sócio-econômica do Pontal, que já existia antes dos conservacionistas se encantarem pelas florestas da região.

    Localizado na confluência dos rios Paraná e Paranapanema, o Pontal é uma das mais pobres do estado de São Paulo e a região paulista com o maior número de famílias assentadas.

    No passado, a Mata Atlântica cobria áreas extensas do Pontal. Hoje, está dispersa em manchas verdes isoladas, formando uma paisagem nada exuberante se comparada à vegetação original. A ação humana descontrolada reduziu as áreas de florestas onde se encontravam animais em risco de extinção como o mico-leão-preto (Leonpithecus chrysopygus) e a onça pintada (Panthera onca). Atualmente, animais e espécies vegetais nativas dividem os cerca de 50 mil hectares de mata que restou no Pontal, divididos entre os 37 mil hectares do Parque Estadual Morro do Diabo, os 5,5 mil da recém-criada Estação Ecológica Mico-leão-preto, e cerca de 7,5 mil em reservas legais e áreas de preservação permanente.

    Cullen conta que atualmente o "abraço" dos assentamentos rurais em torno dos resquícios de Mata Atlântica na região é um desafio a ser enfrentado pelos pesquisadores e pelos agricultores, e salienta o empenho do Ipê em encontrar um modelo de desenvolvimento para a região, "que integre a conservação da mata com as necessidades dos múltiplos usuários dos recursos locais". Nesse contexto, diversas ações envolvendo pesquisadores do instituto e trabalhadores rurais têm sido colocadas em prática.

    Uma alternativa é incentivar o uso de sistemas agroecológicos, que misturem agricultura com floresta. "Na agroecologia estão presentes tanto conhecimentos tradicionais quanto os da ciência moderna". O pesquisador acrescenta que uma das vantagens do sistema é que ele funciona como zona de amortecimento da degradação nas bordas das matas, causada por roças e pastagens. Além de proteger a floresta, os agricultores têm acesso a uma área para produzir culturas diversificadas e ambientalmente sustentáveis, além de serem sistemas fáceis de serem implantados, sem muitos gastos. Segundo Cullen, para os sistemas agroflorestais serem aceitos e beneficiarem os trabalhadores rurais devem estar associados a pelo menos uma espécie vegetal de valor econômico, como o café.

    Esse tipo de ação do Ipê tem beneficiado não apenas a floresta, mas também os assentados. Plantando café com árvores de espécies variadas, eles vêm modificando a paisagem dos assentamentos rurais e gerando uma renda extra. O café apresenta alta qualidade e é cultivado com técnicas orgânicas menos agressivas ao ambiente, que concedem um diferencial importante no mercado ao produto.

    PESQUISA COM FOCO SOCIAL Para Irma Passoni, do Instituto de Tecnologia Social (ITS), a preocupação social do Ipê caracteriza as organizações do terceiro setor que fazem pesquisa no Brasil. "Trata-se de um diferencial importante: a pesquisa de C&T é voltada para a sociedade", afirma. "Na história do Brasil, a ciência trabalhou muitas vezes distante dos problemas reais da sociedade. As entidades sérias do terceiro setor, porém, estão sempre conectadas às demandas sociais", considera Irma.

    Apesar dos bons resultados, não existem políticas governamentais de apoio a essas iniciativas, o que Irma atribui ao pouco reconhecimento que se tem dos trabalhos. "As organizações do terceiro setor ainda têm que provar muitas coisas para serem valorizadas. É preciso discutir formas dessas organizações também participarem dos recursos governamentais", afirma.

    "O Ipê começou como Organização Não-Governamental (ONG) e se tornou uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, o que torna um pouco mais fácil o acesso a alguns fundos para pesquisa, apesar de ainda existirem muitas dificuldades" conta Cullen, para quem a interação com centros internacionais é uma rica experiência.

     

     

    Alertados pela necessidade de aprofundar as discussões sobre esse tema, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o ITS promovem, desde 2001, debates para a elaboração e implementação da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

     

    Juliana Schober