SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.55 número4 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.55 n.4 São Paulo oct./dic. 2003

     

     

     

    ANTROPOLOGIA

    O estudo da saúde e da doença

     

    Uma criança nasce. A magia do nascimento é elaborada de variadas maneiras pelas diferentes sociedades, gerando conhecimentos diversos que o expliquem. Para algumas culturas africanas, por exemplo, a criança é reencarnação de um ancestral, ou de um animal, portando suas características físicas e psíquicas. Há crenças da influência do ambiente sobre o feto e da necessidade de cuidados necessários com a gestante, como a satisfação de desejos exóticos, para que a criança nasça sem problemas de saúde. Embora existam diferentes maneiras de conceber fenômenos biológicos e entender os limites entre normalidade e anormalidade, entre corpo e alma, o discurso biológico e médico é, em geral, predominante.

    Para a antropóloga Maria Cecília Souza Minayo, departamento de ciências sociais e saúde da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), existem dois momentos históricos em que o discurso biológico alcançou sua maior expressão: o início do século XX, com o desenvolvimento da bacteriologia, e hoje, diante do avanço extraordinário da genética e dos estudos do genoma e proteoma. "Com a ampla difusão do saber biológico e médico, ganha força a idéia de que as questões de saúde humana dependem apenas da biologia e das intervenções médicas. Para a antropologia, tudo que afeta nosso corpo ou espírito (saúde e doença) passa pela mediação cultural e não apenas biológica", ressalta a pesquisadora.

     

     

    Nesse cenário, um dos desafios enfrentados pelos antropólogos atuantes na área de saúde é incorporar, em seus estudos, idéias e práticas de grupos diversos, identificadas como patológicas, desviantes, fruto da ignorância ou atraso cultural e, por isso mesmo, desconsideradas no universo científico. A visão antropológica da saúde "permite reconhecer a grande variedade de concepções e tratamentos adotados pelas pessoas, e relativizar os próprios parâmetros impostos por nossa sociedade como a forma universal e correta", considera a antropóloga Ceres Víctora, do Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde (Nupacs) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

    Um estudo realizado na periferia de Porto Alegre pelo núcleo, num bairro com alta incidência de portadores de HIV, demonstra essa diferença de percepção da doença. A aids surgiu com a característica de ser uma "doença do outro", fora do círculo geográfico da pessoa. Essa imagem pode ter sido criada a partir da origem do próprio vírus, em países africanos; em seguida, como uma síndrome que de grupos considerados de "risco" e com relações "promíscuas". Com a expansão da aids no Brasil para indiscriminadas camadas sociais, esse "outro" tornou-se alguém próximo: um parente, um amigo, um vizinho.

    Ao deixar de ser uma "doença do outro", ao contrário do esperado, não significou maior "conscientização" e adoção de cuidados de prevenção . Em contrapartida, acrescentavam à lista de práticas para evitar o contágio, o contato físico superficial como um abraço e uso comum de pratos e talheres, que são cientificamente descartadas. A proximidade da doença gerou na população do bairro uma espécie de banalização da aids, tornando-a uma "coisa normal" que passou a ser incorporada ao cotidiano. Assim, a doença que era "do outro" virou de "qualquer um", da qual "ninguém está livre".

     

    Susana Oliveira Dias