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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.55 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2003

     

     

    OS DESAFIOS EM CIÊNCIA, TECNOLOGIA & INOVAÇÃO – RESULTADOS ALCANÇADOS COM O FUNDO SETORIAL DE RECURSOS HÍDRICOS

    Oscar de Moraes Cordeiro Netto
    Carlos E. M. Tucci

     

    A ÁGUA E AS AÇÕES EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA A água é um bem precioso e insubstituível. Além de ser um elemento vital para a existência da própria vida na Terra, a água é um recurso natural que pode propiciar saúde, conforto e riqueza ao homem: basta apenas considerar seu uso no abastecimento das populações, na irrigação, na produção de energia, na navegação e, mesmo, para veicular e afastar esgotos e águas servidas. A água doce presente em rios, lagos e lençóis subterrâneos, essencial à maior parte das atividades humanas, é, no entanto, um bem raro: ela corresponde a menos de 0,3% do volume total da água do planeta. E, por ser depositária de boa parte dos resíduos gerados pelas atividades humanas, água doce de boa qualidade se torna um bem cada vez mais raro.

    São variados, assim, os problemas associados à água. No documento Diretrizes Estratégicas para o Fundo de Recursos Hídricos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (1), procede-se uma identificação de alguns dos principais problemas observados no país com relação à questão da água:

    • limitações ao desenvolvimento socioeconômico em várias regiões brasileiras devido à carência de água para consumo humano e para a produção de alimentos;

    • saneamento ambiental incipiente, com problemas de água, esgotos e drenagem urbana, acarretando contaminação e poluição de mananciais, ocorrência de doenças e perda de qualidade de vida;

    • uso não integrado dos recursos hídricos, provocando impactos ambientais negativos e conflitos entre setores usuários de água (irrigação, geração de energia, abastecimento público, navegação, etc.);

    • assoreamento de rios e lagos causado por processos de erosão associados a um manejo inadequado do solo;

    • enchentes e secas em diferentes partes do país causando impactos socioeconômicos significativos;

    • limitações legais, técnicas, institucionais e financeiras para implementação de ações integradas e eficientes de gestão de água;

    • desaparecimento e degradação de importantes ecossistemas em áreas costeiras, devido ao desenvolvimento industrial e à urbanização;

    • lacunas no conhecimento sobre comportamento dos sistemas hídricos, impossibilitando processo eficiente de gestão desses recursos;

    • carência de informações sobre as condições de disponibilidade natural e de uso dos recursos hídricos nas diferentes regiões do país, assim como dependência externa em equipamentos de monitoramento;

    • falta de profissionais capacitados na área de recursos hídricos nas diferentes instâncias da administração;

    • infra-estrutura de ensino, pesquisa e desenvolvimento na área, ainda, limitada.

    São, desse modo, significativos os desafios em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para fazer face à complexidade e à diversidade desses problemas. Há demandas por ações cujos objetivos podem variar desde a necessidade de elucidação científica de fenômenos, como o conhecimento da hidrologia amazônica, até à identificação de fatores limitadores de transferência de tecnologia já desenvolvida, como é o caso da implementação de tratamento de águas residuárias urbanas.

    O modelo tradicional de financiamento de ações de CT&I na área de recursos hídricos apresentava, no entanto, sérias limitações, também comuns a outras áreas do conhecimento:

    • os programas de apoio à pesquisa na área não tinham, geralmente, continuidade, impedindo o desenvolvimento de projetos de médio e longo prazos;

    • o repasse dos recursos era normalmente irregular e aleatório, dificultando o planejamento de atividades e inviabilizando experimentos;

    • havia entraves burocráticos que dificultavam a execução das atividades;

    • havia ausência de coordenação para definir linhas prioritárias de pesquisa e desenvolvimento, com desarticulação de ações dos órgãos de fomento;

    • nem sempre ocorria avaliação dos resultados das pesquisas, o que comprometia a eficiência na aplicação dos recursos;

    • havia falta de mecanismos de divulgação adequada dos resultados das pesquisas;

    • era muito incipiente a participação dos setores produtivos na formulação de políticas e no apoio financeiro às ações de CT&I.

    Muitos desses problemas persistem, o que denota a necessidade de aprimoramento contínuo do sistema de C&T no país. No entanto, com vistas a buscar equacionar pelo menos parte desses problemas, foram criados recentemente no país os chamados Fundos Setoriais.

    Discutem-se aqui, os resultados já alcançados após dois anos de existência de um Fundo Setorial criado para apoiar ações na área de recursos hídricos.

    FUNDO SETORIAL DE RECURSOS HÍDRICOS No Brasil, os Fundos Setoriais de C&T foram criados para incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico em áreas estratégicas a partir da construção de uma nova forma de financiamento de ações em C&T. Esses fundos podem financiar desde encontros, congressos, publicações, auxílios individuais, infra-estrutura de pesquisa, bolsas de formação e de fomento tecnológico, projetos cooperativos entre universidades e empresas, redes cooperativas entre entidades de pesquisa, até grandes projetos estruturantes.

    O Fundo Setorial de Recursos Hídricos, o CTHidro, foi criado pela Lei n. 9.993, de 24 de julho de 2000, tendo as atividades se iniciado, de fato, somente em 2001, com a regulamentação proporcionada pelo Decreto n. 3.874, de 19 de julho de 2001. Trata-se de um dos mais de dez fundos setoriais já em funcionamento. As decisões de investimento do CTHidro são tomadas por um Comitê Gestor, composto por representantes do Ministério de Ciência e Tecnologia, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), da Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia, da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Ministério de Meio Ambiente, além de representantes do setor produtivo e da área acadêmica.

    A prioridade para investimento, estabelecida em lei, é o financiamento de projetos científicos e de desenvolvimento tecnológico, destinados tanto a aperfeiçoar os diversos usos da água, de modo a garantir à atual e às futuras gerações alto padrão de qualidade, com utilização racional e integrada da água, com vistas ao desenvolvimento sustentável, quanto a promover a prevenção e a defesa contra fenômenos hidrológicos críticos, naturais ou associados ao uso inadequado de recursos naturais. Os recursos do Fundo originam-se, atualmente, da compensação financeira pela exploração de recursos hídricos no setor elétrico, atingindo a ordem de R$ 25 milhões anuais.

    Cabe ao Comitê Gestor definir um Plano Plurianual de Investimentos (2), com base em um documento de referência (Diretrizes Estratégicas do CTHidro), aprovado pelo próprio Comitê Gestor. As ações a serem apoiadas pelo CTHidro devem estar enquadradas em uma das quatro áreas-programa, definidas como: 1. gerenciamento de recursos hídricos, 2. conservação de água no meio urbano, 3. sustentabilidade nos ambientes brasileiros e 4. uso integrado e eficiente da água. Ou então, em uma das quatro atividades gerais: capacitação de recursos humanos; avaliação de processos socioeconômicos e ambientais nos sistemas hídricos brasileiros; desenvolvimento de produtos, processos e equipamentos; e ampliação ou adaptação da infra-estrutura.

    O Comitê Gestor, indicado por portaria de 30 de agosto de 2001, não teve como promover indução de projetos via editais em 2001, tendo optado por avaliar projetos existentes em carteira no CNPq e na Finep, além de projetos que haviam sido submetidos à ANA, à SRH ou ao MCT. Em 2001, foram, assim, avaliados 237 projetos, tendo sido aprovados 147, dos quais 128 foram contratados. O valor total dos contratos somou R$ 23,6 milhões. Os recursos destinados a projetos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que, por lei, não podem ser inferiores a 30 % dos recursos do Fundo, alcançaram, em 2001, 38,2% dos recursos aplicados.

    Para o período 2002-2005, pode-se já contar com uma primeira versão do Plano Plurianual de Investimentos. Esse plano foi desenvolvido considerando: as ações já aprovadas em 2001, editais temáticos para projetos de pequeno a médio desembolso, ações induzidas de CT&I em áreas prioritárias, assim como estudos específicos e ações de apoio à promoção de eventos, à edição de livros e revistas e à concessão de prêmios.

    Os editais temáticos constituem-se em importante instrumento de mapeamento da demanda acadêmica. No período 2001-02, foi lançada uma primeira versão desse instrumento, recebendo grande adesão da comunidade acadêmica, com cerca de 300 projetos. Os recursos para implementação desses projetos alcançam cerca de R$ 4 milhões para 2002- 2003. Outra ação considerada nessa área é a publicação, já em 2003, de um edital para projetos de pesquisa com valores limitados, estimulando a participação de grupos de pesquisa ainda em fase de consolidação.

    A capacitação de recursos humanos constitui, hoje, programa específico do CTHidro. Em 2002, foi lançado edital de bolsas de mestrado e doutorado para a área de recursos hídricos. Foram quase 400 projetos submetidos, tendo-se destinado, ao todo, cerca de R$ 2,2 milhões para apoiar a essa ação. Para 2003, está prevista a contratação de projetos para capacitação nas áreas de Gestão Municipal de Recursos Hídricos e formação à distância em Gestão de Recursos Hídricos.

    As ações induzidas em CT&I constituem-se no conjunto de maior investimento do CTHidro e envolvem o financiamento de atividades em temas prioritários na área de recursos hídricos. Trata-se de programas estruturados, basicamente, a partir de redes de pesquisas, mas que podem congregar ações específicas, como projetos, estudos e encomendas. Em 2002, três processos em ações induzidas foram lançados: um edital em gerenciamento urbano integrado de recursos hídricos; um edital em gerenciamento de bacias hidrográficas e grandes usuários de água; e uma carta-convite a empresas usuárias dos recursos hídricos e a fabricantes de insumos e equipamentos, este último ainda em fase de julgamento.

    O edital em gerenciamento urbano integrado de recursos hídricos envolveu temas associados à constituição tanto de bacias-piloto urbanas para avaliação da quantidade e da qualidade da água na rede pluvial quanto de bacias-piloto hidrográficas em que ocorrem problemas de macrodrenagem. Foram aprovados 10 projetos, perfazendo um total de cerca de R$ 2,6 milhões.

    O edital de gerenciamento de bacias hidrográficas previa a contratação de projetos a serem desenvolvidos em bacias hidrográficas em que houvesse comitês implantados. Os temas propostos estavam associados a desenvolvimentos de metodologias, modelos e indicadores suscetíveis de auxiliar as ações de gerenciamento de recursos hídricos. Foram aprovados 15 projetos, com um montante de R$ 3 milhões.

    Encontra-se em curso o desenvolvimento de dois programas de ação induzida, cujas ações devem começar a ser contratadas em 2003: o programa de ações no semi-árido e o programa de climatologia e recursos hídricos.

    No Plano Plurianual de Investimentos foram apresentados não só programas e projetos nos quais estavam claramente especificados os objetivos, as necessidades e os desafios de investimentos. Foram, também, identificados outros temas importantes que necessitavam de maior aprofundamento em sua avaliação, com vistas à identificação de gargalos de natureza tecnológica, que limitam tanto o adequado tratamento da questão quanto à formulação de soluções. Para permitir avaliar prioridades de investimentos relativas a esses temas, é que se propõe desenvolver, também, um programa específico de estudos e de prospecção em CT&I na área de recursos hídricos. Os temas hoje identificados para uma ação de prospecção são: produtos e equipamentos, qualidade da água, qualidade da água subterrânea, racionalização do uso da água no meio rural, avaliação e observação dos sistemas hídricos brasileiros e transferência de tecnologia em saneamento

    O CTHidro tem sido identificado como uma iniciativa bastante promissora, sobretudo por se constituir em alternativa de aporte regular de recursos para o desenvolvimento científico e tecnológico. Os grupos de pesquisa na área de recursos hídricos no Brasil têm, historicamente, padecido da falta de regularidade no fluxo plurianual de recursos para seus projetos. Essa foi uma das razões pelas quais, no período 2001-2002, o CTHidro atendeu, essencialmente, à demanda reprimida nas universidades e centros de pesquisa por projetos de caráter mais científico. De fato, constatou-se, em 2001-2002, a ausência de participação efetiva do setor produtivo na proposição de projetos, com exceção à carta-convite a empresas usuárias dos recursos hídricos e a fabricantes de insumos e equipamentos, instrumento esse destinado especificamente ao setor produtivo em consórcio com instituições de pesquisa. É de se esperar, para os próximos anos, uma participação mais intensa desse setor, a partir de ações do CTHidro na indução de projetos de desenvolvimento de produtos, processos e equipamentos.

     

    Oscar de Moraes Cordeiro Netto é engenheiro do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília – UnB; secretário-adjunto do Fundo Setorial de Recursos Hídricos – CTHidro; e presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH, para o biênio 2002-2003.
    Carlos E. M. Tucci é pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidrológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ex-secretário do Fundo Setorial de Recursos Hídricos, do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos

     

     

    Referências bibliográficas

    1. Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia. Fundo Setorial de Recursos Hídricos - CTHidro. Diretrizes estratégicas para o fundo de recursos hídricos de desenvolvimento científico e tecnológico. Brasília, 2001.

    2. Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia. Fundo Setorial de Recursos Hídricos - CTHidro. Plano Plurianual de Investimentos: 2002-2005. Brasília, 14 p. 2002.