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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.55 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2003

     

    Artes Plásticas

    RETOMADA DA OBRA DE BISPO DO ROSÁRIO

     

    Um Cristo envolto numa aura luminosa, protegido por sete anjos azuis. Esta foi a visão delirante com a qual se deparou Arthur Bispo do Rosário, no dia 22 de dezembro de 1938, no quintal de sua casa, no bairro carioca de Botafago. Caminhou, errante, por dois dias pelas ruas da cidade, antes de ser internado com o diagnóstico de esquizofrenia-paranóica na Colônia Juliano Moreira, onde viveu 50 anos (1939-1989). Ali produziu uma série de obras, que fazem parte do acervo do Museu de Imagens do Inconsciente e simbolizam a possibilidade do tratamento psiquiátrico humanizado e da inclusão social. Seu valor artístico foi reconhecido com o tombamento de suas obras em 1992 e por integrar várias exposições no exterior, com destaque na Bienal de Veneza (1995) e na Mostra Brasil500 anos que, em 2000, voltou a atrair a atenção para a qualidade de sua arte.

    Bispo do Rosário trabalhava com objetos do cotidiano do hospital o que, para alguns críticos, significava "a desconstrução institucional para a construção de um novo significado". Com fios retirados de seu uniforme de interno, ele bordava panos e velhos lençóis do hospital transformando-os em mantos e estandartes. O que o diretor do museu, Luiz Carlos Mello, interpreta como: "ao desfiar o uniforme despersonalizante, que é o símbolo máximo de uma instituição psiquiátrica , ele cria a sua individuação". Além dos bordados, Bispo trabalhou sobre papelão e madeira, para criar obras em que estabelece uma ordem própria com sapatos, botas, canecas, entre outros objetos. Foram mais de mil peças, destinadas a cumprir a missão que lhe é revelada por uma voz, de inventariar o universo e entregá-lo reconstituído a Deus. Uma de suas obras mais conhecidas é o "manto da apresentação", que ele bordou para se apresentar ao criador do universo.

    A vida e obra de Bispo do Rosário tem gerado pesquisas acadêmicas e filmes de curta e longa-metragens além de variados eventos durante o ano de 2003, dentro e fora do país. A Galeria Nacional do Jeu de Paume, em Paris, pela primeira vez dá destaque tão especial a um artista brasileiro, ao realizar uma exposição das principais obras do artista entre julho e setembro últimos. A mostra dividiu espaço com outros trabalhos realizados por internos do Centro Hospitalar Sainte-Anne e para a coleção do Centro de Estudos da Expressão, ambos franceses, mas o acervo de Bispo ocupou todo o primeiro andar do museu.

     

     

    A historiadora da arte da Unicamp, Elaine Dias, atualmente pesquisadora do Instituto Nacional de História da Arte (Inha) da França, considera a exposição no Jeu de Paume uma oportunidade especial de parisienses e milhares de turistas conhecerem o trabalho de Bispo. Entre as obras expostas, ela destaca a presença marcante do manto, que pode ser visto em todas as suas dimensões com o auxílio dos espelhos no teto.

     

     

    No Brasil, outros eventos também focalizaram Bispo do Rosário. O monólogo Bispo, criado por Edgar Navarro e interpretado por João Miguel, narra a vida do artista, em uma temporada que percorreu Recife, Salvador, Brasília, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. O Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, organizou o evento Ordenação e Vertigem , coordenado por seu diretor Carlos A. Calil, e a editora Burti lançou o catálogo das obras do artista. A psicanalista Rosângela M. Magalhães, que conviveu com Bispo em seu estágio na Colônia Juliano Moreira, vai lançar seu livro Eu e o Bispo, a ser publicado pela editora Dante.

     

    Marta Kanashiro