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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.1 São Paulo ene./mar. 2004

     

     

    OCUPAÇÕES

    O mundo do trabalho em mutação: profissões deixam de existir; novas funções são criadas

     

     

    Um dos efeitos evidentes do aumento do uso da tecnologia no setor produtivo é a diminuição no número de postos de trabalho. Especialistas que pesquisam o fenômeno concordam que uma saída para amenizar o grave impacto do desemprego sobre a sociedade é reduzir o número de horas trabalhadas, sem perda salarial. Essa, inclusive, é uma das principais reivindicações dos sindicatos, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países periféricos. No entanto, a incorporação intensiva de tecnologia no mundo do trabalho, seja na indústria, no comércio ou no setor de serviços, trouxe uma realidade mais complexa que amplia o cenßrio da pesquisa e não se restringe à redução do emprego. Ocorre, hoje, uma verdadeira revolução nas relações de trabalho e no aparecimento de novas ocupações, com profissões sendo extintas e outras, novas, criadas.

    Os sinais desse processo no Brasil foram detectados no trabalho realizado para a mudança na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), lançada em outubro de 2002. A CBO é o documento utilizado por instituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) para reconhecer, nomear e codificar os títulos e o conteúdo das ocupações do mercado brasileiro. Segundo Cláudia Paiva, que chefia a divisão da CBO nessa área, o surgimento de novas tecnologias e a modificação das formas de organização do trabalho exigiram a atualização do documento para o mercado de trabalho brasileiro devido às sensíveis modificações dos últimos dez anos.

    A nova CBO 2002 tem uma série de inovações em relação a sua versão anterior, de 1994. Entre as novas ocupações descritas estão as relativas a áreas com perfil claramente tecnológico como biotecnologia, mecatrônica e informática. Mas as mudanças na CBO incluem, também, transformações derivadas do mercado, como o crescimento dos setores de serviços culturais e de comunicações.

    NOVAS FUNÇÕES Uma das ocupações em declínio identificadas é a de telefonista: a ocupação está sendo substituída pelos sistemas automatizados de atendimento e por operadores de telemarketing.

    "Apesar de a tecnologia ser o principal fator para criação e extinção de algumas profissões, ele não é o único", afirma a socióloga Márcia de Paula Leite, do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para a pesquisadora, colaboram nesse processo fatores econômicos, políticos e culturais. Como exemplo, Márcia cita os motoboys, uma categoria numerosa no Brasil de hoje, que surgiu em decorrência do processo de urbanização. O adensamento populacional nas grandes cidades acarretou uma situação de trânsito, que torna cada vez mais inviável o deslocamento de pessoas e veículos. "O surgimento e a expansão dessa nova categoria de trabalhadores decorre da necessidade de solucionar o problema. Mas a motocicleta já existia antes, ou seja, já havia a tecnologia. O seu uso é que mudou", assinala a pesquisadora.

    As atividades culturais são, também, importantes geradoras de emprego, e não estão, necessariamente, ligadas ao desenvolvimento tecnológico. No caso brasileiro, Márcia cita o carnaval como um evento que emprega sazonalmente milhares de pessoas em diversos setores, com ocupações singulares, desde na produção de fantasias, como preparação da infra-estrutura e organização da performance nos desfiles.

    "Em geral, as pessoas costumam vincular a extinção e criação de profissões ao uso de novas tecnologias, mas é importante investigar a dinâmica social como agente dessas transformações o que, geralmente, é pouco abordado em estudos sobre esse tipo de fenômeno", considera a cientista social Bernardete W. Aued, coordenadora do núcleo de estudos sobre as transformações no mundo do trabalho da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

    Em seus estudos, Bernardete privilegia o contexto social de surgimento e desaparecimento de determinadas profissões como, por exemplo, a de alfaiate. Houve uma época em que as pessoas não tinham outra forma de se vestir senão recorrendo aos serviços dos alfaiates, cujas oficinas de confecção funcionavam como espaços de sociabilidade, como ponto de encontro para seus freqüentadores. "Nesse período, o alfaiate era imprescindível; hoje, o trabalho manual não consegue atender a demanda de roupas de uma sociedade industrializada, e a profissão entrou em declínio", constata a cientista.

    MUDANÇAS HISTÓRICAS O período pós-guerra foi marcado por uma revolução que afetou a vida das pessoas e modificou a relação social entre capital e trabalho. Essa transformação foi desencadeada pela substituição do padrão tecnológico fordista e taylorista, baseados na eletromecânica, pelo novo padrão da microeletrônica empregada nas linhas de produção industrial a partir da década de 1970.

    Antes desse período, as empresas norte-americanas detinham o mercado mundial, mas passaram a sofrer a concorrência das indústrias européias e japonesas. A linha de produção fordista, em que a quantidade era a base da manufatura de bens, foi rapidamente substituída por um modelo flexível de produção industrial no qual a qualidade passou a ser o ponto de referência para a conquista de mercados consumidores.

    Essa substituição ocorreu de formas e em épocas diferentes em todo o mundo. Segundo Márcia, na Europa o fordismo incluiu no sistema de produção o homem branco e de origem européia, deixando de fora os estrangeiros. Já no Brasil, esse regime foi marcado por um outro tipo de processo de exclusão. Uma grande parcela da população economicamente ativa está dividida entre aqueles que têm os direitos trabalhistas garantidos por carteira assinada e aqueles que não têm. "Atualmente, essa exclusão assume grandes proporções, pois os trabalhadores que não têm carteira assinada já são quase a metade da força de trabalho", conclui a socióloga.

     

    Alexandre Zarias e Rafael Evangelista