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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.1 São Paulo jan./mar. 2004

     

     

    CULTURA INDÍGENA

    Estudo sobre a população do alto Xingu é publicado na Science

     

    O conhecimento sobre o passado das populações indígenas brasileiras ainda é pequeno, mas estudos recentes têm ajudado a remediar essa falha. Graças a uma pesquisa realizada por pesquisadores brasileiros e americanos, publicada em setembro passado na revista Science, sabemos hoje que populações muito sofisticadas habitaram a região do alto Xingu (AM) desde o século IX. Infelizmente, essas populações foram muito reduzidas com a chegada dos europeus no continente americano. Quando os europeus chegaram na região, encontraram a população dos índios cuicuros já muito reduzida. Carlos Fausto, pesquisador do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos autores da pesquisa, afirma que evidências coletadas através da história oral e documental mostram que a causa provável dessa queda demográfica brusca pode ter sido a varíola uma doença que se espalha rapidamente e tem alto grau de letalidade.

    "A nossa tese é que a doença chegou no século XVI quando já existiam brancos europeus no continente americano. Como a propagação da varíola ocorre sem que haja, necessariamente, o contato direto, bastando que sejam formadas cadeias de transmissão, pode ter havido contágio por contato indireto, objetos ou roupas , por exemplo", diz Fausto.

     

     

    Os antropólogos, lingüistas, arqueólogos e os próprios índios que participaram da pesquisa, desenvolvida desde 1990, realizaram escavações e datação de material cerâmico, e mapearam 19 sítios arqueológicos no alto Xingu. "Nosso objetivo é entender e poder descrever como se passaram 1100 anos de desenvolvimento cultural na região, através do estudo da população xinguana atual", conta Fausto.

    Certamente, os europeus que chegaram no alto Xingu não foram os primeiros homens que tiveram o privilégio de presenciar a exuberante paisagem natural da região. A população indígena local já havia construído obras grandiosas, como aldeias compostas por grandes estradas e fossos de defesa, além de ter modificado a paisagem natural com áreas de plantação para a subsistência.

    Esses europeus presenciaram aldeias e paisagens muito parecidas com as que os pesquisadores presenciam hoje. "As aldeias, no plano espacial, são idênticas. Tanto no passado como hoje, há uma praça em torno da qual se tem apenas um anel de casas e, em direção da praça, há caminhos dispostos radialmente, que vão até as praças das aldeias atuais e são muito retos. No passado, esses caminhos e as praças centrais eram maiores e, em torno delas, havia vários círculos de casas", descreve Fausto.

    Os fossos que circundavam as aldeias no passado e que serviam para proteção contra inimigos – provavelmente de outros grupos indígenas de língua tupi e gê – já não existiam mais quando aconteceram as invasões européias do século XVIII, o que fez com que os indígenas ficassem ainda mais indefesos.

    GRANDEZA Fausto diz ainda que o sistema social desses indígenas não diferia muito do atual. "Uma hierarquia política distingüia as pessoas, a partir de linhagens de chefes. Esse prestígio estava ligado à capacidade de realizar grandes rituais", diz. Por isso, as estradas eram tão grandes, representando o poder do chefe que as construiu – tal como fazem os políticos até hoje.

    Nas grandes estradas andavam homens a pé, que se deslocavam entre as várias aldeias. É possível que o sistema econômico também fosse semelhante ao atual que, pelo menos desde o século XIX, se baseia em um sofisticado sistema de trocas entre vários grupos indígenas, com equivalência entre objetos de prestígio. A cerâmica produzida pelos grupos aruaque, era trocada com colares e cintos de caramujos dos caribes, que têm um valor equivalente a uma certa quantidade de sal vegetal que, por sua vez, equivalia a um determinado tipo de arco de madeira preta feita pelos índios tupi. Fausto acrescenta que, "ainda hoje, existe um grande festival intertribal de troca que é conhecido pelo termo camaiurá".

     

    Juliana Schober