SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.56 issue1 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.56 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2004

     

     

    BOTÂNICA

    Digitalização restaura obra do século XIX

     

    O naturalista alemão Carolus Fridericus Phillip von Martius visitou o Brasil entre 1817 e 1820, junto com uma comitiva de 65 especialistas, registrando e coletando a maior quantidade de informações relativas à flora brasileira de que se tem notícia. Elas estão reunidas na Flora brasiliensis, obra que até hoje é referência para botânicos e taxonomistas e que será digitalizada e atualizada em um esforço conjunto da comunidade científica.

    A idéia é tornar disponível, gratuitamente, essa importante obra rara, descrita como "um dos grandes feitos científicos de toda a história da biologia" pelo coordenador do projeto, George Shepherd da Unicamp. Com isso talvez seja possível acelerar as pesquisas sobre a flora do Brasil, estimada em um número que pode variar de 35 mil a 70 mil espécies de angiospermas (plantas que possuem flores e frutos), tamanho é o desconhecimento. O primeiro dos 130 fascículos foi publicado em 1840 e o último só ficou pronto 66 anos mais tarde, 38 anos depois da morte de seu idealizador. Estão descritas 22.767 espécies de plantas ao longo dos 46 volumes que compõem a obra, com 3811 imagens registradas em belíssimas litogravuras.

     

     

    Mesmo com todo o avanço do conhecimento científico nos últimos 100 anos, a publicação de Martius ainda é o registro mais completo. Para Shepherd, seriam necessários de 75 a 100 anos caso se quisesse publicar uma nova Flora brasiliensis. A estimativa do coordenador do projeto parte de sua experiência em projeto similar, um levantamento da flora do estado de São Paulo. Em andamento há dez anos, contando com uma equipe de pesquisadores, o estudo descreveu cerca de 1,5 mil espécies em dois volumes publicados pela Fapesp, e outro que está a caminho. Faltam, porém, mais 12 volumes para finalizar o projeto. "Falamos em conservação, mas nem sequer temos informações de quantas espécies de plantas existem", lamenta Shepherd, lembrando que o Brasil é o país mais rico do mundo em angiospermas e em biodiversidade.

    Não é a primeira vez que um grupo de pesquisadores pensa em digitalizar a obra de Martius. A Biblioteca Nacional da França possui uma versão quase completa disponível na internet. No entanto, a baixa qualidade das imagens prejudica o trabalho minucioso do taxonomista que precisa atentar para detalhes das estruturas retratadas em papel. Além disso, a obra traz as informações em latim, como na versão original.

    O novo projeto prevê digitalizar em alta definição as litogravuras, permitindo ao pesquisador ampliar áreas de seu interesse, como se estivesse debruçado sobre o original. As informações das espécies terão versão em português e inglês e serão atualizadas - mais da metade das espécies precisa ter sua nomenclatura revisada - o que possibilita o cruzamento com bancos de dados científicos do Brasil e do exterior. Será possível, por exemplo, localizar artigos científicos, herbários que possuem exsicatas (exemplares da planta seca), mapas de distribuição e localização da espécie de interesse, por meio de um sistema de busca pelo nome popular ou científico (atual ou antigo). Fotos, ilustrações e novas espécies deverão ser incluídas nesta que deverá ser a nova edição da Flora brasilienses.

     

     

    QUALIDADE DO ACERVO A digitalização é um processo sofisticado de reprodução. Shepherd explica que existem diferenças na qualidade dos exemplares disponíveis no mundo. Por este motivo, entre as reproduções disponíveis, optou-se pela presente no Jardim Botânico de Missouri (EUA), que já possui experiência na digitalização de acervos. Outro ponto delicado é a própria avaliação das famílias de plantas, que deve ser feita por especialistas, muitas vezes ausentes no país ou que precisam trabalhar em conjunto para analisar famílias que possuem até 3 mil espécies, como é o caso da Orquideacea.

    EQUIPE INTERNACIONAL A equipe coordenada pelo botânico da Unicamp reúne, no Brasil, pesquisadores desta universidade, da USP e do Centro de Referência de Informação Ambiental (Cria); nos Estados Unidos, os da Universidade de Wisconsin e do Jardim Botânico de Missouri; e, ainda, do Jardim Botânico de Kew, na Inglaterra. "Esse projeto será importante para expor nossa ignorância e chamar atenção para grupos de plantas ainda pouco estudados", destaca Shepherd.

    O projeto de uma digitalização-piloto, abrangendo 6 a 8 famílias de plantas (a obra completa traz mais de 200 famílias) deve durar aproximadamente dois anos. Foi encaminhado à Fapesp e a outras fontes de financiamento, na expectativa de respostas positivas que permitam que o projeto se concretize. O coordenador contabiliza que seriam necessários cerca de R$250 mil para a primeira fase do projeto, que inclui compra de softwares, computadores e profissionais que desenvolvam a arquitetura do site.

    O Cria dispõe de uma curta versão do que seria a digitalização do material, que está sob análise da comunidade científica para ajustes.

    A digitalização permitirá não apenas que um número maior de pesquisadores tenha acesso à Flora brasiliensis, mas também que ela seja preservada. Isso porque a publicação do século XIX é utilizada rotineiramente nos laboratórios dos que estudam as plantas brasileiras e, não raras vezes, sem a manipulação apropriada a obras como esta, ocorrem danos que um dia poderão ser irreparáveis e inviabilizar sua utilização. Para contar esta situação, George Shepherd conta que o Instituto de Botânica da Unicamp providenciou uma cópia reduzida para os biólogos e guardou a edição original, agora reservada para apreciação.

     

    Germana Barata