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Ciência e Cultura
versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660
Cienc. Cult. v.56 n.1 São Paulo jan./mar. 2004
OMC
Debilidade técnica dificulta negociação para os países pobres
O impasse que levou ao colapso da última reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancun, não teve apenas um caráter político. A alegação dos países africanos, ao se negarem a discutir as chamadas questões de Cingapura (investimentos, facilitação do comércio, compras governamentais e políticas de competição), pois não se sentiam capazes de avaliar o efeito dessas medidas em sua economia, é um problema real. As reuniões ministeriais são, particularmente, mais difíceis para os países subdesenvolvidos: extensas, complexas, abrangem áreas tão distintas como subsídios agrícolas, serviços ambientais e regras de patentes. "Apenas países ricos, com suas grandes delegações, são capazes de acompanhar todos os assuntos", afirma Mark Ritchie, presidente do Institute for Agricultures and Trade Policy (IATP) Instituto por Políticas em Agricultura e Comércio. O IATP é uma das instituições mais atuantes no acompanhamento e na fiscalização das negociações da OMC.
Ritchie considera que o embaixador brasileiro Rubens Ricúpero, atual secretário-geral da United Nations Conference on Trade and Development (Unctad) Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento tem um papel importante neste cenário. "É uma das pessoas mais experientes em comércio multilateral e acompanha esse tipo de negociação desde a rodada Uruguai, quando foi criada a OMC". O trabalho da Unctad é, justamente, assessorar os pequenos países com informações que os permitam negociar em melhores condições. Ricúpero explica que a instituição faz pesquisa, análise e coleta de dados, e busca preparar os países em desenvolvimento para as negociações comerciais, oferecendo informações sobre o comércio em agricultura e em outros campos. "Quase todos os países em desenvolvimento - tirando alguns poucos asiáticos - têm uma situação muito precária. Mesmo que tenham alguns quadros universitários de valor, não dispõem de instituições governamentais que absorvam tais pessoas, por não poder pagá-las convenientemente", completa.
Ricúpero, antes e durante o encontro de Cancun, tem feito sugestões específicas de reforma nos procedimentos da OMC, diz Ritchie. Entre elas, está a criação de um comitê de ajuda global no campo jurídico que possa assessorar os países pobres. "Ricúpero e seus colegas, como o embaixador jamaicano Anthony Hill, reconhecem no comércio multilateral a única alternativa para seus países, mas sabem, também, quanto os seus países já sofreram com ele", diz Ritchie. Hill é o criador do Reflection Group (Grupo de Reflexão), que reúne embaixadores com mais de 35 anos de experiência no sistema diplomático global para discutirem possíveis mudanças para instituições como a OMC.
NOVO FORMATO O embaixador brasileiro diz que, na Unctad, existe consenso de que o comércio pode ser uma das únicas chances de desenvolvimento dos países pobres, porém se questiona seu formato atual. "É necessário um comércio mais equilibrado, que não pode ser o atual que exclui, por exemplo, a agricultura, das regras do sistema mundial. Segundo as regras atuais da OMC, praticamente todos os subsídios antes vigentes em matéria industrial e de manufaturas são ilegais. No entanto, os subsídios agrícolas são quase todos perfeitamente admitidos".
GRUPO DOS 20 Os subsídios agrícolas foram o tema central da reunião de Cancun. Os países pobres, liderados por Brasil, Índia, China e África do Sul criaram, pela primeira vez, uma frente batizada de G-20 para enfrentar o poder da União Européia e dos EUA. Embora não tenha sido o G-20 que levou ao impasse em Cancun, Europa e EUA acusaram o grupo de criar uma confrontação ideológica improdutiva. A reunião no México terminou quando os países africanos negaram-se a negociar as questões de Cingapura, no último dia do encontro. Como é preciso que haja um consenso de todos os participantes sobre um texto final da reunião, o encontro terminou sem que fosse aprovado um documento definitivo.
Ritchie e Ricúpero discordam em suas avaliações do resultado da reunião de Cancun. Para Ricúpero, o ideal teria sido uma maior abertura no setor agrícola; Ritchie vê no fracasso das negociações uma vitória dos países pobres. Para ele, é hora dos países em desenvolvimento pressionarem por mudanças, aproveitando o apoio dos movimentos sociais. "O governo Lula poderia pressionar por mudanças concretas no sistema. No contexto da OMC, o Brasil pode ter um papel importante para mudar os procedimentos. Particularmente se usar o G-20", conclui.
Rafael Evangelista