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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.1 São Paulo ene./mar. 2004

     

     

    EXPANSÃO DE POLIGLUTAMINAS E DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS

    Iscia Lopes Cendes

     

    Com os avanços recentes da genética molecular, genes responsáveis por diversas doenças hereditárias foram localizados e caracterizados em detalhe. No campo das doenças neurodegenerativas um grande avanço aconteceu com a identificação de genes responsáveis por diferentes patologias. As doenças neurodegenerativas formam, na verdade, um grupo muito heterogêneo de patologias, compreendendo entidades causadas por uma série de mecanismos diferentes. Um desses mecanismos é a ocorrência de mutações dinâmicas (1).

    As doenças causadas por mutações dinâmicas começaram a ser identificadas a partir de 1991 com a clonagem do gene responsável pela síndrome do X-frágil (2). Essas mutações são caracterizadas por expansões de diferentes tipos de seqüência de trinucleotídeos que são instáveis durante a transmissão genética (3). Com todo esse desenvolvimento, as doenças resultantes de repetições de trinucleotídeos estão entre os grandes paradigmas da última década e até o momento, existem registros de pelo menos 18 doenças neurológicas resultantes desse tipo de mutação (4).

    Essas doenças são caracterizadas por degeneração em diferentes regiões do sistema nervoso central e, conseqüentemente, os sintomas serão dependentes das regiões acometidas(5). O mecanismo pelo qual as mutações dinâmicas levam a neurodegeneração ainda não é totalmente compreendido, o que sabemos até o momento é que indivíduos normais possuem os segmentos de trinucleotídeos dentro de um limite normal. Por outro lado, os pacientes apresentam esses segmentos de tamanho aumentado ou "expandido" (3.4).

    Nas doenças monogênicas típicas o fenótipo, ou a apresentação clínica, é muito similar entre os doentes, mesmo quando pertencentes a famílias diferentes. Além disso, a probabilidade de herdar-se uma doença autossômica é semelhante, quer tenha sido herdada via linhagem materna ou paterna. Já nas doenças por mutações dinâmicas existe uma tendência ao aparecimento de doença mais grave e de início mais precoce em gerações mais recentes, um fenômeno chamado de "antecipação"(6). O entendimento crescente dessas doenças proporcionou explicações moleculares para esse fenômeno, já que a gravidade do fenótipo é associada ao comprimento crescente da repetição trinucleotídica (7-9). Além disso, as repetições em cromossomas normais são estáveis quando passadas de uma geração a outra; em contraste, as seqüências expandidas são altamente instáveis, mostrando variações no tamanho quando transmitidas de uma geração a outra (7-9). Tais repetições expandem mais freqüentemente do que contraem em gerações sucessivas, proporcionando a base molecular para a antecipação(7-9).

    As doenças por repetição de trinucleotídeos podem ser categorizadas em dois grandes grupos, baseando-se na localização das repetições: doenças envolvendo repetições não codificadoras (seqüências intrônicas) e doenças envolvendo repetições dentro da região codificadora (exônica), sendo essas últimas caracterizadas por expansões da seqüência trinucleotídica CAG (1,2).

    DOENÇAS POR EXPANSÃO DE REPETIÇÕES CAG Expansões de repetições CAG foram identificadas pela primeira vez no receptor de andrógeno, em 1991, associada à atrofia muscular espino-bulbar (SBMA). A função da maioria dos genes envolvidos nestas doenças neurodegenerativas é desconhecida e eles não possuem características comuns ou homologia com outros genes de função conhecida (1.2). Conhece-se hoje mais de uma dezena de doenças neurodegenerativas resultantes da expansão de repetições de CAG sendo as mais comuns: a doença de Huntington (HD); ataxia espinocerebelar do tipo 1, 2, 6, 7 e 12 (SCA1, SCA2, SCA6, SCA7 e SCA12, respectivamente); ataxia espinocerebelar do tipo 3 (SCA3), também conhecida como doença de Machado-Joseph (DMJ); atrofia dentato-rubro-palido-luisiana (DRPLA) e SBMA(10-14). Nestas doenças, os indivíduos afetados carregam trechos de CAG anormalmente expandidos e instáveis em regiões exônicas, que codificam trechos expandidos, em geral maiores que 40 poliglutaminas (poliGln) nas proteínas correspondentes (12-14). Todas essas doenças seguem uma herança autossômica dominante, exceto SBMA que é ligada ao cromossomo X. Têm várias características em comum, a principal delas é que todas são degenerativas, nas quais a morte neuronal ocorre progressivamente em diferentes regiões do sistema nervoso central(15). Existem muitas evidências sugerindo um mecanismo patogênico comum causador da morte neuronal. Apesar desse mecanismo ser ainda desconhecido, acredita-se que nessas doenças ocorra um ganho de função tóxica pelas proteínas que contêm trechos de poliGln expandidos(15,16).

     

     

    ESTUDOS DE PROTEÍNAS CONTENDO POLIGLUTAMINAS A função de trechos de poliGln associados a alelos normais, ainda não é clara. Uma série de proteínas humanas normais contém tratos poliGln, entre elas fatores de transcrição, proteínas que "ativam" a função de outros genes (1.2). É possível que essas seqüências estejam freqüentemente presentes em cromossomos humanos normais porque são toleradas dentro de uma faixa de tamanho normal, mas não porque desempenhem uma função crítica(1.2). Muitos estudos têm sido realizados com o intuito de identificar proteínas que interagem com as proteínas que contêm expansões de poliGln(17). Duas principais questões levam a essa busca: i) a primeira diz respeito ao fato de ocorrer perda neuronal específica nessas doenças apesar das proteínas mutantes serem expressas em todos os tecidos, mesmo fora do sistema nervoso; ii) a segunda questão refere-se aos mecanismos moleculares de degeneração das células. Se alguma das proteínas ligantes estiver envolvida em uma via específica de morte celular já conhecida, isto poderia levar a um método de intervenção terapêutica mais rápido e específico (1,2,14).

    No entanto, apesar de pesquisas intensas na área, até o momento, não existe tratamento específico para nenhuma delas. Neste momento, nosso grupo de pesquisa tem procurado estudar o problema pela análise estrutural das proteínas com tratos poliGln, em suas formas normais e expandidas; assim como na identificação de proteínas ligantes específicas para cada uma delas. Pretendemos com isso colaborar na elucidação dos mecanismos moleculares básicos envolvidos na neurodegeneração induzida pelos tratos expandidos de poliGln. Acreditamos que essas pesquisas, no futuro, auxiliarão no desenvolvimento de terapias específicas para tais doenças.

     

    Iscia Lopes Cendes é médica, livre-docente em genética médica do Laboratório de Genética Molecular, Departamento de Genética Médica, FCM-UNICAMP

     

     

    Referências bibliográficas

    1. Childs, B., Valle, D. Annu. Rev. Genomics Hum. Genet. 01: 1-19, 2000.

    2. Cummings, C.J., Zoghbi, H.Y. In: Lander, E., Page, D., Lifton, R. , (ed) Annual Rewiews, pp 281-328, 2000.

    3. Li S.H., McInnis, M.G., Margolis, R.L., Antononarakis, S.,E., Ross, C.A. Genomics 16: 572-579, 1993.

    4. Pulst S-M. In: Pulst S-M (ed).. Genetics of Movement Disorders, pp: 19-34, 2003.

    5. Harding, A.E. Adv. Neurol. 61: 1-14, 1993.

    6. Shiwach, R., Lindenbaum, R.H. J. Psychiatry. 157: 598-599, 1990.

    7. Lopes-Cendes I, Teive HG, Calcagnotto ME et al. Arq Neuropsiquiatr. 55:519-29, 1997.

    8. Mangiarini, L., Sathasivam, K., Seller, M., et al. Cell 87: 493-506,1996.

    9. Martindale, D., Hackam, A.S., Wieczorek, A. et al. Nat. Genet. 18: 150-154,1998.

    10. Hyrayama, K., Takayanagi, T., Nakamura, R. et al. Nat. Genet. 8: 221-228, 1994.

    11. Ikeda, H., Yamaguchi, M., Sugai, S., Aze, Y., Narumiya, S., Kakizuka, A. Nat. Genet. 13: 196-202, 1996.

    12. Kawaguchi, Y., Okamoto, T., Taniwaki, M., et al. Nat. Genet. 8: 221-227, 1994.

    13. Klement, I.A., Skinner, P.J., Kaytor, M.D. et al. Cell. 95: 41-53, 1998.

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    15. Li, S.H, Li, H.J. Hum. Mol. Genet. 7: 777-782, 1998.

    16. Lin, X., Antalffy, B., Kang, D., Orr, H.T., Zoghby, H. Y. Nat. Neurosci.3: 157-163, 2000.

    17. Skinner, P.J., Koshy, B., Cummings, C., et al. Nature. 389: 971-974, 1997.