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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.1 São Paulo jan./mar. 2004

     

     

    O PAPEL DA MELATONINA NA EPILEPSIA

    Débora Amado e Maria da Graça Naffah Mazzacoratti

     

    A melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina), primeiro composto biologicamente ativo identificado na glândula pineal, é uma indolamina, produto do metabolismo da serotonina e é produzida por um número limitado de órgãos nos mamíferos, incluindo a glândula pineal, retina e o trato gastrointestinal. Sua síntese é controlada pelo núcleo supraquiasmático (NSQ), situado no hipotálamo, que constitui o relógio biológico mestre no organismo dos mamíferos (1). As fibras nervosas da retina captam a luminosidade do ambiente e transmitem essa informação para o NSQ (2). Durante o dia, a síntese de melatonina bem como o fluxo da atividade simpática está reduzido. No momento em que escurece, ocorre a ativação simpática e liberação de noradrenalina (NA) que, através dos receptores b-adrenérgicos nos pinealócitos, ativa a proteína cinase A, que aumenta a síntese de adenosina monofosfato cÝclico (AMPc). Este por sua vez, ativa a N-acetiltransferase (NAT) que catalisa a síntese da melatonina (3).

    A melatonina, liberada de forma rápida e passiva na corrente sanguínea, pode afetar o funcionamento de células neurais através de, pelo menos, três mecanismos:

    a. ativação de receptores específicos acoplados à proteína G (4);

    b. ação antioxidante, incluindo: eliminação dos radicais livres hidroxila (OH•) e peroxinitrito (ONOO-) (5); ativação de enzimas antioxidantes (6); e inibição da nNOS em neurônios cerebelares e hipocampais de ratos (7) e

    c. ação antiinflamatória, inibindo a adesão e o rolamento de leucócitos (8).

    A melatonina possui reconhecidas funções hormonais e cronobiológicas. Porém, a função de neuroproteção contra a ação de radicais livres é um achado recente (9), assim como sua ação antiinflamatória e de seu precursor N-acetil-serotonina em processos agudos (8).

    A relação entre epilepsia e função da glândula pineal tem sido estudada (10) e muitos mecanismos já são conhecidos.

    A epilepsia refere-se a um distúrbio da atividade elétrica cerebral, é caracterizada pela ocorrência periódica e espontânea de atividade altamente sincronizada sendo acompanhada de manifestações comportamentais (11). A Epilepsia do Lobo Temporal (ELT) é uma síndrome específica, de alta incidência e gravidade, que se caracteriza pela presença de crises parciais simples e complexas. Dentre as síndromes epilépticas refratárias, a ELT é a mais freqüente, onde 20% dos pacientes mostram-se refratários aos anticonvulsivantes disponíveis (12).

    O padrão anatômico patológico mais característico da ELT é a esclerose mesial temporal, que é mais comumente verificado em pacientes com crises epilépticas de difícil controle (13).

    Para compreendermos melhor esta síndrome, os modelos experimentais in vivo são muito úteis, uma vez que reproduzem as características comportamentais, eletrográficas e histopatológicas da ELT humana e nos permitem trabalhar na ausência de drogas antiepilépticas (14). Como modelos crônicos, que mimetizam a ELT, podemos mencionar o modelo da pilocarpina (15), o do ácido caínico (16), e o abrasamento (17).

    Muitos estudos cronobiológicos têm sugerido que existe uma relação entre a susceptibilidade das crises nos diferentes períodos do dia (18). Vale salientar que muitas dessas alterações não desaparecem com as drogas antiepilépticas convencionais. Além disso, estudos experimentais têm mostrado que a administração crônica de melatonina em ratas induz uma maior afinidade do GABA por seu receptor (19). Em ratas, a eliminação da melatonina circulante, por meio da pinealectomia, diminui e altera o ritmo circadiano dos receptores benzodiazepínicos (20), e aumenta o número de receptores GABA, invertendo seu ritmo circadiano (21). A administração de melatonina reverte essas trocas, e produz um aumento nos níveis de GABA e serotonina no hipotálamo (22). Da mesma forma, estudos em medula espinhal têm demonstrado que a melatonina potencializa as correntes induzidas por GABA, hiperpolarizando as células, diminuindo então a excitabilidade neuronal (23). Em paralelo, estudos in vitro demonstram que a melatonina causa uma diminuição no influxo de cálcio para o interior da célula, causando uma diminuição da atividade glutamatérgica, diminuindo a resposta excitatória neuronal (24). A melatonina tem sido capaz de proteger a cultura neuronal primária de morte induzida pela estimulação de receptores de glutamato (25) da lesão no DNA e da morte desencadeada pelo estresse oxidativo (26).

    O pré-tratamento com melatonina em animais submetidos ao abrasamento na amídala tem um efeito anticonvulsivante, diminuindo a susceptibilidade para a indução de crises (27).

    Em estudos clínicos existem evidências de que a melatonina exerce um papel anticonvulsivo, reduzindo as espículas no traçado eletroencefalográfico e a freqüência de crises em pacientes portadores de epilepsia (28).

    Um dos modelos de epilepsia mais utilizado é o induzido pela pilocarpina, um agonista colinérgico muscarínico, que após sua administração em ratos adultos (320-380mg/kg, ip) desencadeia alterações comportamentais e eletrográficas que podem ser divididas em três fases distintas: fase aguda (status epilepticus – 12h), silenciosa (período livre de crises – 15 dias) e crônica (ocorrência de crises espontâneas e recorrentes).

    Histopatologicamente, a região hipocampal é uma das estruturas mais lesadas, evidenciando-se uma extensa degeneração das células piramidais hipocampais da região CA1 e CA3, assim como das células musgosas da região polimórfica do giro dentado (15), permanecendo preservados os interneurônios GABAérgicos (29). O brotamento supragranular das fibras musgosas no giro dentado, característico dos tecidos hipocampais humanos (30), é também evidente na fase crônica deste modelo (31). Um aumento na liberação de glutamato e na concentração de prostaglandinas foi observado no hipocampo de animais submetidos a esse modelo (32) indicando que a excitotoxicidade assim como a inflamação são fenômenos que podem influenciar a epileptogênese e que, inúmeros eventos são associados na transformação de um neurônio normal em um epiléptico.

    Recentemente, verificamos que animais pinealectomizados, submetidos ao modelo da pilocarpina, tiveram um menor período silencioso, um aumento na freqüência de crises na fase crônica do modelo, um maior número de células em apoptose (fase aguda), um maior grau de lesão celular e de brotamento das fibras musgosas (fase crônica), o que indica que a pinealectomia promove um aumento na excitabilidade neuronal e uma facilitação dos processos epileptogênicos. Verificamos também que o pré-tratamento com melatonina nesses animais protegeu os neurônios da morte celular por apoptose evidenciando seu papel neuroprotetor (33).

    Uma vez que as drogas antiepilépticas usuais têm muitos efeitos colaterais e muitas delas não controlam as crises de forma efetiva, nosso grupo tem se empenhado no estudo da ação da melatonina sobre crises convulsivas já estabelecidas, na tentativa de introduzirmos essa substância como coadjuvante ao tratamento das epilepsias de difícil controle. A potenciação do complexo receptor GABA-benzodiazepinas, a inibição de receptores glutamatérgicos e seu papel antioxidante fazem da melatonina uma candidata em potencial ou em associação com outras drogas clássicas.

     

    Débora Amado é neurologista e professora de Neurologia Experimental da Unifesp
    Maria da Graça Naffah Mazzacoratti é bioquímica e professora de Neurologia Experimental da Unifesp

     

     

    Referências bibliográficas

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    33. Rodrigues, E.L. Tese de Mestrado/Unifesp, 2003