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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.1 São Paulo jan./mar. 2004

     

     

    EPILEPSIA SOB NOVA PERSPECTIVA

    Li Li Min

     

    Uma crise epiléptica pode durar de segundos a minutos, porém a sua repercussão pode durar uma vida. Estima-se que cerca de 3 milhões de brasileiros têm alguma forma de epilepsia e aproximadamente 100 mil casos novos somam-se a cada ano. Pelo menos 50% dos casos começam na infância ou adolescência.

    Epilepsia certamente não é um fenômeno recente, como demonstram documentos originários do Oriente há mais de 4 mil anos. O tratamento medicamentoso eficaz está disponível há mais de 100 anos e as crises podem ser controladas, na sua grande maioria (70%), com medicação de baixo custo, propiciando assim uma vida normal a esses pacientes. Para aqueles que não respondem ao tratamento medicamentoso, existe a possibilidade de tratamento cirúrgico, que também está disponível há mais de 100 anos. Pelos relatos hipocráticos, há mais de 2 mil anos sabemos que epilepsia não é uma condição de causa demoníaca ou espiritual, como sugere o próprio termo epilepsia, de origem grega, que significa "ser tomado". Os progressos científicos em epilepsia são contínuos com um número expressivo de publicações em literatura internacional (mais de 69mil publicações na base de dados do PubMed usando palavra epilepsy até agosto de 2003).

    Contudo, mesmo assim somente 10% a 40% dos pacientes recebem tratamento medicamentoso, e a oferta de tratamento cirúrgico é praticamente inexistente no Brasil. Os médicos, incluindo uma parcela de neurologistas, não estão preparados para atender pacientes com epilepsia. Um programa de tratamento sistemático dos pacientes com epilepsia na rede básica de saúde é inexistente. Sabe-se que o não-tratamento está associado à maior morbidade e risco de morte súbita, sendo maiores nos países em desenvolvimento. O encargo sócio-econômico da epilepsia ativa é desconhecido, mas provavelmente muito alto no Brasil.

    As crenças e mitos que envolvem a epilepsia persistem em nossa sociedade. Muitos ainda acreditam em possessão demoníaca como a explicação para epilepsia, e buscam os tratamentos que incluem o exorcismo e simpatias. Essa ignorância contribui para perpetuar a estigmatização, uma triste realidade que desclassifica e exclui os indivíduos com epilepsia e seus familiares da sociedade.

    Tendo em vista essa situação crítica das pessoas com epilepsia no mundo, uma campanha global foi lançada em 1997, liderada pela Organização Mundial da Saúde, Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE) e Organização Internacional dos Pacientes com Epilepsia (IBE), com o intuito principal de esclarecer e desmistificar a epilepsia. Em 2001, a campanha global entrou em sua segunda fase, com ações centradas nos projetos demonstrativos. Os projetos demonstrativos têm como ponto principal o aspecto intervencionista, de forma a promover modificação no sistema de saúde, otimizando tratamento, diagnóstico e prevenção da epilepsia na comunidade, visando em última análise, fornecer qualidade de vida melhor a estes indivíduos.

    Desde o dia 30 de junho de 2002, o projeto Aspe (Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia – www.aspebrasil.org) integra oficialmente a campanha global como executor do projeto demonstrativo no Brasil, tendo Campinas e São José do Rio Preto, no interior paulista, como área alvo de atuação. Desde então, uma equipe multidisciplinar com pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - Faculdade de Ciências Médicas, Faculdade de Educação e Labjor -, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e em parceria com as secretarias municipais de saúde das duas cidades com o Ministério da Saúde, executa o projeto demonstrativo com duração de quatro anos, iniciado em 27 de Setembro de 2002 (ver cronograma).

     

     

    OS OBJETIVOS GERAIS DO PROJETO DEMONSTRATIVO SÃO:

    • Avaliar procedimentos que melhorem a identificação, encaminhamento e o tratamento de pessoas com epilepsia , por meio do sistema de atendimento primário à saúde já existente e com a participação da comunidade.

    • Desenvolver um modelo de tratamento integral de epilepsia que possa ser aplicado em âmbito nacional, tendo como palco principal rede básica de saúde.

    ESPECIFICAMENTE, O PROJETO DEMONSTRATIVO VISA:

    1. Avaliar a prática de encaminhamento corrente (diagnóstico, tratamento e seguimento) de pacientes com epilepsia na área urbana do país.

    2. Estimar:

    a) prevalência das formas ativas de epilepsia;
    b) a porcentagem da lacuna de tratamento via uma metodologia ativa de localização de casos;
    c) as mudanças que o projeto pode trazer na área de estudo.

    3. Determinar a etiologia e fatores de risco em associação com a epilepsia na comunidade.

    4. Reduzir e erradicar causas preveníveis de epilepsia na comunidade.

    5. Determinar o conhecimento, as atitudes e o atendimento de pacientes com epilepsia entre os profissionais na rede primária de saúde, antes e depois de terem sido submetidos a um treinamento em epilepsia.

    6. Desenvolver normas técnicas para identificação, educação, tratamento e seguimento de pacientes com epilepsia na rede primária de saúde.

    7. Promover um estudo de tratamento de formas de epilepsia, usando antiepilépticos de primeira linha pelos médicos do atendimento primário à saúde.

    8. Desenvolver estratégias para a implementação de um programa cirúrgico, custo-efetivo para o tratamento de epilepsias refratárias a medicações antiepilépticas.

    9. Desenvolver um programa de educação profissional continuada em epilepsia para profissionais da rede primária de saúde.

    10. Promover consciência pública sobre epilepsia via programa educacional direcionado à comunidade.

    11. Promover educação continuada para professores de escolas primárias e secundárias e difusão de informações sobre epilepsia.

    12. Desenvolver um programa de desestigmatização da epilepsia e de melhora da aceitação social.

    13. Promover grupos de gerenciamento e suporte para pessoas com epilepsia.

    14. Reduzir a carga econômica e social da epilepsia nas áreas estudadas.

    A mudança dessa situação paradoxal, no entanto, só ocorrerá na medida em que todos entendam que a epilepsia é um problema de saúde pública. A solução requer uma resposta social e médico-assistencial ampla e mantida. Neste aspecto, o (a) leitor(a) torna-se, de agora em diante, uma fonte de referência e formador(a) de opinião na nossa sociedade e deve posicionar-se contra o preconceito e desinformação. A epilepsia precisa ser vista sob nova perspectiva para que enfim possa sair das sombras.

     

    Li Li Min é médico, professor doutor do Departamento de Neurologia da Unicamp e coordenador da Campanha Global Contra Epilepsia no Brasil.