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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.1 São Paulo jan./mar. 2004

     

    Resenha

    A SAGA DA MELANCOLIA

     

    Saturno é o planeta da melancolia. Na Idade Moderna era freqüente a alusão aos astros, responsáveis pelo destino dos homens, e no Renascimento, Saturno e Mercúrio condicionavam o clima emocional. Daí a escolha do escritor Moacyr Scliar para título de seu livro Saturno nos Trópicos, onde busca entender como a melancolia chega até abaixo da linha do Equador, trazida pelos seus melancólicos colonizadores europeus.

    Até falar propriamente do Brasil, entretanto, Scliar descreve uma trajetória a partir da Antiguidade, passando pela época das viagens marítimas e dos descobrimentos, até chegar ao cenário brasileiro dos séculos XIX e XX. O texto apóia-se em extensa bibliografia tendo como pilares duas obras consideradas por Scliar como diagnósticos de suas épocas: para o período do Renascimento, Anatomia da melancolia, do inglês Robert Burton, publicado em 1621; e, ao falar do Brasil busca referências em Paulo Prado e seu Retrato do Brasil, de 1928. Os dois autores identificam uma conjuntura psicológica e filosófica carregada de melancolia. Uma das conclusões de Paulo Prado citada por Scliar é: "Numa terra radiosa vive um povo triste. Legaram-lhe essa melancolia os descobridores que a revelaram ao mundo e a povoaram".

    A melancolia é o motivo condutor, para o autor passear por quase cinco séculos de história, organizando, ensaisticamente, fatos e acontecimentos que lhe permitem desenhar, com liberdade e imaginação essa cosmologia poética, antropológica, filosófica e histórica da dominação de Saturno sobre traços e características fundamentais à compreensão do ethos cultural do homem brasileiro.

     

     

    O SONO DOS MELANCÓLICOS Para Scliar, a melancolia é, antes de tudo, algo que faz parte da natureza, é uma condição existencial. Diferente da tristeza que é passageira; do tédio, que nos dá a sensação de que o tempo não passa; da depressão, termo moderno para uma condição clínica psicológica associada a fatores psicossociais, a melancolia, antiga companheira da humanidade, é tanto uma doença (como a depressão) como um estado de espírito (como a tristeza e o tédio). O sucesso de livros sobre o assunto, no século XVII na Europa e no começo do século XX no Brasil, são sintomas de grande identificação com o tema.

    Dormir é algo associado ao estado melancólico: induz à paralisia, à inação, à passividade. O que, aliás, era a atividade preferida de Macunaíma, o anti-herói de Mário de Andrade, que repetia: "Ai! que preguiça!". Policarpo Quaresma, na iminência do seu triste fim, denuncia o "desânimo doentio", a "indiferença nirvanesca" do povo brasileiro, que não dá lugar à revolta, mas apenas ao sono dos melancólicos. Num agradável passeio pela literatura brasileira, Scliar aponta outros heróis melancólicos como o personagem principal do livro O alienista de Machado de Assis, o Jeca Tatu de Monteiro Lobato e Macabéa de Clarice Lispector, no livro A hora da estrela.

    HERÓIS TRISTES Esses personagens, muito distantes do herói clássico, apresentam defeitos, contradiç§es e uma constante tristeza ou sentimento de inadequação. São melancólicos e, com exceção do Jeca Tatu, não têm final feliz. Assim como a medicina desenvolveu antídotos contra as doenças, o Brasil também desenvolve práticas para combater a melancolia. Manifestaç§es culturais "tipicamente brasileiras" como o futebol, o carnaval e a malandragem seriam respostas à tristeza cotidiana ou ainda uma forma de defesa contra ela. A vida moderna exige ação, trabalho, movimento constante e frenético. Há cada vez menos espaço para a melancolia que herdamos.

    "Saturno é um planeta lento demais para os tempos do Prozac" mas, nessa toada, segue o Brasil, que "apesar da melancolia, da tristeza, da depressão, ou seja lá que nome tenha a coisa, sobrevive...".

     

    Patrícia Mariuzzo