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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.56 n.1 São Paulo ene./mar. 2004

     

     

    Ciência e Literatura

    OLIVER SACKS É UM ANTROPÓLOGO EM MARTE

     

    O inglês Oliver Sacks é um neurologista com muitos pacientes para estudar e histórias para contar. O olhar de Sacks sobre seus pacientes, nos nove livros que já publicou, torna-os extremamente interessantes revelando mistérios da mente humana. Algumas das obras, pelo potencial em dramaturgia, foram adaptadas para o cinema. O filme mais conhecido é Tempo de despertar, baseado no livro de mesmo nome,produçãode 1991, tendo Robin Williams e Robert De Niro nos papéis principais. O livro conta a história de um grupo de pacientes com letargia encefálica, que retornam subitamente ao mundo após décadas de "sono". Presenciar o "renascimento" dessas pessoas permitiu a Sacks repartir a experiência daquelas vidas incomuns - que maravilharam e intrigaram o autor - com muitas outras pessoas, via literatura e cinema.

    Além de um humanizado neurologista, Sacks também se revela um exímio contador de histórias. Em sua obra, a complexidade de seus casos clínicos aparece em narrativas envolventes e muito próximas do cotidiano das pessoas. Muitas vezes, os pacientes parecem ser apenas um pretexto para Sacks compartilhar com os leitores a dura fragilidade humana e os esforços empregados para a sobrevivência em meio a grandes adversidades que transformam a vida em uma realidade, muitas vezes, quase insuportável.

    O caso do pintor que ficou daltônico, contado no livro Um antropólogo em Marte, é um exemplo da incrível capacidade de adaptação humana a condições adversas. Esse pintor torna-se completamente daltônico devido a um acidente de carro, deixa de viver no mundo colorido conhecido para olhar a vida nas tonalidades cinza, preta e branca. Sacks consegue transmitir as emoções causadas por essa transformação na vida de um artista que tinha na cor sua inspiração, e relata o lento processo de adaptação, nada fácil, à nova realidade.

    Em A ilha dos daltônicos, o neurologista depara-se com uma situação peculiar numa ilha do Atol de Pingelap, no Pacífico. Isolados, os habitantes da ilha nasciam daltônicos e desenvolviam um tipo de vida completamente adaptado a essa condição. E, se lembrarmos de Darwin e Wallace, podemos entender ainda melhor o fascínio de Sacks pelo caso, porque a ilha foi um dos objetos do estudo que deu origem à teoria da evolução, e não dá para pensar em evolução sem pensar em adaptação, aliás, em muitas adaptações – como as dos pacientes de Sacks.

    Garimpando reações e emoções na vida de seus pacientes, Sacks encontra um repertório rico para desenvolver seu viés literário. O escritor tira o avental e segue em busca de respostas mais abrangentes sobre a vida humana, incorporando à sua formação de neurologista a visão de antropólogo. Mostra que não é preciso ir longe, fazer uma grande viagem, cruzar oceanos, para descobrir um mundo sempre surpreendente, que existe dentro do "pequeno" espaço da cabeça das pessoas.

     

    Juliana Schober