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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.56 no.2 São Paulo Apr./June 2004

     

     

     

    VIOLÊNCIA

    Criminalidade altera perfil urbano

     

    Nas duas últimas décadas, o aumento da violência causou forte impacto sócio-econômico nas grandes cidades: maiores gastos públicos e privados com segurança, perda de investimentos no comércio e indústria, mudança de hábitos de consumo. Diante desse chamado "custo da criminalidade", a própria configuração urbana sofreu mudanças. O cenário é, hoje, pontuado por condomínios, ruas e bairros fechados, residências com altos muros e cercas eletrificadas. Para a pesquisadora Denise Mônaco do Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida (Nomads) da Universidade de São Paulo (USP), "a expansão de empreendimentos fechados faz parte de estratégias imobiliárias e de marketing que utilizam a questão da segurança como apelo principal. Persuadem consumidores, que são bombardeados pela mídia diariamente, com relatos sensacionalistas sobre crimes violentos", afirma Denise.

    Para a antropóloga Tereza Pires Caldeira, da Universidade da Califórnia e autora do livro Cidade de muros, os condomínios fechados constituem-se em um novo padrão de segregação espacial e desigualdade social na cidade. Um novo modelo de segregação substitui, aos poucos, a dicotomia centro-rico x periferia-pobre.

     

     

    "A implantação dessas novas formas espaciais deriva de um padrão de assentamento urbano destinado a alguns privilegiados, acentuando as disparidades sociais e ressaltando um processo de negação da esfera pública, e de sua diversidade. O espaço urbano aparece, neste contexto, como perigoso, caótico, impessoal, doentio, cinza; espaço a ser evitado e que deve ser isolado", enfatiza Denise.

    CUSTO DA VIOLÊNCIA Além de mudar a forma de o cidadão se relacionar com a cidade, os altos índices de criminalidade acarretam problemas de ordem sócio-econômica. Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), apenas em 1997, o Brasil perdeu 10,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em razão da falta de segurança. O cálculo inclui despesas com serviços decorrentes da violência como: hospitais, polícia, aparatos de segurança e sistema judicial. Valor subestimado, segundo os especialistas, pois não leva em conta perdas com turismo, atividades econômicas noturnas, investimentos externos, entre outras receitas indiretas afetadas pelo crime.

    Para Túlio Kahn, coordenador de análise e planejamento da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, essas estimativas ainda são precárias."Não se consegue precisar a dimensão real desses impactos, que vão dos diretos, como custo do combate e prevenção da violência, a vários indiretos, onde se inclui, por exemplo, a perda de vida produtiva do jovem, parcela da população onde estão as maiores taxas de homicídio. Esses são custos incalculáveis", declara.

    Kahn acrescenta que é preciso diferenciar os tipos de crimes e locais onde ocorrem, para buscar compreender as motivações e perfil do criminoso. Roubos e furtos em geral acontecem em bairros de classe média alta, por exemplo. "Nesse tipo de crime existe relação direta com os níveis de riqueza e não com os de pobreza, como geralmente é dito". Segundo ele, ao fazer um levantamento dos locais de maior incidência de roubos e furtos, observa-se que são áreas com maior circulação ou acúmulo de bens, regiões com alta concentração de riqueza. Já homicídios ocorrem, em maior número, nos bairros pobres e as motivações são passionais ou relacionadas ao tráfico de drogas em sua maioria.

    Para o coordenador, o planejamento urbano pode contribuir na redução dos índices de violência. Ele acredita que o processo de urbanização tardio, acelerado e desordenado dos países latino-americanos gerou muitos conflitos sociais que seriam a raiz do problema da criminalidade. "Os países que tiveram um desenvolvimento rápido e tardio possuem, em geral, desordenamento urbano e as maiores taxas de criminalidade do mundo", conclui Kahn.

    Denise Mônaco assinala que a relação entre planejamento urbano e qualidade de vida nas grandes cidades faz parte de uma concepção do pensamento urbanístico existente desde a década de 1960 no Brasil. Hoje, porém, o papel do planejamento urbano no crescimento da criminalidade foi minimizado diante de outros fatores, como as variáveis sócio-econômicas e a falência institucional.

     

    Márcia Tait Lima